António Fidalgo
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O elogio da
tartaruga
Diz-se que Portugal anda triste. Somos de novo o País
mais pobre da União Europeia, ficando atrás
da Grécia, país que havíamos ultrapassado
há cerca de dez anos. Somos o País com maior
taxa de abandono escolar, os alunos que ficam são
dos piores em matemática e em física, temos
a economia que menos cresce na Europa, o défice
orçamental do Estado parece um pesadelo, temos
listas de esperas nos hospitais, os salários não
aumentam. Pelos vistos, justificam-se as razões
da tristeza.
Ainda não há meia dúzia de anos vivíamos
tempos eufóricos, aquando da inauguração
da ponte Vasco da Gama, da adopção da nova
moeda, da organização da Expo. Aí
parecíamos a lebre que iria apanhar rapidamente
os países mais desenvolvidos da Europa. E, de repente,
vemo-nos no triste fado de sermos os últimos. Do
oitenta passámos para o oito. Parece que o esforço
não vale a pena, que é escusado fugir à
sina de sermos os mais pobres, os menos alfabetizados,
com pior ordenamento do território, gastando em
estádios de futebol o pouco dinheiro que nos resta.
Do bom aluno da Europa passámos ao primeiro País
a ultrapassar os limites do défice de Estado. A
corridinha à lebre, feita a seguir à integração
europeia em 1986, foi de pouca dura. Cansámo-nos
depressa.
O mais provável, porém, é que nunca
estivemos tão bem como se julgou em tempos de euforia,
nem estamos tão mal como se julga agora. O que
é verdade é que em 1900 Portugal era um
país com 75 por cento de analfabetos, quando já
não havia analfabetos em França e na Alemanha,
é que em 1910 Portugal apenas tinha uma univer-sidade
e hoje tem mais de vinte, é que de 1962 para cá
Portugal foi um dos países que maior crescimento
teve em todo o mundo. As coisas têm de ser vistas
com alguma distância. É verdade que somos
ainda o País mais pobre da União Europeia,
mas não é menos verdade que já não
somos tão pobres como éramos ainda há
poucos anos. O que se passa é que afinal não
estamos a andar tão depressa como pensámos.
Mas é neste ponto que convém fazer o elogio
da tartaruga.
Há quem julgue que o desenvolvimento e a cultura
se conseguem rapidamente, há porventura quem tenha
julgado que a adesão de Portugal à CEE era
como ganhar a taluda do Natal, e que todos os problemas
do subdesenvolvimento ficavam resolvidos com os milhares
de milhões dos fundos comunitários. Mas
não é assim, as coisas são lentas.
Um hospital faz-se em dois ou três anos, mas um
médi-co, um enfermeiro, um sistema de saúde
eficiente, levam anos e anos a formar. As auto-estradas
e as escolas constróem-se hoje em pouco tempo,
mas a mentalidade de conduzir civilizadamente e a de dar
o devido valor à formação escolar
é algo que demora gerações. Há
apenas uma dúzia de anos atrás um drama
português era o trabalho infantil. Agora, pelos
vistos, o problema já não é esse,
mas o insucesso escolar. As coisas andam mais devagar
do que o que se pensa. Impor-tante, porém, e esse
é o ensinamento da tartaruga, é que andem
de forma permanente e contínua. Não é
com carreirinhas ligeiras, tão rápidas quanto
de pouco fôlego, que se conseguem os objectivos,
mas com persistência e tenacidade. Sabemos que quem
ganhou a corrida foi a tartaruga e não a lebre.
Ainda que lenta a tartaruga foi persis-tente, andou sempre.
A lebre era tão veloz quanto inconstante, ora corria,
ora dormia uma soneca, e, por isso, perdeu.
Normalmente a vitória sorri aos corredores de fundo,
aos que não desistem, mas persistem. Os voluntarismos
repentistas podem ser muito ao nosso jeito e feitio lusos,
podem mesmo dar a ilusão de que é agora
que vamos conseguir, mas costumam enganar. Mais eficaz
é a determinação duradoira de manter
o rumo, de ultrapassar os bons e os maus momentos, de
trabalhar a médio e a longo prazo. Não há
tácti-cas, por mais brilhantes que sejam, que substituam
uma estratégia consistente. E é isso que
faz falta a Portugal: manter a estratégia da tartaruga,
de caminhar sempre, fazer sempre o que é certo
ainda que os resultados não se verifiquem no imediato.
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