Urbi et Orbi
- Porquê utilizar um pseudónimo, num tempo
em que cresce o número de pessoas que desejam ser
conhecidas como escritores?
Mário Cláudio - Não creio
que exista discrepância entre a utilização
de um pseudónimo e a verdadeira identidade de um
escritor. De Júlio Dinis a Eugénio de Andrade,
passando por José Régio e por Miguel Torga,
temos amplíssimas provas de coincidência.
U@O - Nasceu no Porto onde, tirando os estudos
em Coimbra, creio que tem sempre vivido. É um escritor
do Norte?
M. C. - Sou um escritor do Norte, de Portugal
inteiro, e pelo menos dos vários países
onde estou traduzido.
U@O - A importância da sua obra na literatura
contemporânea é, parece-me, desproporcional
em relação à discreta presença
e visibilidade que tem nos media. Essa também é
uma forma de ser do Norte?
M. C. - Se tal desproporção existe,
ela apenas resultará do desequilíbrio que
se manifesta entre a exigência de leitura do que
escrevo e a indigência de leitura de alguns media.
U@O - Tal como Camilo, é um escritor extraordinariamente
prolífico. Trabalha muito?
M. C. - Muitíssimo, e não apenas
em quantidade.
U@O - É bastante misterioso, para todos
os que não escrevem, o impulso, a motivação
do escritor. Porque escreve?
M. C. - Só consigo responder a esta pergunta
com o que espero se não tome como pequena insolência.
Porque sim.
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"Escrevo para um público que saiba ler-me"
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U@O - Como nascem as suas personagens e histórias?
Vivem consigo e deseja libertar-se delas; ou perfilha
a teoria - muito recorrente - de que os livros, de alguma
forma, não foram escritos por si, mas através
de si?
M. C. - Claro que quem escreve é o outro,
mas a vida que sai da pena faz parte da própria
vida. Não acredito em personagens literários
que não sejam pessoas, reais e digníssimas.
U@O - Quando escreve, estuda ao pormenor os personagens,
os lugares, os acontecimentos, ou por outro lado, confia
na memória e na imaginação?
M. C. - A escrita é resultado de várias
motivações. Não creio que seja possível
escrever sem ler, nem acredito na escrita desligada dos
voos da fantasia.
U@O - Cardoso Pires dizia - de uma forma belíssima
que não esta porque cito de memória - que
todo o artista vivia dilacerado pelo paradoxo de não
ter público algum; e ter demasiado público
(ser light, como agora usual dizer-se). Perturba-o essa
contradição?
M. C. - Escrevo para um público que saiba
ler-me, não abro as pernas a tutti
quanti.
U@O - Acredita que as políticas comerciais
das editoras, com o lançamento indiscriminado de
títulos no mercado, trazem bons resultados?
M. C. - Para a literatura, tenho a certeza de
que não. Para as finanças, pergunte-se às
editoras ou à Senhora Ministra. Em todo o caso
começa a existir alguma vantagem em se separar
o que é das prateleiras de uma biblioteca daquilo
que pertence aos expositores de um supermercado.
U@O - As políticas culturais e de apoio
aos escritores têm sido, em seu entender, as mais
acertadas? O que preferiria: apoio aos escritores, ou
apoio às edições?
M. C. - Ambas as formas são compatíveis
uma com a outra. O que importa é a existência
de uma verdadeira política do livro, o que de momento
não existe em Portugal.
U@O - Num país como Portugal, pátria
de um prémio nobel da literatura, mas também
de índices desastrosos de oralidade e escrita,
e de leitura de livros e jornais, que diagnóstico
faz à saúde da língua de Camões?
M. C. - A língua que falamos continua
a ter quem a defenda, e quem de alguma forma esteja disposto
a sacrificar-se por ela. São poucos, mas são
os melhores. Chamam-se Agustina Bessa-Luís, António
Lobo Antunes, Maria Velho da Costa, e situa-se entre eles
a pessoa que responde ao seu questionário.
"Falta qualidade aos docentes de Português"
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U@O - Preocupa-o a menorização
- há quem fale em assassinato - da literatura nos
programas de português do Secundário?
M. C. - Preocupa-me a falta de qualidade dos
docentes de Literatura Portuguesa. Enquanto não
se registarem acentuadas melhorias neste aspecto, e não
creio que venhamos a assistir a elas a breve trecho, a
menorização de que fala bem poderá
vir a ser um mal menor.
U@O - Foi professor na Escola Superior de Jornalismo
do Porto. Como vê o currículo dos cursos
de jornalismo em Portugal? E o panorama mediático
português, em mutação acelerada desde
a abertura do mercado às televisões privadas?
M. C. - As transformações na área
mediática têm vindo a acusar uma progressiva
desvalorização das humanidades, servida
pela ideia de que, mais importante do que o conteúdo
da mensagem, é a mensagem em si mesma. Os mediólicos,
operando compulsivamente a substituição
do diálogo valorizador pela solidão tecnológica,
não se encontram em situação de reconhecer
as suas perdas, que de resto não muito diversas
daquilo a que um poeta francês chamou "a tristeza
dos iletrados".
U@O - O aparecimento das novas tecnologias e
a facilidade de acesso a todo o universo, concedida pelas
páginas pessoais da Internet, tem vindo a fazer
com muitas pessoas utilizem este meio para dar a conhecer
os seus escritos. Recordo-lhe "o advento da liberdade
de expressão" presente na sua obra Ursamaior.
Como vê tudo isto?
M. C. - Todos os suportes são bons, o
importante é o que se faz assentar neles.
U@O - Acredita que a Internet e as novas tecnologias
como o telemóvel, agendas de bolso e e-books vão
acabar com os jornais e os livros como hoje os conhecemos?
M. C. - Não. Acho que os vários
suportes permanecerão lado a lado durante longo
tempo.
U@O - Vencedor, entre outros, no ano de 2001,
do Grande Prémio da Crónica, atribuído
pela Associação Portuguesa de Escritores,
qual é a sua opinião sobre este género
literário nos jornais e nas estantes das livrarias?
M. C. - Fui vencedor de dois Grandes Prémios
da Associação Portuguesa de Escritores,
o da ficção e o da crónica. A crónica
é uma modalidade de escrita em plena expansão
nos periódicos. A sua sobrevivência em livro
parece-me bastante problemática.
U@O - Depois de Ursa Maior e Oríon, está
a trabalhar em algum novo livro?
M. C. - Em Outubro sairá o último
volume da trilogia, intitulado Gémeos.
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