Belmonte
Quem não paga, vai para a folha do caloteiro...

A prática começa a ser comum em todo o País. E também já chegou à Beira Interior, nomeadamente ao concelho de Belmonte. Os comerciantes, revoltados com os maus pagadores, afixam na porta uma folha na qual mencionam quem deve, e quanto deve.

João Alves
NC / Urbi et Orbi


Tem sido um tema noticiado, nos últimos tempos, pelos telejornais das várias estações de televisão do País. Um pouco por todo o lado, de Norte a Sul de Portugal, têm sido vários os pequenos comerciantes que têm resolvido denunciar publicamente, com uma folha afixada na porta, as várias pessoas que fizeram compras sem pagar e que, passado muito tempo, continuam a dever. Os tão conhecidos ( e pouco recomendados) "caloteiros". A verdade é que o procedimento está na moda e também já chegou à Beira Interior, nomeadamente ao concelho de Belmonte.
Dizem os comerciantes da terra de Pedro Álvares Cabral, que o pioneiro neste "táctica" de denúncia pública foi um senhor de Caria, que também farto de estar à espera de receber o que lhe deviam, resolveu "pôr no espeto" os alegados "caloteiros". A verdade é que também o pequeno comércio tradicional da vila belmontense tem sofrido com os maus pagadores e daí a implementar este procedimento, foi um pequeno passo. A única diferença é que os nomes ainda não estão mencionados. Mas a folha afixada no mini-mercado junto ao jardim público serve de aviso aos distraídos: "Lista de pessoas que me devem e não fazem o possível para pagar e, ainda com a agravante de passarem a fazer compras nos hipermercados, onde têm que as pagar no próprio momento". Ou seja, com esta atitude, o comerciante local apenas quer intimidar os devedores e fazer com que eles se envergonhem e venham ao seu estabelecimento repôr as contas em dia.

"Devem-me e ainda ameaçam bater-me"

No mini-mercado do jardim, todas as manhãs são iguais. Perto das oito horas, as pessoas dirigem-se lá para comprar o pão fresco e levar pequenas miudezas que lhes possam fazer falta no resto do dia. Mas há também quem lá chegue e se abasteça para o mês todo, pagando. E outros há que lá foram fazer compras e nunca mais voltaram. O estabelecimento é da dona Helena. Mas durante muitos anos foi conhecido pelo mini-mercado "Lhé", o diminutivo do nome Manuel, o ex-marido da dona Helena, que já faleceu há cerca de quatro anos. Mas ainda lá há dívidas de há muito mais tempo.
"Tenho cá calotes de há mais de 15 anos" explica a dona Helena, que até diz que, "não me importava que me devessem. Mas o mais revoltante é que vejo que muitas dessas pessoas vão aos hipermercados fazer compras e lá não podem trazer as coisas sem pagar. Então, porque não me pagam a mim" pergunta. A dona Helena faz contas, excluíndo pessoas que se aviam e pagam mês a mês, pois "essas não contam, porque no final vêm pagar", e no final, arredondando, chega a um número: "Devem-me à volta de 200 e tal contos (cerca de mil euros)". A verdade é que o aviso na porta até já lhe está a trazer chatices. "Olhe, disseram-me que houve pessoas que já manifestaram a vontade de me bater caso eu ponha lá o nome delas. Então, devem-me e ainda ameaçam bater-me" afirma, indignada. Porém, não desiste da luta e até já incentivou outros comerciantes locais a fazerem o mesmo que elas.

"Carreguei-lhe as compras no táxi e não me pagou nem a mim, nem ao taxista"

No mini-mercado Dina, a poucos metros do seu homólogo do jardim, a proprietária também já tem a "folha do calote", mas ainda não a afixou e nem sabe se o irá fazer. Aqui, diz a dona Dina, "há dívidas que nunca mais vou ver. Umas, de pessoas que já cá não moram e outras até, de pessoas que já faleceram". Algumas delas, diz, já lá estão há mais de dez anos. E no total, fazendo contas, chega-se à módica quantia dos "400 contos (dois mil euros". "É dinheiro, algum dele, perdido. Mas ainda há pessoas que quando aqui passam envergonham-se e lá vêm trazer alguns euros, prometendo que ainda não se esqueceram e que irão regularizar a situação" explica.
Porém, há outras que são caso para esquecer. É o caso de um futebolista que por ali morou quando o clube local militava na Terceira Divisão, "foi-se embora, não me pagou e sei lá eu onde é que ele anda agora" afirma, ou o de uma senhora que morava numa aldeia vizinha e que certo dia foi fazer compras. "Levou coisas para o mês todo e deixou aqui uma módica quantia por pagar. Pediu-me que telefonasse a um táxi para a vir buscar e foi o que fiz, do meu telefone. Depois, ajudei-a a pôr as coisas no carro e ela foi embora, mas dizendo-me que voltavam com o taxista, até porque teria que levantar dinheiro na vila para me pagar a mim e ao senhor que fazia o frete. Vir a Belmonte veio, pediu ao taxista para aguardar, que ia levantar dinheiro e desapareceu. Não me pagou nem a mim nem ao taxista" exclama a dona Dina, também ela vítima dos afamados "caloteiros".