Por Daniel Sousa e Silva



Os estudantes frente à Assembleia da República

Este ano, as comemorações do Dia do Estudante fizeram-se em Lisboa e decorreram em forma de contestação. A Associação de Estudantes da Universidade da Beira Interior (AAUBI) providenciou 2 autocarros para levar os cerca de 100 alunos da UBI que estiveram na “manif”, diminutivo pelo qual quase todos tratavam a manifestação nacional, na última quarta feira, 24. As principais queixas apresentadas recaem no aumento das propinas, na necessidade de reforço da acção social e na revogação do sistema de prescrições.
Na viagem de ida, Luís Franco sente-se esperançado com “as possibilidades” da “manif”, mas sabe que “o dia de hoje não vai ter resultados automáticos”. O presidente da AAUBI pretende “defender as posições dos estudantes da UBI, a nível particular, e de todos os que estão no Ensino Superior (ES), a nível geral”. ”Queremos condenar a política deste Governo e exigir que se façam mudanças na linha política para o ES”, clarifica.
A concentração das massas, junto ao Instituto Superior Técnico, principia às 15h. Desfraldam-se as faixas e bandeiras. Os vários grupos de estudantes estão um pouco confusos, tendo algumas dificuldades em descortinar qual seria a ordem de cada um na “manif”. Acabam por se posicionar aleatoriamente. O grupo da UBI fica bem no meio da “manif”.
O percurso, com destino final a rua de São Bento, iniciou-se na Alameda, mas a concentração inicial contava apenas com cerca de 300 pessoas. Por momentos, pensou-se o pior. “Serão só estes?”, indagavam alguns. A marcha começou por volta da 15h30, com os estudantes do Porto a liderar. Alguns autocarros cheios de estudantes chegam ao local da concentração quando esta já tinha partido e apressam-se a alcançá-los.
À medida que os primeiros minutos passavam a “manif” fica um pouco maior, aumentando para cerca de 3 mil pessoas 15 min após o seu arranque.
Meia hora passada, já em plena Avenida da Saldanha, ouve-se na rádio um número: 5 mil. Por esta altura, Luís Franco considera que a “manif” está a correr “bem”. O presidente da AAUBI salienta que “o número de manifestantes tem aumentado e continua a crescer”, destacando que “só importam os que cá estão”.


Seis carrinhas da PSP seguiram todo o percurso dos manifestantes



PSP “guarda” percurso

As autoridades aguardavam cerca de 5 mil estudantes na manifestação, pelo que foi montado um sistema de prevenção que incluiu o Corpo de Intervenção da PSP. Os agentes acompanharam de perto a marcha da manifestação, mas não intervieram em qualquer momento, apesar da manifestação se ter realizado sem a autorização do Governo Civil. Os dirigentes académicos deverão ser julgados pelo crime de desobediência pública.
A PSP “não impediu a realização da manifestação para não criar uma situação de alteração da ordem pública, mas foi levantado um auto de notícia pelo crime de desobediência pública e a partir daqui vai decorrer um inquérito para apurar os responsáveis", disse o sub-intendente Neto Gouveia à Lusa.
Os dirigentes académicos garantem que desconheciam esta situação. "Mandámos um fax para o Governo Civil onde só faltava a nossa identificação, mas não nos chegou nenhuma resposta", replicou Luís Semedo, presidente da Associação Académica de Lisboa.
Por volta das 17h30, na Avenida Marquês do Pombal, a comitiva de estudantes vindos de Coimbra junta-se aos restantes colegas na marcha. A “manif” atinge o seu auge, em termos numéricos. A partir desta altura, com o avolumar do número de protestantes, a marcha demorava cerca de 15 min a passar por um ponto fixo das ruas de Lisboa.
A chegada à Assembleia da República deu-se por volta das 18h. Os manifestantes formam um bloco na rua de São Bento e gritam frases de ordem, com o intuito de chamar a atenção dos deputados da Assembleia da República (AR). “Bolsas, sim, propinas, não”, “Durão, ladrão, dá-nos a nossa educação” são exemplos do que ecoava frente ao Parlamento.
Vislumbram-se algumas figuras nas varandas, mas nada acontece. Parece que os estudantes nem sequer estão lá. Quase passam despercebidos. Os transeuntes da capital nem olham duas vezes. “Não têm mais para fazer?”, reclama Jorge Alves, um anónimo que por ali passava.
Odete Santos, deputada do Partido Comunista, desce a escadaria até junto dos estudantes. Dá autógrafos. Mais discreto, na rua, Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, olha de trás a “manif”. Questionado pelo Urbi et Orbi, o deputado reconhece estar “do lado dos estudantes”. “O Bloco foi o mais crítico durante as discussões das novas leis de bases do ES na AR”, argumenta. Louçã concorda com a iniciativa dos estudantes, porque “é a forma democrática que têm para demonstrar que estão descontentes com a política do Governo”.
Os dirigentes das diversas associações académicas reúnem-se com elementos da Juventude Social Democrática (JSD) e, por volta das 19h30, restam poucas pessoas em São Bento.
Todos procuram uma refeição rápida para poder tomar o autocarro de regresso. A Avenida 24 de Julho está repleta de autocarros. Os estudantes da UBI começam a desesperar pelo seu transporte que tarda em aparecer. Só às 21h30 é que a viagem de regresso se inicia.
De novo em viagem, o presidente da AAUBI pensa que se “demonstrou que ainda estamos activos. A contestação não acabou, algo tem de ser mudado, e têm de nos dar ouvidos”. Na reunião com elementos de grupos parlamentares que apoiam o Governo “foram apontadas algumas diligências e pudémos expor as nossas questões”. Não houve qualquer resposta, mas “conseguir expor as nossas posições é melhor do que sermos ignorados”, avalia.
“Agora temos de ter paciência e esperar que sejam feitas alterações de fundo na política do ES. Estou cansado, mas muito satisfeito”. Luís Franco, que já não dormia há 2 dias, passou a viagem de volta à Covilhã em sono profundo. À uma da manhã, os autocarros chegam à Covilhã.




Momento da "manif"



Os “porquês” dos protestos


Os motivos da “manif” estão explicados num documento, aprovado na Assembleia Geral de Alunos da AAUBI, em 8 de Março, e em Plenário Nacional de Estudantes do ES a 16, que demonstra a posição actual dos estudantes do ES e que foi entregue ao Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Ciência e do Ensino Superior, no dia 17, por Luís Franco. Os estudantes têm seis pontos de exigências do que pretendem ver alterado pelo Governo. [ver ponto a ponto]
No mesmo documento, os estudantes deixam as promessas de continuar dispostos a debater o futuro do ES com as entidades responsáveis, trabalhar no sentido de apresentar soluções para os problemas existentes e manterem-se activos na luta contra as medidas aplicadas no ES, em especial no que toca ao aumento das propinas e a instauração de um regime de prescrições.