José Geraldes

Não há pachorra


Sem uma reforma verdadeira dos Serviços Públicos, simplificando a burocracia, estamos a andar para trás.

Que a burocracia seja uma pecha em Portugal, já disso todos estamos convencidos. Que seja um obstáculo à produtividade dos portugueses nem todos ainda deram pelo facto. Mas trata-se de um problema muito sério que mexe com o nosso progresso em comparação com outros países da União Europeia.
Dois exemplos contados na primeira pessoa dizem-nos o suficiente para dar a dimensão do estado lastimoso em que nos encontramos. O primeiro foi contado, há tempos, por Eduardo Prado Coelho na sua coluna do Público. Para pagar a Sisa de uma casa que comprou, o conhecido intelectual passou um cheque que não chegou a ser registado, pois a Sisa mudou de nome. Entretanto, teve de passar outro cheque com o novo nome da Sisa. Por causa disto, a escritura da casa entrou em coma. Pois era preciso reaver o primeiro cheque para ser devidamente reembolsado. O articulista escreveu uma carta à ministra das Finanças para o reembolso do “cheque virtual”, reembolso sempre adiado e que se espera tenha já regressado ao bolso do seu legítimo dono. Ou seja, o cidadão paga dois cheques com o mesmo valor para o mesmo fim, não sabendo quando receberá a devolução do primeiro.
Se fosse ao contrário, começaria logo a pagar juros de mora. Não consta que Eduardo Prado Coelho tenha recebido compensações justificadas ou ao menos um pedido de desculpas.
Veja-se com isto a perda de tempo e as arrelias que prejudicaram Eduardo Prado Coelho. E vai o Ministério das Finanças remediar os aborrecimentos causados por este facto ? Não dizem os ingleses que tempo é dinheiro ? E o tempo gasto pela Repartição de Finanças não podia ser rentabilizado noutras tarefas ?
O segundo exemplo é contado pelo covilhanense José Manuel Barata- Feyo, na sua crónica semanal na revista Grande Reportagem. Dois casos são comparados. Um em França, outro em Portugal. Escreve : “ Para comprar uma moto em segunda mão, em Paris, em 1980, apresentei dois documentos: o livrete antigo, assinado pelo ex-proprietário, e a minha autorização de residência em França. Passados dez minutos tinha um novo libvrete/registo em meu nome”.
Bararat-Feyo narra o caso passado em Portugal : “Em 2000, depois de ter gasto mais de uma hora numa inevitável bicha para o guichet, apresentei seis documentos e recebi de volta senha de apresentação devidamente numerada, assinada e carimbada em branco. É “uma guia de substituição dos documentos de circulação do veículo automóvel”, válida por 15 dias, findos os quais devo regressar à bicha para levar nas traseiras da guia um outro carimbo, que prolongará a sua validade por seis meses, findos os quais, se tudo correr bem e depressa, receberei o documento definitivo”.
Estes exemplos são elucidativos de como está organizada a nossa Administração Pública. E do atraso e reduzida eficiência que provoca nos serviços do quotidiano de cada um de nós.
A continuarem as coisas assim não vamos a lado nenhum. O que se conta nestes exemplos, passa-se no registo de uma empresa ou em simples outros actos administrativos.
O Governo lançou, com paixão, a reforma da Administração Pública. O ímpeto do início está a esmorecer. A Loja do Cidadão, do Governo socialista, era uma boa iniciativa para agilizar qualquer processo. Pelos vistos, o lançamento de novas lojas também perdeu entusiasmo.
Um facto é certo. Sem uma reforma verdadeira dos Serviços Públicos, simplificando a burocracia, estamos a andar para trás. E já não há pachorra para tanta papelada inútil que só gasta os nossos impostos e nos torna um acto administrativo num calvário.