António Fidalgo
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A internacionalização
científica necessária e desejável
Por definição a ciência é universal.
Não há uma ciência portuguesa, nem
brasileira, nem espanhola, nem tão pouco americana
ou inglesa. Há sim comunidades científicas,
com maior ou menor vitalidade, coesão e internacionalização.
O facto de a língua inglesa ser actualmente a língua
dominante na ciência é um facto circunstancial
e acessório e não um princípio perene
e imutável.
Noutras épocas, não muito longínquas,
as línguas dominantes das ciências foram
outras, bastando lembrar que no Século XVII Descartes,
Espinosa, Newton e Leibniz escreveram em Latim, de modo
a serem lidos e entendidos noutros países, que
até à II Guerra Mundial o francês
e o alemão foram tão ou mais importantes
que o inglês como línguas de comunicação
na ciência. O predomínio indiscutível
que hoje o inglês mantém nas ciências
não é uniforme, mas variável de ciência
para ciência, e verifica-se sobretudo nas ciências
exactas. Nas ciências sociais, e mais ainda nas
humanidades, já é muito discutível
esse domínio. Os contributos originais da Europa
Continental são fundamentais para a filosofia,
a sociologia, a antropologia, a linguística, a
semiótica, e também para as ciências
da comunicação. Nomes como Habermas, Karl-Otto
Apel, Niklas Luhmann, Foucault, Deleuze, Baudrillard,
Barthes, Greimas, entre muitos outros, são cabal
exemplo disso.
O conceito físico de massa crítica aplicado
à dimensão de uma comunidade científica
faz sentido se e somente se houver uma comunidade crítica.
E comunidade científica obriga antes de mais a
uma proximidade de investigadores, não física
apenas, obviamente, mas sobretudo a uma proximidade de
formação, de interesses, de problemas, de
debates, dos investigadores envolvidos. Ora não
há maior proximidade de investigação
que a da língua em que é feita. A internacionalização
da ciência não pode de modo algum significar,
como por vezes parece acontecer em Portugal, um conhecimento
vasto do que se faz no mundo anglo-saxónico, num
olímpico desconhecimento do que se faz cá
dentro, às vezes numa universidade vizinha, ou
num departamento mesmo ao lado. A internacionalização
individual, desintegrada de uma comunidade real de investigação,
conduz apenas a um atomização de investigadores,
e constitui pura e simplesmente a negação
do conceito e da realidade de comunidade e de equipa de
investigação.
A questão em causa é simples, mas de suma
importância. Como muitos outros bens, também
a ciência e a cultura se produzem, se transaccionam
e se consomem. O nosso propósito não pode
ser outro que não seja o de produzir ciência.
E a melhor maneira de o fazer aqui, por nós, será
fazê-lo em português.
O III Congresso da SOPCOM concretiza-se em dois congressos
internacionais, o VI LUSOCOM e o II IBÉRICO. Procurou-se
uma paridade entre investigadores nacionais e estrangeiros,
que se expressam na mesma língua ou em línguas
próximas (galego e espanhol) em cada uma das mesas.
Não é esta porventura a internacionalização
primeira e prioritária que as Ciências da
Comunicação cumprem nestes dias aqui na
UBI e que deveria ser um exemplo para as outras comunidades
científicas nacionais? Não considero que
seja um serviço à ciência a organização
de seminários e congressos científicos em
Portugal, com mais de 90 por cento de participantes portugueses,
e em que a única língua admitida é
o inglês. O princípio primeiro da comunicação
científica mantém-se: o mais importante
não é a língua em que se diz, mas
o que se diz.
As comunidades que nos estão mais próximas,
pela língua, pela formação, por problemas
comuns e até idênticos, são as comunidades
científicas lusófona e ibérica. É
por aí que tem de começar a nossa internacionalização,
e de começar não apenas como ponto de passagem
(como se a meta fosse a absorção na comunidade
anglo-saxónica), mas de começar porque prioritária
para já e sempre.
Impossível não é certamente, mas
seria descabido, e mesmo ridículo, fazer ciência
da comunicação em inglês em países
que comunicam em português e espanhol. A lusofonia
compreende hoje mais de 200 milhões de pessoas,
nos diferentes continentes. Os falantes de espanhol são
cerca de 350 milhões, o que somados constitui o
principal grupo linguístico no hemisfério
ocidental.
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