Urbi@Orbi- Para
quando a inauguração do novo Núcleo
do Museu, situado na antiga fábrica José Mendes
Veiga?
Elisa Pinheiro - O edifício está
em vias de conclusão. Já transportámos
para a área de reservas algumas máquinas de
grande porte que estão agora a ser montadas.
No entanto o núcleo abarca duas alas. Uma delas está
adstrita ao Centro de Documentação/Arquivo
histórico e, a outra ala é o Núcleo
Museológico. O Centro de Documentação/Arquivo
Histórico, muito provavelmente para Abril, começaremos
a fazer a transferência, e também a nossa instalação
nos novos gabinetes. Depois tudo o que é da parte
musealização irá certamente implicar
cerca de dois anos de trabalho longo e moroso.
Se tudo correr bem, e se conseguirmos os projectos aprovados
nos timings previstos é provável que em 2006
esse novo núcleo esteja já aberto ao público.
Na museologia é necessário elaborarmos um
programa de base que tem a ver com os fundamentos do museu,
o que é que o museu vai expor, no fundo é
toda a caracterização do espólio, que,
do que já deu entrada, está todo inventariado.
A Real Fábrica de Panos chega até aos inícios
do século XIX, e dá-nos a visão do
que era uma grande manufactura, do Estado. Agora é
necessário ver-mos como era uma grande fábrica
que lhe sucedeu.
U@O - Que papel desempenham os achados arqueológicos
do local encontrados no novo núcleo e que aí
ficarão integrados?
E.P. - Uma das características do nosso
museu é que os dois núcleos complementam-se
um ao outro. Acaba por ser a musealização
in sito. No primeiro são as estruturas ligadas
às caldeiras de tingimento, é interessante
porque há ali também uma linha de continuidade,
as caldeiras a fogo directo. O que vamos encontrar no
novo núcleo são as estruturas em tijolo
das caldeiras também para tingimento, mas já
numa segunda fase, com uma nova energia que é o
vapor. Mantém-se assim uma certa linha de continuidade.
U@O - Mas há outras estruturas anteriores
que foram também encontradas, relativas a um espaço
mais antigo?
E.P. - Sim, temos algumas estruturas que não
conseguimos ainda identificar porque estão muito
fragmentadas. São dois espaços menores que
foram reaproveitados sucessivamente. Foi uma intervenção
arqueológica de emergência, acompanhada pelo
Professor Michael Mathias, arqueólogo da Universidade,
mas está tudo integrado no novo espaço.
Aliás, estas descobertas implicaram a alteração
completa do projecto, já que para esse local estavam
previstas instalações sanitárias
e a cafetaria.
U@O - Além dessas estruturas que acabam
por constituir um museu de sítio, como é
constituído o restante espólio?
E.P. - Neste momento temos 600 peças inventariadas,
destinadas a este novo núcleo.
Essa parte abarca máquinas e equipamentos, ligados
às diversas operações têxteis,
no âmbito da produção dos tecidos.
O espólio que temos a nível documental é
muito volumoso, e será incorporado no Centro de
Documentação/Arquivo Histórico, que
está em ligação com o núcleo
museológico.
U@O - Qual é o objecto mais antigo do
espólio?
E.P. - O documento mais antigo é do século
XVII, referente à transformação de
panos, mas é um documento único. Dispomos
dos documentos da Campos Melo e da Fábrica Alçada,
de meados do século XIX. É preciso realçar
que a nossa documentação não é
exclusiva à Covilhã, porque o objectivo
é conservar tudo o que diga respeito ao património
têxtil ligado aos lanifícios.
Relativamente às máquinas é um pouco
mais difícil, porque estamos agora a tratar da
fase da industrialização e as máquinas
são de série, mas temos seguramente máquinas
dos finais do século XIX, e várias dos anos
30 e 40. A partir daí há de todas as décadas.
Procuramos encontrar máquinas representativas da
evolução tecnológica.
|
Elisa Pinheiro está à frente do seu
desde a sua fundação
|
U@O - Qual é, na sua opinião, a
importância do Museu de Lanifícios da UBI
a nível regional e nacional?
E.P. - O Museu de Lanifícios propôs
constituir-se como um Museu único a nível
do País porque parte de estruturas que não
existem em mais lado nenhum e, a partir daí, procura
contar a história da evolução dos
lanifícios, mas também porque a Covilhã
teve uma importância extrema nessa evolução
para a própria cidade e também para a região.
Há um fio condutor da nossa intervenção.
Nesse sentido penso que ele é singular, não
há outro igual, portanto vem ocupar um lugar que
era necessário. É essa singularidade que
dá um pouco a ideia da sua importância a
nível nacional. No que diz respeito à Covilhã,
penso que o Museu de Lanifícios é hoje um
equipamento cultural que tem uma série de virtuosidades,
para além de preservar a memória dos covilhanenses
e de fazer com que eles se revejam a si e ao seu passado,
de uma forma menos dramática do que provavelmente,
as recordações que a memória lhes
traz.
Mas um museu aparece quando a actividade desaparece, portanto
não podemos esquecer a ideia de que é uma
realidade um pouco virtual. Ele serve para recriar a memória,
naturalmente alterando algumas coisas, mas procura fazê-lo
com autenticidade. Para além disso, este museu
também tem outra vertente muito importante. Está
a tentar conservar o património de acordo com princípios
de conservação activa.
A nossa missão fundamental é conservar o
espólio, investigá-lo e divulgá-lo,
mas potenciar também que ele sirva para um desenvolvimento
sustentado da região. É um equipamento que
também está ao serviço do turismo
cultural.
U@O - Que outros projectos estão em curso?
E.P. - Neste momento estamos a desenvolver o
projecto Translana, que nos vai permitir dar continuidade
à musealização da Real Fábrica
Veiga, e ao mesmo tempo, definir uma rota peninsular da
lã. Estamos a fazer o levantamento das unidades
fabris e de todos os sítios ligados aos lanifícios
em toda a região e às vias da transumância,
numa área que vai de Castelo Branco até
à Guarda.
U@O - Qual o número de visitas ao Museu?
E.P. - As visitas ao Museu têm vindo sempre
a aumentar de ano para ano, e situam-se numa média
de 10 mil por ano.
Temos fundamentalmente visitas de escolas, mas também
de particulares. Tem vindo a crescer muito a frequência
das visitas ao domingo. Os prémios e os projectos
em que estamos envolvidos, acabam por dar a conhecer o
Museu.
U@O - Que reacção têm os
covilhanenses, uma vez que é um pouco da sua história
que está patente no Museu?
E.P. - É interessante verificar que temos
muito mais visitante de fora do que da Covilhã.
As pessoas pensam, à partida, que já ficaram
fartas de fábricas, que já conhecem. Houve
uma dificuldade inicial em ultrapassar as portas de entrada.
Mas de facto, o que lá está não é
aquilo de que estavam à espera.
Penso que se sentem bem, a avaliar pelas reacções.
As doações que temos são representativas
de que a visita acaba por ser gratificante. Reconhecem
e reconhecem-se lá.
U@O - Como é que gostaria de ver o Museu
num futuro próximo?
E.P. - Gostava que partisse da interactividade
com o público. O museu pertence a uma Universidade
e pensamos que deve veicular um conjunto de informação
e de conhecimentos na senda científica e deve fazê-lo
de forma a cativar o público. Nesse sentido, gostaria
de ver este novo núcleo, que é o da industrialização,
com uma dinâmica diferente daquela que temos na
Real Fábrica dos Panos, onde há aquilo que
chamamos de espírito do lugar, e isso tem de ser
preservado e respeitado.
Mas este novo, uma vez que nos vai falar da industrialização,
terá que veicular um pouco aquela imagem do mundo
fabril. E simular alguma actividade, também para
que haja ali um espaço onde se possa matar saudades
do tear.
|
Nasce no Tortosendo, e lá faz a escola
primária e também o primeiro
e segundo ano do liceu. “Na altura
era considerado um ensino praticamente doméstico,
porque não havia ainda colégios
no Tortosendo e os meus pais achavam-me
ainda bastante franzina para vir estudar
para a Covilhã”, lembra. Vem
para esta cidade frequentar o liceu do terceiro
ao sétimo ano.
Depois segue para Lisboa, onde se licencia
em História na Faculdade de Letras,
local onde faz também as ciências
pedagógicas. “Comecei a trabalhar
antes de ter concluído a licenciatura,
em 72. Dava aulas no colégio Portugal
na Parede, e estive também na escola
Paula Vicente e no liceu Francisco Arruda”,
conta.
Entretanto casa e regressa à Covilhã,
onde começa a leccionar no liceu
Frei Heitor Pinto. “Até hoje
pertenço ao quadro do liceu. Nos
últimos 10 anos fui orientadora de
estágios de professores de história”,
refere.
A sua vinda para a UBI acontece quase por
acaso. Quando foram descobertas as estruturas
que hoje pertencem ao Museu de Lanifícios,
o então reitor, Passos Morgado, chama
a Associação Portuguesa de
Arqueologia Industrial para acompanhar o
processo. Na altura, Elisa Pinheiro é
a representante desta associação
nacional na região Centro. Por isso
acompanha toda a intervenção
que foi feita a nível da conservação
e recuperação daquelas estruturas.
Começa por trabalhar na recuperação
e musealização, mantendo-se
até hoje à frente do Museu
de Lanifícios.
Entretanto, foi desde o início docente
na área de história na instituição,
estando actualmente ligada ao Departamento
de Letras.
Presentemente encontra-se a desenvolver
a sua tese de doutoramento no âmbito
da história económica ligada
à industrialização.
“O meu trabalho tem a ver com a fundamentação
histórica da localização
da indústria de lanifícios
na Covilhã e o período de
estudo é entre 1837 e 1937.
Vou acompanhar a criação do
tecido empresarial ao longo do século
XIX, até 1937, o início do
século XX quando volta a haver uma
forte intervenção do Estado
com as leis do condicionamento industrial”,
explica.
Nos seus raros tempos livres, Elisa Pinheiro
aprecia longos passeios pelas ruas da Covilhã.
|
|
|