Tiago Oliveira Rodrigues*
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Sr. Reitor,
a Pedagogia na e pela UBI
“Não é com carreirinhas ligeiras,
tão rápidas quanto de pouco fôlego,
que se conseguem os objectivos, mas com persistência
e tenacidade. (…) Normalmente a vitória sorri
aos corredores de fundo, aos que não desistem,
mas persistem.”
António Fidalgo
In Urbi@Orbi
Aqui está uma frase plena
de sentido. Justifica, por exemplo, a inconsistência
do nosso sistema de avaliação. Senão
vejamos: alguém consegue explicar como é
que um exame de 2 ou 3 horas, no final de um semestre,
desenvolve a persistência e a tenacidade de um aluno?
E já alguém se apercebeu que passamos um
terço do ano lectivo em avaliações
deste género? Dá que pensar, não
dá?
É com esta ideia que gostaria de partir para uma
reflexão sobre a UBI e o “sucesso escolar”.
Vamos aqui entender “sucesso escolar” como
a verdadeira aprendizagem, ou seja, aquela que se revela,
não nos exames, mas no momento em que somos confrontados
com uma qualquer situação, num qualquer
dia, posterior ao período de aprendizagem. Como
as nossas pautas não medem semelhante coisa, temos
que partir para dados especulativos e a impressão
que tenho é a de que a situação não
é famosa. Penso que, em boa verdade, a generalidade
dos alunos não aprende significativa e consistentemente.
Já sabemos que os problemas são vários.
Mas há uma espécie de pirâmide invertida
que ordena os problemas por ordem de resolução.
Ora, se do ponto de vista estrutural, a Universidade atingiu
já um patamar bastante aceitável, do ponto
de vista dinâmico estamos ainda muito longe do desejável.
Por isso, Sr. Reitor, o seu maior desafio para este mandato
é fazer com que esta Universidade deixe de ser
um sítio onde se «tira um curso», para
passar a ser um local onde alguém cresce, aprende,
se forma e se educa, em todas as suas dimensões.
E isso passa, inevitavelmente, por questões pedagógicas.
É claro que já sabemos que os alunos não
estudam o suficiente. Mas também sabemos que o
bom professor é, também, aquele que os põe
a estudar. Falta, então, saber como é que
isso se faz.
A história do ensino, em Portugal, fabricou a ideia
de que o único espaço onde o professor pode
ensinar o aluno (e o aluno pode aprender alguma coisa
com o professor) é a aula. E, assim, a aula tornou-se
o único local onde professor e aluno interagem.
Chegamos, até, ao ponto em que o professor “dá”
a aula a um sem número de personagens, absolutamente
anónimas, que lhe caíram ali à frente,
vindas sabe-se lá de onde. Será esta a melhor
forma de o aluno tirar partido do, possivelmente, excelente
professor que tem perante si? O resultado de tudo isto
está à vista: os alunos vêm à
Universidade, única e exclusivamente, para assistirem
às aulas. Talvez esta «inculturalidade»
dominante seja o resultado desta vida repetidamente fútil
e continuadamente oca. É o que eu chamo o “culto
do comum”. Acredito, apesar de tudo, que todo e
qualquer momento é uma excelente circunstância
para aprender. Nas salas de aulas (com elas ou sem elas),
nos gabinetes, nos corredores, nos bares, na biblioteca,
nas ruas, nas festas, nas conferências, nas cerimónias,
nos workshops, etc, etc, etc… E todos os meios de
aprendizagem são bons para esse fim, quando utilizados
no momento certo e na quantidade correcta: o papel e a
caneta, o computador, a Internet, os livros, os laboratórios,
a televisão, a rádio e os jornais, etc,
etc, etc…
Temos vindo a perceber que os responsáveis querem
ver os alunos na Universidade e nas aulas. Como se fossem
marionetas, os alunos vão sendo controlados com
um horário semanal estático e repleto de
aulas com designações ridículas (T,
TP, P). O que acontece é que isto acaba por actuar
em sentido contrário porque conduz a uma monotonia
que afasta o aluno da Universidade. Talvez uma certa liberdade
e uma consequente auto responsabilidade fossem mais motivadoras
e benéficas para os alunos (em todos os sentidos).
É, de facto, urgente cultivar a persistência.
Mas será que tem sido dada, aos alunos, a oportunidade
para dar azo à sua imaginação e para
pôr em prática as suas qualidades? Será
que tem sido dada, aos alunos, a oportunidade de errarem
e corrigirem, de escolherem e justificarem? Uma coisa
é certa, é complicado aprender a nadar fora
de água.
“Todos nós temos talentos diferentes, mas
todos nós gostaríamos de ter iguais oportunidades
para desenvolver os nossos talentos” disse um dia
J.F.Kennedy. A questão é: porque será
que este pensamento tem profundas implicações
pedagógicas? Os mais insatisfeitos e persistentes
encontrarão, certamente, uma resposta. Não
sendo propriamente objecto de fé, a Pedagogia acaba
por se basear intensamente em convicções.
Por exemplo, acredito que a informação se
transmite e o conhecimento se constrói. Daí
que uma aula tenha que ser, necessariamente, diferente
de um telejornal. Por isso, acredito que o sujeito aprende
quando tem um papel activo no processo de ensino-aprendizagem.
Deste modo, qualquer plano de aprendizagem que, eventualmente,
tivesse que imaginar assentaria, com certeza, nestas convicções.
Um equívoco bastante comum é a ideia de
que a pedagogia funciona por oposição à
excelência científica. Isto é um verdadeiro
disparate. Ora, se a pedagogia trabalha para que os alunos
aprendam mais e, acima de tudo, melhor, parece-me contraditório
dizer que a pedagogia contribui para o “insucesso
escolar”. O que acontece na Pedagogia é o
mesmo que acontece em qualquer outra área: há
bons e maus trabalhos sobre pedagogia. É verdade
que alguns chegam a ser patéticos. O erro é
julgar o todo pela parte. Há excelentes trabalhos
nesta área que, devidamente valorizados, poderiam
contribuir para uma melhoria significativa do “sucesso
escolar”. Para os mais distraídos convém
referir que a Pedagogia não é um monte de
receitas prontas a serem memorizadas e aplicadas. Não
se pede aos professores que tirem um curso de colocação
de voz - porque uma Universidade não é uma
companhia de teatro; ou que conheçam as regras
de escrita no quadro - porque são inúteis;
ou que aprendam a calcular a duração de
um teste - porque é impossível; ou que aprendam
se devem dizer primeiro “Ai” e depois “Ui”…
O mestre é aquele que vive e acompanha a aprendizagem
do aluno, é aquele que se emociona quando o trabalho
dá resultado, é aquele que se entristece
quando o aluno falha, é aquele que comemora, ao
lado do aluno, cada vitória sobre cada obstáculo.
Mas afinal, o que é a Pedagogia? A Pedagogia é,
essencialmente, inquietação e insatisfação
constantes. Um professor de Matemática, chamado
Ivar Ekeland, escreveu um dia que “a magnífica
regularidade das leis de Kepler é um acidente da
Natureza”. È isso que eu penso em relação
aos bons professores que nunca questionaram a sua pedagogia:
são um acidente da Natureza. Mas, a verdade, é
que ainda existem professores que acreditam que só
há uma forma de aprender, e é “à
canelada”. Além disso, consideram que o verdadeiro
estudo implica sempre uma grande dose de sofrimento, o
que é verdadeiramente falso. Também é
possível aprender com prazer e alegria. E não
se trata de desvalorizar o esforço porque toda
a gente sabe (ou devia saber) que sem esforço nada
se consegue. Trata-se de aprender a trabalhar com prazer.
Porque estudar não tem, nem deve ser uma tortura
para ninguém. O que não invalida que, de
quando em vez, não haja períodos penosos.
A Pedagogia deve procurar desenvolver o pensamento reflexivo
e a capacidade de nos colocarmos do outro lado da barricada;
deve procurar libertar-nos de pré-concepções
despropositadas e insensatas. A Pedagogia deve conduzir-nos
ao auto-questionamento constante. A Pedagogia sempre pretende
promover a aprendizagem. A Pedagogia deve ser exigente
para formar pessoas competentes e deve ser sistémica
para formar pessoas integralmente. A Pedagogia deve perseguir
o ideal. No momento em que existe a figura do professor
e a figura do aluno, todo o acto tem uma carga pedagógica.
Portanto, não respeitar a fila no bar é
um acto anti-pedagógico. Nunca é demais
dizer que a educação abrange todos os domínios
do ser humano: intelectual, social, emocional, cultural,
etc.
Mas a Pedagogia não deve constituir uma obsessão
(tal como o défice orçamental do Estado).
Quando isolada de tudo o resto, a Pedagogia é inútil.
Mas quando aplicada ao ensino das Ciências é
fundamental. O mesmo é dizer que a Pedagogia não
pode estar dissociada da investigação científica.
Se repararem, os trabalhos mais importantes na área
da Pedagogia foram feitos por pessoas que não eram
Pedagogos de profissão. Eram, tão simplesmente,
pessoas que se preocupavam com a forma como se aprende
(e não tanto com a forma como se ensina). Daí
que eu deva elogiar actividades que, verdadeiramente,
promovem a aprendizagem como o concurso das pontes de
esparguete, a TUBI, a RUBI e o Urbi@Orbi, as jornadas
científicas (na maior parte dos casos organizadas
pelos núcleos de alunos), as visitas de estudo,
os escassos grupos de investigação constituídos
por professores e alunos, e outras actividades que agora
não me recordo.
Outra questão importante é a de que é
impossível ser-se um bom professor de seis ou sete
cadeiras. Uma, duas ou, quando muito, três cadeiras
é o admissível. Isto implica uma boa gestão
do corpo docente. Não se pode exigir milagres aos
professores que, além disso, devem ser também
bons investigadores. Porque não passa pela cabeça
de quem quer que seja, pôr em causa a competência
científica de um professor, e esta implica actualização
constante, ou seja, trabalho e estudo, pesquisa e investigação
contínuas. Como um grande compositor disse um dia:
“Um obra de arte tem 5% de inspiração
e 95% de transpiração”. Assim também
uma boa explicação tem 5% de Pedagogia e
95% de trabalho científico (o que não quer
dizer que os 5% sejam dispensáveis).
Mas não quero passar a típica ideia portuguesa
do fatalismo irreversível. Penso que estamos no
bom caminho. Nota-se nas palavras do Sr. Reitor quando
fala do futuro da UBI e das suas prioridades - “A
aprendizagem deixa de estar centrada no professor para
estar centrada no aluno” Santos Silva. Nota-se nas
palavras de vários professores – “Estimular
a investigação, o mesmo é dizer,
educar a insatisfação é a meu ver
inerente à condição da Universidade.
O que significa fazer alastrar esse espírito para
os estudantes, e incutir-lhes essa motivação”
Domingos Vaz. Nota-se nos exemplos de medicina e arquitectura
(aliás, no departamento de artes, em geral) –
“Queremos entusiasmar os alunos a procurar por si"
J.Callado. Nota-se na lotação da biblioteca,
nota-se…
Terminando, bem ao estilo Luther King, direi: eu sonho
com o dia em que as salas de aula se transformarão
em salas de estudo e as aulas se transformarão
em tempos de estudo, com o dia em que os professores passarão
a sê-lo de todos os alunos e estes de todos os professores,
com o dia em que as pautas deixarão de ser listas
intermináveis de nomes sem rosto para passarem
a ser conversas inesquecíveis entre mestres e aprendizes,
com o dia em que os exames deixarão de ser um papel
despido de significado para passarem a ser desafios concretos
e didácticos na vida de um estudante, com o dia
em que estudar deixará de ser a “seca necessária”
para passar a ser a actividade natural de um aluno; com
o dia em que aprender será motivo de satisfação,
orgulho e humildade.
*aluno da UBI
a11403@alunos.ubi.pt
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