Urbi et Orbi
- Como um dos mais destacados constitucionalistas, de
que forma tem assistido ao desenrolar do processo “Casa
Pia”?
Gomes Canotilho - Tenho assistido mais
como cidadão. Este processo obrigou-nos a reflectir
sobre questões fundamentais, como, por exemplo,
as escutas telefónicas, a prisão preventiva
e nesse aspecto julgo que as decisões do Tribunal
Constitucional têm sido exemplares e contribuíram
para uma actualização da compreensão,
quer da Constituição, quer do código
penal. Independentemente, da tragédia que constituiu
o processo “Casa Pia”, no plano jurídico,
alguma coisa se adiantou.
No plano cívico, vejo que este caso contribuiu
para um grande mal-estar no seio da sociedade portuguesa
com uma certa falta de auto-confiança. Foi um momento
de pessimismo nacional.
Urbi et Orbi - Quanto ao recente caso da “Crise
Política”?
Gomes Canotilho - Fui uma das pessoas
ouvidas pelo Presidente da República, e as conversas
com ele não se podem revelar. Creio, contudo, que
há uma nota a salientar. O que Jorge Sampaio fez
é legítimo. O Presidente da República
é quem nomeia o primeiro-ministro, mediante os
resultados eleitorais e é quem pode dissolver a
Assembleia, mediante um acto autónomo e pessoal
e é ele, e só ele, quem pondera o bem e
mal de uma dissolução, mediante isso, tomou
a decisão que lhe pareceu mais acertada.
Urbi et Orbi - Então, quais são
os efeitos legislativos que se podem ser retirados desta
decisão?
Gomes Canotilho - A partida do primeiro-ministro
para o Parlamento Europeu pode ser ponderada como exemplo
para acontecimentos futuros. O que deve acontecer caso
um governante seja chamado para ocupar um lugar de destaque
a nível internacional e quais as respostas ao nível
constitucional? Há que ponderar como é que
se vai fazer a substituição em casos de
renúncia. Este caso vai-nos fazer reflectir sobre
isso, ao nível da revisão constitucional.
Urbi et Orbi - O Estado, e todos quantos o representam,
tem cumprido bem a sua missão?
Gomes Canotilho - Ainda é hoje,
o herói local. Quem nos ensina matemática,
é o Estado local, quem defende o cidadão
é o Estado da proximidade, quem assegura o desenvolvimento
do País, nas suas múltiplas vertentes, ainda
é o Estado.
Se acrescentarmos a ideia de que este é supervisor,
no sentido em que tem uma visão de futuro, então
verificamos que o nosso crescimento está pendente
desta estrutura. A qual tem o poder e o dever de garantir
a igualdade social, cultural e económica, dos seus
cidadãos, através de leis.
Porém o Estado não tem feito o que pode
fazer, relativamente, às políticas de investimento
estrangeiro. O que tem consequências, quer no plano
económico, quer social. Daí que a minha
ideia seja de crítica quanto a uma concentração
de investimento público, em determinadas áreas
do País, que já são mais desenvolvidas,
e não haver medidas adequadas de desenvolvimento
regional, quer do próprio Estado, quer da função
deste em captar outros investimentos para estas regiões.
Urbi et Orbi - Leis que nem sempre funcionam
da melhor forma, como é o caso da lei de financiamento
do Ensino Superior. Como vê isso?
Gomes Canotilho - Sou defensor do pagamento
de propinas. Penso também que os estudantes encurtam
o sentido da sua luta quando focalizam apenas o assunto
das propinas e têm formas de reacção
como as invasões de Senados.
Subjacente a isto tudo, por detrás desta luta,
muitas vezes mal conduzida, há uma luta justa dos
estudantes. O combate para que o Ensino Superior público
não possa ser descapitalizado, transformado num
sistema sem crédito, desprovido de excelência,
porque isso é o pior que pode acontecer a uma Universidade.
Daí que, quando os estudantes lutam contra as propinas,
a favor da valorização do Ensino Superior
público, a favor do aumento de investimentos neste
mesmo ensino, penso que a luta se torna justa.
Urbi et Orbi - Quanto ao aproveitamento retirado
do Ensino Superior e dos licenciados, como vê esse
campo?
Gomes Canotilho - Quando nós
falamos de Bolonha, da empregabilidade e da mobilidade
no Ensino Superior, fazemo-lo a um nível europeu.
Logo, há que salientar que essa mobilidade não
passa só pelos estudantes e professores.
O problema e a solução deste passa pela
articulação entre as Universidades e a Europa
da ciência, da inovação e do conhecimento.
É neste mesmo aspecto que eu fico algo pessimista.
Até porque me tenho interrogado sobre a forma como
a Europa, no seu conjunto, exporta, coloca no desemprego,
os nossos jovens mais talentosos, verdadeiros génios,
que vêem liquidadas, a meio das suas vida, as hipóteses
de um futuro promissor.
Isto tudo é sinal de que alguma coisa no plano
universitário, no plano científico e de
investigação, está a correr mal.
Daí que a Europa esteja a perder a guerra, não
em termos militares, em número de porta-aviões,
mas em termos culturais, educacionais e de investigação.
Urbi et Orbi - Contudo, em seu entender, os investigadores
parecem não estar a ser devidamente apoiados?
Gomes Canotilho - A Europa está
com uma má política de investigação,
está com uma má política universitária,
está com uma má política económica
e no fundo está com uma má política
para a defesa dos valores importantes para a Europa. È
crucial que se modifiquem cenários como os actuais
em que as “mentes brilhantes” sejam forçadas
a procurar emprego e a continuar as suas pesquisas na
América. É esse o grande poder que aquele
país tem, neste momento, relativamente à
Europa. O qual tende a aumentar e a tornar-se mais perigoso.
Urbi et Orbi - Em que perspectiva as leis e a
constituição podem modificar esse cenário?
Gomes Canotilho - Parece paradoxal,
mas um jurista não equaciona o verdadeiro valor
das leis. Contudo, numa sociedade, como a actual, em que
as fontes legislativas estão muito polarizadas,
essa avaliação parece ganhar contornos verdadeiros.
As leis, os decretos, vindos das mas variadas fontes,
vão perdendo força. Só se volta a
conquistar quando se lhe empresta o poder político.
Mas desta forma as leis apontam uma determinada vontade,
apontam para determinadas normas políticas.
Urbi et Orbi - Quanto ao futuro dos jovens, qual
a sua opinião?
Gomes Canotilho - Os jovens hoje mostram
capacidade de saberes muito superiores aos jovens, com
boas notas, do meu tempo. Penso que hoje, os jovens têm
mais competências e mais saberes. O grande problema
tem sido o de enquadrar esta multiplicidade de sabres.
Até porque, uma orquestra não é composta
apenas por violinos, tal como o desenvolvimento social
não é feito apenas com os licenciados.
Actualmente, existem outros acessos a fontes de informação,
outra mobilidade de conhecimentos em termos culturais,
geográficos e territoriais. Dispõem também
de uma perspectiva crítica que muitas vezes não
é canalizada partidariamente e ideologicamente,
mas os jovens estão atentos e são críticos
e conscienciosos. É um erro dizer que a juventude
é desculturalizada.
Urbi et Orbi - Como vê então as
leis para os novos meios de comunicação?
Gomes Canotilho - Relativamente a alguns
meios de comunicação social tem de existir
um novo enquadramento. Basta ler a nossa Constituição
para vermos que, em relação aos meios de
comunicação, tudo mudou. Quando se trata
de novos órgãos de comunicação,
nomeadamente, multimédia, apercebemo-nos que em
dez anos, por exemplo, tudo está diferente. Muitas
vezes, as leis têm de seguir a evolução
tecnológica. Neste aspecto, isso tem de ser uma
realidade.
Gomes
Canotilho é um dos mais destacados
constitucionalistas portugueses |
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José Gomes Canotilho nasceu em Pinhel,
a 15 de Agosto de 1941. Este homem da beira,
criado entre os montes da Estrela ainda
hoje, mantém “com orgulho”
o sotaque beirão. Em Coimbra, lugar
onde estuda e fica, posteriormente, como
docente, faz carreira no campo do Direito.
É licenciado pela Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra, onde chegou
já a ocupar o cargo de vice-reitor
no tempo de Joaquim Teixeira Ribeiro, em
1975. É actualmente o presidente
do Conselho Científico da Faculdade
de Direito, depois de, em 2002/2003, ter
sido responsável pela regência
de Direito Constitucional nas licenciaturas
de Direito e Administração
Pública. Gomes Canotilho é
catedrático de Ciências Jurídico
Políticas da faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra e responsável
por uma vasta bibliografia no campo legislativo,
da qual se destacam os seguintes títulos:
Direito Constitucional e Teoria da Constituição;
A Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos;
Constituição, Dirigente e
Vinculação do Legislador;
Direito da Propriedade e Defesa do Ambiente
e Direitos Fundamentais.
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