Por Ana Maria Fonseca e Catarina Rodrigues



“A Faculdade tem sabido responder a todos os desafios”

Urbi et Orbi- Qual foi o seu percurso na Universidade até chegar agora a Vice-Reitor?
João Queiroz
- O meu descanso e a minha paz em termos de investigação e trabalho docente acabaram no dia em que fiz o doutoramento. Acho que só nessa altura me integrei completamente na Universidade.
Logo que fiz o doutoramento fui convidado para secretário do Conselho Científico, era dos mais novos na altura, entre 96 e 98. Apresentei uma proposta para a criação da licenciatura em Bioquímica. Isto foi em 97 e a licenciatura abriu em 98.
Entretanto assumi a direcção do Departamento de Química com o objectivo de levar a bom termo o curso de Bioquímica. Já então considerei que o curso tinha de ter uma componente na área da saúde. Introduzimos várias cadeiras que hoje fazem a intersecção com a Medicina. Estive durante quatro anos à frente do Departamento, sensivelmente o tempo de implantação do curso.
Depois disso fiz as provas de agregação em Bioquímica em 2002, e entretanto surgiu a oportunidade de vir para a Faculdade de Ciências da Saúde, porque também já era pró-reitor desde 2000 para a avaliação e sucesso escolar. Nesse ano surgiu o convite para vir ajudar a instalar o curso de Medicina quer em termos de contratação de docentes, quer de recursos humanos e materiais. Depois, de 2002 a 2004 fui Pró-Reitor para a Saúde.

U@O - Tem sido um desafio aliciante até agora?
J.Q. -
Na verdade, não me tem dado muito sossego, mas gosto muito do desafio. Entrei devagarinho, só mais tarde me apercebi da dimensão que representa instalar um curso de Medicina em Portugal. É muito difícil, mas extremamente aliciante. O diálogo que se estabelece com os parceiros das unidades de saúde, responsáveis de outras faculdades, tutores, alunos, e algo que me tem atraído, as novas metodologias de aprendizagem que se usam na medicina. Acho que todos deviam perceber um bocadinho do que se passa aqui para entender porque é que Bolonha tem de aparecer. Tem sido tam-bém muito interessante montar um centro de investigação na área da saúde. Integrar pessoas com formações diferentes mas objectivos comuns não foi fácil numa fase inicial, mas neste momento acho que já entrámos nos carris e temos um projecto coeso que inclui pessoas de química e bioquímica, de farmácia e medicina, alguns médicos, pessoas da Faculdade, dos hospitais, alunos de doutoramento e de pós-doutoramento e também vários projectos aprovados.
É difícil cada novo ano, uma luta, novos problemas que têm de ser ultrapassados. Acho que um dos papéis muito importantes da Faculdade e da licenciatura em Medicina tem sido não só junto dos médicos mas também das próprias unidades de saúde.
Já pusemos computadores com acesso à nossa intranet nos hospitais, nos centros de saúde, estamos a pôr livros nos hospitais onde os nossos alunos estão, já mexemos um bocadinho com a orgânica dos serviços e dos próprios médicos. É também um esforço que lhes estamos a pedir, mas acho que no futuro isto vai trazer vantagens específicas para a região.

U@O - Então pode dizer-se que a Faculdade de Ciências da Saúde está no bom caminho?
J.Q. -
Se disser que é fácil o dia-a-dia nesta Faculdade estou a mentir. Neste momento, em relação às expectativas, acho que está a correr bastante bem. E tenho também feedback de várias entidades, há reacções e vê-se que as pessoas já reconhecem de uma maneira geral o projecto da Faculdade.
Claro que ainda há muito para construir e por isso não posso dizer que é um sucesso. Ainda temos muito que trabalhar até podermos respirar um pouco mais de alívio. Mas posso dizer que temos uma licenciatura em Medicina com qualidade. Todos os dias a aprender e a corrigir. No ano passado tivemos um fórum com todos os alunos e docentes do primeiro e segundo anos, conseguimos fazer alguns ajustamentos, e esses dois anos correm sem problemas.
É assim que as coisas se vão construindo. Estamos a afirmar-nos pela qualidade, temos uma postura de muito trabalho, mas sempre na perspectiva de afirmação de um projecto de qualidade.

U@O - Um dos próximos passos é a construção da nova Faculdade. Como está esse projecto?
J.Q. -
Está a andar muito bem e não posso deixar de realçar o mérito do Sr. Reitor neste âmbito porque tenho-o acompanhado de perto e de facto ele fez aquilo que ninguém conseguiria para ter o projecto aprovado pela tutela para ser adjudicado, só falta o visto do Tribunal de Contas mas as obras já vão começar, já há candidatura ao PRODEP para as instalações e equipamentos. O Sr. Reitor tem tido protagonismo num projecto que considero espectacular, na forma como tem conseguido levar o projecto adiante, contra as dificuldades e os cortes que tem havido em todo o País, e nesta região. É importante estar tudo programado para que em 2005 tenhamos a obra pronta e acho que isso também é uma vitória da nossa Universidade.

U@O - Que valências terá o novo edifício?
J.Q. -
A Faculdade terá uma entrada dotada de alguns anfiteatros só para plenários e congressos. Um terá cerca de 500 lugares e os outros cerca de cem. Temos uma parte de direcção e , em dois pisos, uma parte só dedicada ao ensino, completamente adaptada ao modelo de aprendizagem seguido em Medicina, com salas de auto-aprendizagem, de tutoria, gabinetes médicos e gabinetes para os docentes. Outra parte é dedicada à investigação e terá vários laboratórios. Diria que estes são os três grandes corpos da Faculdade, a parte de ensino, a de investigação e a de direcção e apoio.
Acho que será uma obra emblemática para a UBI e para a região, penso que terá um grande impacto. Tudo está projectado para o futuro.



"Temos de apostar mais na investigação"

U@O - Projectos como o SAMURAI e o SEMENTE contribuem para o desenvolvimento de novas tecnologias usadas na Medicina?
J.Q. -
Sim, temos vários projectos aprovados, como é o caso do SAMURAI, que têm ajudado imenso a continuar a implementar as novas tecnologias no ensino da Medicina, e também a difusão dessas valias para os hospitais. Qualquer médico que colabore connosco tem um computador com ligação à nossa intranet. Temos uma candidatura a um projecto, o SEMENTE que nos vai permitir a produção de mais e melhores conteúdos para a intranet. Estamos todos empenhados em levar o projecto a bom termo e principalmente com qualidade, na área da investigação, do ensino médico e das novas metodologias aplicadas com recurso a às novas tecnologias de informação. Nesse aspecto considero que a Faculdade tem sabido responder a todos os desafios e tem estado sempre à frente daquilo que lhe é exigido.

U@O - Como Vice-Reitor para a investigação o que pretende desenvolver?
J.Q. -
A investigação é também um desafio muito interessante porque a UBI teve uma fase extremamente decisiva para a afirmação pela qualidade. Nos últimos quatro ou cinco anos a imagem da Universidade tem mudado significativamente. Chegámos a uma fase em que temos de apostar mais na reorganização da investigação e forçar um pouco os investigadores e docentes a publicarem artigos. Fizemos muitos doutoramentos e mestrados nos últimos anos. Agora falta transformar tudo isto em publicações de qualidade.
A afirmação da nossa investigação acontece quando é publicada em revistas internacionais, sujei-ta a um processo de revisão por especialistas, e quando publicamos nos mesmos sítios onde publicam outros grandes centros de investigação. Não quer dizer que não se faça investigação de qualidade na UBI, mas tem de se afirmar, publicando-se. Esse é um desafio extremamente importante para a UBI neste momento.

U@O - Como gostaria de ver a UBI a médio prazo?
J.Q.
- Em termos de áreas de conhecimento, acho que é preciso afirmar alguns projectos. Um dos mais emblemáticos em termos de imagem da Universidade e da região é a licenciatura em Medicina. Acho que esse é um projecto que não pode falhar e de que a Universidade no seu conjunto não se pode alhear. É claro que consolidar as novas áreas que têm vindo a ser desenvolvidas é também extremamente importante. Há áreas que já estão mais consolidadas porque funcionam há muitos anos, há outras que ainda estão a crescer.
Olhando para os meus pelouros, diria que os considero muito importantes para a imagem da Universidade no futuro. Acho que a parte da afirmação da qualidade do ensino da Medicina e a integração em todas as unidades de saúde, a formação de médicos com maior qualidade, é essencial porque o futuro será a prestação de melhores cuidados de saúde às populações.






Perfil



Nasceu e viveu sempre na cidade da Guarda onde frequentou todas as escolas até à Universidade. Só em 1982 foi para Coimbra onde se licenciou em Bioquímica, curso que concluiu em 86.
“Nessa altura surgiu a oportunidade de vir para recém criada UBI, em Setembro de 86. Na altura não era muito aliciante para mim porque vinha leccionar disciplinas que não eram propriamente a minha especialidade. Vim dar aulas de química geral e química orgânica”. Os primeiros dois anos foram de difícil adaptação. “Depois disso houve uma fase em que se acendeu uma ‘luz ao fundo do túnel’ e entrei no mestrado em Engenharia Bioquímica no Instituto Superior Técnico, em 88. Aí encontrei aquilo que viria a ser a minha área de investigação e intervenção. O mestrado fez-me ter outra perspectiva sobre a investigação, da bioquímica e da biotecnologia que estava em grande desenvolvimento na altura. Foi uma fase que marcou significativamente a minha actividade científica e a minha carreira”.
Acabado o mestrado em 91, João Queiroz não perdeu tempo e seguiu para o doutoramento. “O mestrado correu bem e houve logo um interesse em continuar”, explica. Passadas apenas algumas semanas depois de concluído o mestrado foi para França onde ficou durante alguns meses, já a desenvolver o seu projecto de investigação. “Depois regressei, sempre integrado no Departamento de Química e conclui o doutoramento em 96”. Abraçou a área da purificação de enzimas. “Continuei sempre neste campo e ainda hoje é a minha área de investigação predilecta. Depois orientei-me mais para a parte de purificação de proteínas terapêuticas, das vacinas, com aplicações na área das ciências biomédicas. Iniciei-me numa área de investigação que depois consegui afirmar, uma área quase exclusiva em Portugal num tipo específico de cromatografia de interacção hidrofóbica e felizmente as coisas correram bem”. Começou a publicar em revistas internacionais e a ser reconhecido ‘também lá fora’. “Consegui encontrar o meu caminho, era um bocado diferente do que se fazia em Portugal nessa altura e sobre essa matéria e com algum sucesso consegui impor-me quer cá, quer lá fora”.