Anabela Gradim
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E já
não há volta atrás
Cumpriram-se os 30 anos de Abril sem alarido nem sobressalto
– alguma pastilha elástica, é certo
– mas no geral com alegria e maturidade. E é
um feito absolutamente espantoso que uma evolução
de onde nunca se poderá apagar o R, com maiúscula
e tudo, venha encontrar uma sociedade tão segura,
pacificada, reconciliada mesmo com os seus piores fantasmas,
e onde o espírito democrático, a alternância
e a liberdade são aquisições irreversíveis.
Esse feito, e todas as conquistas e progressos que a sociedade
portuguesa conheceu nos últimos 30 anos, são
motivo de irreprimível orgulho para todos os portugueses.
Não foi fácil. E tanto poderia ter corrido
mal! Um golpe de extrema esquerda, ou um golpe de extrema
direita, seguidos de guerra civil que muitos aliados externos
se prestariam sem dúvida a apoiar e financiar,
foram, como que por milagre, evitados. Mas não
foi um milagre. Foram os portugueses que às vezes,
em horas críticas, revelam sobrenatural bom senso,
e outras vezes, fazem bem, e Muito Bem, o que mais ninguém
conseguiria fazer. É bom lembrá-lo, em hora
de depressão colectiva, e quando a res publica,
nas notícias que todos os dias nos chegam, parece
cada vez mais opaca e lamacenta. Será? Decadência,
ou investigação e justiça a funcionar?
Daqui a 10 anos saberemos, pois há coisas que só
à distância podem ser devidamente avaliadas.
O próprio descuido com que as gerações
que nasceram no pós-25 encaram a data, e que tem
de negativo a incultura que quereríamos hoje vencida
pela escola para todos, é também um sinal
dessa normalidade democrática que se instalou na
vida pública e nas instituições –
e assim, nesse especialíssimo sentido, de certa
forma um sinal positivo. Claro que nenhum povo sobrevive
sem memória, e que a tarefa de recordar, e avaliar,
e serenamente ensinar o sentido e o valor da Revolução
continua a ser dever de todos os educadores. Mas que eles
não lhe liguem nos livros, porque não o
sabem na carne, no medo, na opinião sussurrada,
é também uma vitória de Abril.
E quando nos gritam que estas conquistas estão
em perigo, algumas estarão, mas não por
nenhuma perversidade intrínseca do nosso regime
democrático que degenera, e sim pelas mesmas razões
que por todo o mundo, e muito especialmente na Europa,
ameaçam o Estado-Providência e a prosperidade
ímpar que se viveu após a II Guerra. E a
solução para isso é a que terá
de ser encontrada por todas as democracias ocidentais
para lidarem com a questão – não só
a nossa.
Segue-se que conseguimos. A Revolução portuguesa,
que é caso único no mundo, tornaria esse
mundo um lugar bem melhor se pudesse ser imitada –
no Iraque, por exemplo, e em tantos outros sítios
– e a sua maior conquista, a liberdade, essa já
ninguém nos tira.
Também é de não esquecer que um dos
grupos mais beneficiados com todas estas transformações
foram, sem dúvida, as mulheres. Largaram o estatuto
de eterna menoridade – da tutela do pai, para a
tutela do marido, chefe de família – para
conquistarem, também, liberdade de movimentos e
independência económica, que alcançaram
através do ingresso massivo no mercado de trabalho.
Neste campo, acredito que está hoje em curso uma
verdadeira revolução silenciosa, de que
as minhas netas e netos colherão os frutos: a chegada
em massa à universidade. Hoje elas estudam, estudam
mais que os homens, e até mais tarde. Licenciam-se
em muito maior número, não só nas
áreas que eram tradicionalmente reduto feminino
– a figura da professora primária –
mas em todas. Estão a chegar à gestão,
à política, à academia, à
magistratura. A seu tempo, isso provocará a recomposição
da sociedade portuguesa, que era, e já não
é, atavicamente patriarcal, e torná-la-á
mais igualitária e justa. É certamente um
excelente exercício de pedagogia um energúmeno
que bate na mulher, ter depois de explicar a uma juíza,
como arguido, porque o faz. O resultado beneficiará
todos nós, pois acredito que é menos violenta
a sociedade onde mais mulheres detenham visibilidade e
poder.
Outra irreversível conquista de Abril foi a massificação
do ensino Secundário e Superior, e a sua disseminação
pelo País inteiro. E nesse sentido a UBI que ainda
se está construindo, é também em
parte fruto destes 30 anos de Abril. É certo que
a decisão de criar o Instituto Politécnico
da Beira Interior foi tomada em 1973 por Veiga Simão,
mas talvez as condições que proporcionaram
depois a sua transformação em universidade
não se tivessem verificado sem a massificação
de estudos e o progresso económico e social que
se seguiram a 1974. Quantos dos alunos que recebemos e
ensinamos chegariam à universidade no tempo da
outra senhora? Poucos, muito poucos mesmo. E poderia Portugal
ter conhecido todo este desenvolvimento sem escolas, universidades
e politécnicos que formassem a mão-de-obra
qualificada que deu corpo a essas transformação?
Duvido muito.
A universidade portuguesa, para o bem e para o mal, é
também de Abril na sua autonomia e independência
do poder político, e isso bem ajudou ao desenvolvimento
que conheceu nas últimas décadas.
São estas algumas das muitas razões para
celebrar, felizes, orgulhosos e profundamente gratos aos
que o sonharam, estes 30 anos de Abril. E de tudo isto
de que não há volta atrás, para a
frente se fará o caminho, muito naturalmente, ao
andar.
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