Fundão
"Entidades competentes podiam ter feito mais pela
Eres"
À terceira tentativa
a nave da fábrica foi vendida a um construtor civil.
Mas o resultado da venda não é suficiente
para pagar o resto das indemnizações às
trabalhadoras com mais anos de serviço. A maioria
continua sem emprego e acusa as entidades competentes
de pouco terem feito pela empresa .
|
Ana Ribeiro Rodrigues
NC / Urbi et Orbi
|
|
Dois anos depois do fecho da empresa de confecções
Eres, a maior empregadora do concelho que deixou sem trabalho
cerca de 500 pessoas, na quase totalidade mulheres, São
Oliveira ainda não conseguiu encontrar emprego.
Aos 38 anos, diz, na perspectiva do centro de emprego,
já é velha. E como a “situação
complicada” se mantém, já que o agregado
familiar, com o filho a estudar, depende unicamente do
vencimento do marido e do subsídio de desemprego
-que ainda recebe porque foi interrompido entretanto,
com os cursos de formação profissional que
fez- espera encontrar uma solução. “Ainda
não perdi a esperança de criar o meu próprio
posto de trabalho”, adianta. E se o dinheiro em
dívida chegasse, relativo à indemnização,
seria uma ajuda para esse fim, já que o seu projecto
está a encontrar algumas resistências. “Era
o que eu queria fazer, mas estão-me a pôr
muitas dificuldades. Os incentivos que se anunciam, na
prática, não se notam”, desabafa.
O que é certo é que não há
garantias de que essa quantia vá ser entregue,
já que os bens que restavam da massa falida foram
vendidos a um preço inferior ao esperado. As instalações
da Eres, à terceira tentativa, foram vendidas em
hasta pública por um milhão de euros (cerca
de 200 mil contos) ao empresário fundanense de
construção civil José Ramos Gil.
Uma quantia insuficiente para pagar a totalidade das indemnizações
em falta aos trabalhadores com mais anos de serviço,
já que os funcionários com menos tempo na
empresa receberam o valor total através do Fundo
de Garantia Salarial.
Este foi, de resto, um dos motivos por que valeu a pena
lutar enquanto delegada sindical da empresa, refere São
Oliveira. O Fundo de Garantia Salarial permitiu dar a
cada um dos trabalhadores seis mil euros, que cobriu aquilo
que algumas tinham a receber. "Mas as que trabalharam
lá mais anos foram as que ficaram mais prejudicadas",
observa São Oliveira, que esteve 19 anos na Eres.
Quantia irrisória
Segundo Luís Garra, presidente do Sindicato Têxtil
da Beira Baixa, dos cerca de 4 milhões e meio de
euros em indemnizações estão ainda
em falta quase dois milhões de euros, o que significa
que "os interesses dos trabalhadores não estão
ainda acautelados", frisa. E salienta, uma vez mais,
que o ideal seria o Governo ter encontrado uma solução
para que a empresa continuasse a laborar. Sobre a venda
das instalações da fábrica a um construtor
civil, 11 mil metros quadrados no Sítio do Vale
ao Disco, numa zona habitacional, o sindicalista diz que
"a partir do momento em que há um leilão,
qualquer pessoa lá pode ir". No entanto Luís
Garra considera o valor por que foi feita a venda "insuficiente
face ao montante dos créditos, sobretudo dos trabalhadores".
Uma opinião partilhada pelas antigas funcionárias.
"Foi uma quantia irrisória pelo que pensávamos
que ali tinhamos. Mas temos que ser realistas, nas falências
é mesmo assim. Se podem dar menos, não vão
dar mais", lamenta Carmo Ramos, prenseira na Eres
durante 14 anos.
Hipótese de projecto
imobiliário
A venda dos bens avançou após terem sido
goradas as tentativas de reactivar a empresa de capital
suiço que em Março de 2002 parou de laborar
e em Junho abriu falência.
Para Manuel Frexes, presidente da autarquia fundanense,
a venda justifica-se porque ninguém ofereceu um
valor superior e foi preferível "a esperar
que aquilo se degradasse e não valesse nada".
"Nenhum dos trabalhadores recebe um cêntimo
a mais por mais anos que aquilo ali esteja, bem pelo contrário",
acrescenta.
O autarca explica ainda que o Plano Director Municipal
(PDM) "permite construir normalmente na área,
porque está dentro do perímetro urbano",
e, à partida, não descarta a possibilidade
de aprovar um eventual projecto de construção.
De resto, uma hipótese já avançada
por Ramos Gil. "Os novos proprietários dirão
o que querem ali fazer e nós cá estaremos
para analisar", diz o edil. Recorde-se que Manuel
Frexes, durante a época conturbada que se seguiu
ao encerramento da empresa, comprometeu-se a não
viabilizar qualquer construção para aquele
local enquanto os direitos dos trabalhadores não
estivessem salvaguardados. "Aquilo que disse, e mantenho,
é que naquelas circunstâncias e naquele momento,
enquanto não fossem salvaguardados os direitos
dos trabalhadores, não seria autorizado nenhum
processo especulativo", salienta. E acrescenta que
"na altura as indemnizações e os direitos
dos trabalhadores foram assegurados, todos eles foram
inscritos no centro de emprego, foram feitos programas
especiais e a Segurança Social adiantou a maior
parte das indemnizações".
Maioria ainda não tem emprego
São Oliveira não encara essa situação
com naturalidade. "Vai-me fazer confusão ver
ali alguma coisa construída. Acho que virmos a
verificar isso sem termos ainda recebido o que nos pertence
nos vai afectar", comenta.
No caso de Carmo Ramos, de 43 anos, as principais dificuldades
com que se deparou quando a Eres fechou as portas foram
do foro psicológico, já que conseguiu trabalho
dois meses depois numa confecção em Castelo
Branco. Uma "sorte" que não teve a maioria
das mulheres, uma vez que grande parte se encontra ainda
sem emprego. Mas olhar pela janela, de onde se vê
a fábrica desactivada logo ali ao lado, e recordar
os muitos anos passados alí é um exercício
que evita fazer, mesmo passado este tempo. "Ainda
agora penso nisso, mas é preciso olhar em frente
e esqueçer", diz, comovida.
"Tornava-se difícil acreditar nos boatos.
Quando aconteceu fiquei muito desiludida, depois veio
a revolta, porque acho que as entidades competentes podiam
ter feito mais. Quando demos por nós já
estavamos desesperadas. E ainda hoje sinto essa revolta",
confidencia. Quanto à indemnização,
já perdeu a esperança de vir a receber o
resto, dadas as circunstâncias. Mas tem poucas dúvidas
relativamente ao futuro das instalações
que durante 30 anos acolheu as quase 500 mulheres de bata
azul. "Se foi vendido a um construtor civil se calhar,
daqui a uns anos, vou ver ali mais uns mamarrachos",
adianta, resignada.
|