Por Ana Maria Fonseca e Catarina Rodrigues



"Se as empresas portuguesas têm uma aposta a fazer é na qualidade"

Urbi et Orbi - Qual foi o seu percurso até à presidência da Unidade de Ciências Sociais e Humanas?
Luís Lourenço -
Fui contratado em 1983 para o Departamento de Gestão e Economia, onde leccionei disciplinas na área da estatística. Em 86 tive uma bolsa de estudo de longa duração para o mestrado, que fiz na Universidade de Clemson, na Carolina do Sul. Entretanto candidatei-me ao doutoramento, que concluí em 1990. Em ambos a área de especialização foi em gestão da produção e das operações.
Depois regressei à então Universidade da Beira Interior. Na altura, no Departamento de Gestão e Economia, éramos dois doutorados e tudo caía um pouco sobre os meus ombros. Foi quando o Departamento mais cresceu, lançámos o curso de Economia e o primeiro mestrado em Gestão. Tudo isto me deixava muito pouco tempo para a investigação.
Gosto de dar a minha colaboração, mas confesso que muitas vezes me sinto desiludido com a resposta que as instituições, e que o País dá a quem dedica algum do seu tempo a fazer avançar as coisas.
Quanto aos cargos que já desempenhei, estive na direcção do Departamento durante seis anos, fui director de curso durante oito, presidente da comissão de equivalências, fiz parte da comissão coordenadora do Conselho Científico desde que foi criado, com excepção de dois anos, fui eleito do Senado durante oito anos. Tenho desempenhado cargos ao mais diverso nível. Para presidente da Unidade de Ciências Sociais e Humanas fui eleito há cerca de um ano e meio.

U@O - A Gestão da Qualidade é a sua área de eleição?
L.L.-
O meu doutoramento foi na área da gestão do planeamento e das operações, e a qualidade era um capítulo dessa área. A evolução levou a que hoje se considere a gestão da qualidade como uma disciplina. Por isso avancei na reestruturação do curso de Gestão, para a criação dessa disciplina. Sou o responsável por ela, tenho orientado várias teses de mestrado e de doutoramento , e feito parte de júris. É um tema interessante para investigação. Para lançar uma nova disciplina tive de fazer investigação. Não foi tão pública, mas tive de estudar, de me preparar, com o objectivo de desenvolver novas áreas do ensino e do saber. Reconheço que isso não é tão valorizado pelo Ensino Superior em Portugal.

U@O - Que importância atribui hoje à gestão da qualidade?
L.L.-
Considero-a de extrema e fundamental importância. Infelizmente hoje em Portugal, a nível dos serviços públicos, fico com a sensação que a qualidade é desvalorizada. Fala-se muito na competitividade das empresas. Mas há algo que, na minha opinião, tem sido ignorado pelos poderes públicos, que é a questão da qualidade. Se as empresas portuguesas têm uma aposta a fazer, é na qualidade. As pessoas têm de ter formação a esse nível, por isso entendo que esta disciplina é extremamente importante.

U@O - Como se gere a qualidade?
L.L.-
É um pouco complicado responder nesses termos, mas pode-mos falar no exemplo do que se passa na UBI, que é pioneira na auto-avaliação a nível das universidades portuguesas e isso é um aspecto fundamental. No entanto, receio que não estejamos a fazer aquilo que é absolutamente necessário.
Um dos conceitos fundamentais da qualidade é a abordagem por processos. E um processo é tudo aquilo que transforma alguma coisa, um input num output. Esta abordagem dos processos na perspectiva da qualidade é ver os inputs sempre na perspectiva daquilo que são as expectativas dos clientes e partes interessadas. E ver os outputs na perspectiva da forma como nós satisfazemos essas expectativas e interesses.

U@O - Quais são as principais dificuldades com que se depara na Unidade que dirige?
L.L.-
A Unidade das Ciências Sociais e Humanas é a maior da Universidade. É a que tem mais alunos, mais docentes, eu diria que eventualmente é a que mais contribui em termos de financiamento directo. É a que gasta menos, que tem o orçamento mais baixo, e menos funcionários. Tem mais cursos de pós-graduação a funcionar, e três publicações de carácter científico em permanência. Isto dá um pouco a perspectiva do que é esta unidade em termos de recursos. O meu objectivo para a UCP é, no meio destas dificuldades com que vive o Ensino Superior em Portugal, dar a nível da Universidade e depois no seu relacionamento com o exterior, a visibilidade pública que compete a esta Unidade pela sua importância e pelo trabalho que desenvolve.
É evidente que estamos numa fase de indecisão, nomeadamente no que diz respeito aos estatutos da Universidade. A própria configuração das faculdades é uma questão que está em cima da mesa. Estamos à espera da legislação que configura o estatuto de autonomia. Mas julgo que não seria descabido que internamente discutíssemos o que pretendemos para as faculdades. A não discussão desta problemática leva a que a própria configuração das faculdades esteja um pouco no limbo. Quais as responsabilidades, qual a autonomia que as unidades vão assumir? Penso que isso tem sido prejudicial ao afirmar da Faculdade.

U@O - Que diferenças fundamentais pode essa mudança trazer ao funcionamento da Unidade?
L.L.-
A questão passa pelas responsabilidades que o Conselho Científico das faculdades terá. Como é que a interligação entre as diferentes faculdades vai ser feita? Como é que a organização matricial da universidade se vai estruturar?
Há outro aspecto importante. Temos vários núcleos de investigação. A própria avaliação dessas unidades é problemática. Falta-nos massa crítica. Não temos o número de investigadores que se calhar era necessário. Como é que vamos conjugar isto dentro da unidade? Criar uma estrutura que congregue as diferentes unidades de investigação para podermos dar resposta às exigências ao nível da avaliação das unidades de investigação? Esse é um objectivo que temos na Faculdade mas não sabemos muito bem como é que poderá ser concretizado.

U@O - Sendo uma das maiores Unidades é aquela que apresenta mais limitações a nível de espaço físico...
L.L.-
Sim e temos ali um espaço que é nosso onde estão também cursos das Artes e Letras. O espaço está completamente estrangulado.
Depois existe outra complicação. Estamos sobrecarregados com trabalho docente e burocrático.
Como é que se quer promover a investigação e se aprovam financiamentos para investigadores estrangeiros virem para Portugal, quando nós, muitas vezes por deficiências no financiamento, estamos sobrecarregados e temos dificuldades tremendas para fazer investigação? Acho muito bem que se atraiam investigadores com nome e obra feita e que tragam a sua contribuição para Portugal. Mas simultaneamente temos de apoiar o que é feito cá e não está a ser apoiado.
Em regra não se aposta em ideias novas. Quem tem património é financiado, independentemente da ideia ser boa ou má.

U@O - Pensa que a tendência de crescimento das ciências sociais se irá manter?
L.L. -
Sim, e acrescentaria outra característica à Unidade: é aquela que não traz problemas a nível da colocação de alunos. Mas se continuarmos com a regulamentação que existe actualmente por parte do Ministério, não será possível, e também não sei se será razoável, crescer, porque temos de atender às características demográficas do País.

U@O - E as pós-graduações, que importância trazem?
L.L.-
São extremamente importantes. Com o processo de Bolonha teremos de avançar obrigatoriamente para a pós-graduação. A esse nível estamos preparados. É também um ponto de partida para fazer mais investigação e de qualidade.
A UBI só pode sobreviver se apostar na qualidade que tem de ser clara e conhecida lá fora. Esse é outro aspecto fundamental.

U@O - Como é que gostaria de ver a Universidade a partir deste momento em que atinge a maioridade?
L.L.-
Gostaria de a ver no caminho que está a seguir porque penso que está no bom caminho. É uma Universidade nacional, com preocupações de qualidade. Tem de ser capaz de mostrar isso lá fora. A imagem pública que a UBI tem transmitido é a de uma instituição de excelência, por isso tem de o ser e trabalhar para corrigir o que não está a correr da melhor forma. Depois, tem de apostar na investigação e de qualidade, que firma os interesses e as expectativas das partes interessadas na instituição e a promova. Quanto às faculdades, é importante resolver a indefinição das competências, de forma a permitir que se afirmem.
Vejo o futuro com boas perspectivas, mas com necessidade de muito trabalho aos mais diferentes níveis para que essas perspectivas se concretizem.

 






Perfil



Nasceu há cinquenta anos numa pequena aldeia do concelho da Sertã, Cumeada.
Aos dez anos foi para o seminário. “Se não tivesse ido, provavelmente teria a 4ª classe”. Filho de um pequeno agricultor com seis filhos e dificuldades económicas, foi o Seminário Diocesano de Portalegre e Castelo Branco (primeiro Gavião, depois Alcains e finalmente Portalegre) que lhe abriu as portas do saber. “Aí comecei a minha vida”. Em seguida entrou no curso de Economia no Porto, que abandonou após o primeiro ano por dificuldades económicas.
“Retomei os meus estudos já com 25 anos e a trabalhar, na UBI, que na altura ainda era Instituto Politécnico da Covilhã, em 1978”. Aqui se licenciou em Gestão, ao mesmo tempo que dava aulas em várias escolas da cidade. Conclui a licenciatura em 1983.
“O meu gosto sempre foi para a área das matemáticas, da física. Se não tivesse estado no seminário, provavelmente teria seguido para uma área da engenharia. Mas como no seminário, depois do 7º ano, se seguia para uma área que na altura era designada por ‘histórico-filosóficas’, quando surgiu a oportunidade de frequentar o Ensino Superior optei pela mudança menos difícil, que era a área da economia”, conta, e continua, “sou um pouco fruto das circunstâncias. Fui estudar porque tive oportunidade de ir para o seminário, acabei por ir para económico-financeiras porque a transição era mais fácil, depois vim para a Covilhã também por uma razão muito simples: estava a dar aulas no Ensino Secundário e, podendo-me candidatar para Lisboa, Porto ou outra cidade, era quase impossível obter colocação aí e eu tinha de trabalhar. Achei que na Covilhã tinha possibilidade de obter colocação e simultaneamente fazer o meu curso, o que consegui”.
Durante o curso, leccionou num liceu em Castelo Branco, durante quatro anos, depois na Covilhã, deu aulas na escola técnica Campos Melo, durante dois anos, e no liceu Frei Heitor Pinto, durante três anos.
Nos tempos livres aprecia literatura portuguesa, viajar e também se dedica à agricultura. “É óptimo libertar a cabeça ao fim de semana e fazer um pouco de exercício físico . Na segunda feira está-se muito melhor”.