Por Eduardo Alves



Mário Cláudio entende-se como um escritor do Norte, Portugal e dos países onde tem edições publicadas

Urbi et Orbi - Porquê utilizar um pseudónimo, num tempo em que cresce o número de pessoas que desejam ser conhecidas como escritores?
Mário Cláudio -
Não creio que exista discrepância entre a utilização de um pseudónimo e a verdadeira identidade de um escritor. De Júlio Dinis a Eugénio de Andrade, passando por José Régio e por Miguel Torga, temos amplíssimas provas de coincidência.

U@O - Nasceu no Porto onde, tirando os estudos em Coimbra, creio que tem sempre vivido. É um escritor do Norte?
M. C. -
Sou um escritor do Norte, de Portugal inteiro, e pelo menos dos vários países onde estou traduzido.

U@O - A importância da sua obra na literatura contemporânea é, parece-me, desproporcional em relação à discreta presença e visibilidade que tem nos media. Essa também é uma forma de ser do Norte?
M. C. -
Se tal desproporção existe, ela apenas resultará do desequilíbrio que se manifesta entre a exigência de leitura do que escrevo e a indigência de leitura de alguns media.


U@O - Tal como Camilo, é um escritor extraordinariamente prolífico. Trabalha muito?
M. C. -
Muitíssimo, e não apenas em quantidade.

U@O - É bastante misterioso, para todos os que não escrevem, o impulso, a motivação do escritor. Porque escreve?
M. C. -
Só consigo responder a esta pergunta com o que espero se não tome como pequena insolência. Porque sim.





"Escrevo para um público que saiba ler-me"

U@O - Como nascem as suas personagens e histórias? Vivem consigo e deseja libertar-se delas; ou perfilha a teoria - muito recorrente - de que os livros, de alguma forma, não foram escritos por si, mas através de si?
M. C. -
Claro que quem escreve é o outro, mas a vida que sai da pena faz parte da própria vida. Não acredito em personagens literários que não sejam pessoas, reais e digníssimas.


U@O - Quando escreve, estuda ao pormenor os personagens, os lugares, os acontecimentos, ou por outro lado, confia na memória e na imaginação?
M. C. -
A escrita é resultado de várias motivações. Não creio que seja possível escrever sem ler, nem acredito na escrita desligada dos voos da fantasia.


U@O - Cardoso Pires dizia - de uma forma belíssima que não esta porque cito de memória - que todo o artista vivia dilacerado pelo paradoxo de não ter público algum; e ter demasiado público (ser light, como agora usual dizer-se). Perturba-o essa contradição?
M. C. -
Escrevo para um público que saiba ler-me, não abro as pernas a tutti
quant
i.

U@O - Acredita que as políticas comerciais das editoras, com o lançamento indiscriminado de títulos no mercado, trazem bons resultados?
M. C. -
Para a literatura, tenho a certeza de que não. Para as finanças, pergunte-se às editoras ou à Senhora Ministra. Em todo o caso começa a existir alguma vantagem em se separar o que é das prateleiras de uma biblioteca daquilo que pertence aos expositores de um supermercado.


U@O - As políticas culturais e de apoio aos escritores têm sido, em seu entender, as mais acertadas? O que preferiria: apoio aos escritores, ou apoio às edições?
M. C. -
Ambas as formas são compatíveis uma com a outra. O que importa é a existência de uma verdadeira política do livro, o que de momento não existe em Portugal.

U@O - Num país como Portugal, pátria de um prémio nobel da literatura, mas também de índices desastrosos de oralidade e escrita, e de leitura de livros e jornais, que diagnóstico faz à saúde da língua de Camões?
M. C. -
A língua que falamos continua a ter quem a defenda, e quem de alguma forma esteja disposto a sacrificar-se por ela. São poucos, mas são os melhores. Chamam-se Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes, Maria Velho da Costa, e situa-se entre eles a pessoa que responde ao seu questionário.


"Falta qualidade aos docentes de Português"

U@O - Preocupa-o a menorização - há quem fale em assassinato - da literatura nos programas de português do Secundário?
M. C. -
Preocupa-me a falta de qualidade dos docentes de Literatura Portuguesa. Enquanto não se registarem acentuadas melhorias neste aspecto, e não creio que venhamos a assistir a elas a breve trecho, a menorização de que fala bem poderá vir a ser um mal menor.

U@O - Foi professor na Escola Superior de Jornalismo do Porto. Como vê o currículo dos cursos de jornalismo em Portugal? E o panorama mediático português, em mutação acelerada desde a abertura do mercado às televisões privadas?
M. C. -
As transformações na área mediática têm vindo a acusar uma progressiva desvalorização das humanidades, servida pela ideia de que, mais importante do que o conteúdo da mensagem, é a mensagem em si mesma. Os mediólicos, operando compulsivamente a substituição do diálogo valorizador pela solidão tecnológica, não se encontram em situação de reconhecer as suas perdas, que de resto não muito diversas daquilo a que um poeta francês chamou "a tristeza dos iletrados".

U@O - O aparecimento das novas tecnologias e a facilidade de acesso a todo o universo, concedida pelas páginas pessoais da Internet, tem vindo a fazer com muitas pessoas utilizem este meio para dar a conhecer os seus escritos. Recordo-lhe "o advento da liberdade de expressão" presente na sua obra Ursamaior. Como vê tudo isto?
M. C. -
Todos os suportes são bons, o importante é o que se faz assentar neles.

U@O - Acredita que a Internet e as novas tecnologias como o telemóvel, agendas de bolso e e-books vão acabar com os jornais e os livros como hoje os conhecemos?
M. C. -
Não. Acho que os vários suportes permanecerão lado a lado durante longo tempo.

U@O - Vencedor, entre outros, no ano de 2001, do Grande Prémio da Crónica, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, qual é a sua opinião sobre este género literário nos jornais e nas estantes das livrarias?
M. C. -
Fui vencedor de dois Grandes Prémios da Associação Portuguesa de Escritores, o da ficção e o da crónica. A crónica é uma modalidade de escrita em plena expansão nos periódicos. A sua sobrevivência em livro parece-me bastante problemática.


U@O - Depois de Ursa Maior e Oríon, está a trabalhar em algum novo livro?
M. C. -
Em Outubro sairá o último volume da trilogia, intitulado Gémeos.

 

 






Perfil e respostas breves



Rui Manuel Pinto Barbot Costa é mais um dos muitos escritores da cidade invicta. Nasce no Porto em 1941, de onde se retira, momentaneamente, para a capital, com a finalidade de estudar Direito. Licenciatura que será concluída na cidade de Coimbra. A nível académico, passa ainda pela Universidade de Londres, onde é graduado como Master of Arts. Pouco conhecido pelo seu nome próprio, este escritor do Norte assina as suas obras com o pseudónimo de Mário Cláudio. No seu percurso de vida e profissional, “Mário Cláudio” já exerceu funções como técnico do Museu Nacional de Literatura e também como professor universitário. Galardoado com o prémio APE de Romance e Novela em 1984, através do seu livro Amadeo. Este entre muitos outros reconhecimentos fazem de “Mário Cláudio”, um dos mais destacados escritores portugueses dos últimos 20 anos.

U@O - Quais os seus hobbies?
M. C. -
A viagem, a viagem, a viagem.

U@O - Que livro está a ler?
M. C. -
A obra completa de Tomaz de Figueiredo, um enorme escritor português, esquecido pelos fanáticos do futebol.

U@O - O que levaria para uma ilha deserta?
M. C. -
A Bíblia.

U@O - O que lhe falta realizar?
M. C. -
A vida.

U@O - Tem especial apreço por...
M. C. -
cães.

U@O - Qual o músico favorito?
M. C. -
O das esferas.

U@O - O local que mais gostaria de visitar?
M. C. -
O geométrico.