José Geraldes
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Portugal
da fome
Para erradicar
a pobreza, precisa-se mais desenvolvimento, mais riqueza
mais produtividade. É um problema não só
do Estado mas de todos nós.
Lê-se e não se acredita. Mas as doze páginas
do Público do passado domingo colocam-nos perante
a realidade nua e crua. Há, pelo menos, 200 mil
pessoas a passar fome em Portugal.
Neste Portugal, em que uma em quatro famílias tem
uma segunda casa, os automóveis são os mais
caros da Europa, os salários são os mais
baixos e gasta-se em roupa 8 por cento do PIB. E, segundo
a revista The Economist, caso houvesse um índice
de vaidade, se bateria largamente a Europa.
Estamos num País de contrastes. País que
faz parte do pelotão de frente da União
Europeia. Mas onde ainda não chegou a igualdade
de oportunidades para todos.
No séc.XX, ficou célebre um livro de Josué
de Castro intitulado Geografia da Fome. Caso hoje fosse
revisto, Portugal seria incluído neste roteiro
da fome.
Mas tal será possível? O número consta
dos estudos feitos pelo CES (Conselho Económico
e Social) confirmados pelo Eurostat que diz ser um quinto
dos portugueses pobres. Ou seja, 20 por cento da população
portuguesa vive abaixo do limiar da pobreza.
As instituições de solidariedade social
que conhecem como ninguém a realidade do terreno,
avançam mesmo que, com o desemprego a aumentar,
a situação tende a deteriorar-se. A comprová-lo
aí está o facto de a Misericórdia
de Lisboa distribuir quatro milhões de refeições
por ano. O que dá uma média de 11 mil refeições
por dia.
Os testemunhos recolhidos no dossiê são impressionantes.
“Tenho dias que não provo um bocadinho de
pão”. “O que há come-se. Quando
não há, paciência”. “Ligar
o frigorífico para quê ? Não tenho
nada para lhe pôr”. E a manchete que é
de tirar o sono : “Ninguém sabe o que é
pedirem-me pão e eu não ter para dar”.
Quando se fala da fome, de acordo com os estudos, estamos
perante uma situação de extrema insegurança
alimentar. A falta de alimentos por ausência de
recursos provoca no indivíduo uma sensação
dolorosa de consequências físicas e psíquicas
imprevisíveis.
Além disso, a fome anda de par com a pobreza. E,
segundo os dados disponíveis, há em Portugal
dois milhões de pobres.
Alfredo Bruto da Costa, autor com Manuela Silva do primeiro
estudo sobre a pobreza em Portugal, define a pobreza como
“uma situação de privação
por falta de recursos”. Luís Capucha, sociólogo,
concretiza : “Não podemos pensar apenas na
imagem mais comum dos sem-abrigo. Pense-se, por exemplo,
nos idosos que se limitam a comer caldo de couves. Nas
pessoas que não chegam a fazer duas refeições
por dia- e não é por questões de
estilo de vida, é porque não têm dinheiro
ou se sentem obrigadas a gastá-lo noutras necessidades
básicas”.
A falta de dinheiro, eis o grande problema. Mais agravado
ainda pela crise que atravessamos. Não é
com 300 euros por mês que uma família pode
viver com um mínimo de dignidade. E 53 euros mensais
do Rendimento Social de Reinserção para
que dá ?
Para erradicar a pobreza, precisa-se mais desenvolvimento,
mais riqueza mais produtividade. É um problema
não só do Estado mas de todos nós.
A sociedade civil tem respondido com instituições
de solidariedade. A notar a grande presença da
Igreja Católica com os seus voluntários
e centros paroquiais. E a salientar a grande iniciativa
do Banco Alimentar contra a Fome.
Este Portugal escondido tem de vir mais vezes para a ribalta
mediática. Para que esteja na nossa memória.
E não permitirmos que a fome continui a entrar
nas famílias do País.
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