José Geraldes

Impostos e família


Com o actual regime fiscal, os divorciados pagam menos impostos do que os casados. É caso para dizer que o Estado protege o divórcio.

O primeiro-ministro Durão Barroso anunciou, solenemente, 100 compromissos para a família. É uma atitude louvável, mesmo sendo dever do Governo preocupar-se com o bem-estar das famílias.
Se as medidas tornadas públicas são de aplaudir, esperava-se que o primeiro ministro fosse mais longe. Aliás, sublinhe-se que alguns dos compromissos já estão consignados por lei.
Margarida Neto, coordenadora nacional para os Assuntos da Família, considera, no entanto, que “se tudo isto se fizer, certamente que muita coisa vai mudar nas famílias portuguesas”. O que significa não ser fácil aplicar, até ao fim da legislatura, tão elevado número de compromissos. Seria preferível, como anotou Francisco Sarsfield Cabral na sua coluna do Diário de Notícias, elencar menos medidas e seleccionar as mais importantes com possibilidades de serem postas em prática.
Há, porém, uma lacuna nos 100 compromissos que é uma injustiça de bradar aos céus numa verdadeira política da família. Essa lacuna tem a ver com a fiscalidade.
Em Dezembro último, o Conselho Consultivo para Assuntos da Família elaborou um documento com um capítulo dedicado aos benefícios fiscais para as famílias. Esperava-se que medidas ousadas, nesta área, figurassem nos 100 compromissos. Ora tal não aconteceu.
O facto assume maior relevância quando se analisam os resultados de um estudo da consultora Delloite em que se conclui que os casados pagam mais impostos do que os solteiros. Mais. Com o actual regime fiscal, os divorciados pagam menos impostos do que os casados. É caso para dizer que o Estado protege o divórcio.
A situação explica-se pelo facto de não ser possível, em Portugal, os casais poderem optar por serem tributados individualmente ou como casados como acontece, em nove países da União Europeia.
As famílias numerosas nada ganham em dicriminação positiva. Assim, um casal com três filhos paga quase o dobro dos impostos do que dois divorciados com os mesmos dependentes.
Nos descontos das contas Poupança Habitação, Planos de Poupança e Reforma e Planos Poupança Educação todos os indivíduos são tributados por igual. Tenham filhos ou não. Não há qualquer benefício para os casais.
Todo este estado de coisas vai ao arrepio de uma recomendação do Parlamento Europeu. Nesta recomendação diz-se que os Estados-membros da União Europeia devem adoptar políticas fiscais não discriminatórias para as famílias de maior dimensão. E adverte que, a haver ponderações discriminatórias, estas deverão ser de carácter positivo, a favor da família e do seu carácter integrador e dos agregados familiares de maior dimensão”.
Razão tem, pois, a Associação Portuguesa das Famílias Numerosas para protestar. Trata-se, no dizer de Fernando Castro, seu presidente, de “uma situação idiota penalizar os casais e beneficiar os divorciados”. E, com o argumento da natalidade a baixar, aponta a urgência da “preocupação em proteger a família e apoiar- nomeadamente através dos impostos- quem tem maior número de descendentes”.
Sem uma fiscalidade justa para o agregado familiar, não se pode falar numa verdadeira política da família. Será que também aqui a obsessão do défice embora necessário, seja o travão para a melhoria da vida familiar?