ÁGUA GRANDE
Cataratas do Iguaçu
Por Catarina Moura
Ao olhar toda aquela água desde baixo entendo os
guaranis. Entendo porque chamaram Iguazú àquela
enormidade. Iguazú: água grande. Água
grande, de facto, grandiosa. Estávamos numa embarcação
de borracha que nos passeava acrobaticamente pelas rápidas
e trepidosas águas que a força das cataratas
revolve por toda aquela bacia semi-lunar que as acolhe.
Os condutores pareciam seguros mas ao nosso lado a água
desenhava remoinhos que pareciam dispostos a engolir-nos
a qualquer momento. Passávamos ao lado de quedas
de água cuja força e altitude nos podia
esmagar a qualquer movimento em falso. Tinha recusado
o plástico que os guias do Parque Nacional Iguaçú
distribuíram pelo grupo e estava absolutamente
ensopada, mas não fazia mal. Sentir aquela água
inundava-me por dentro - de deslumbramento. No dia seguinte
avisto um outro grupo a experimentar esse mesmo deslumbramento.
Estava então em solo argentino, onde está
situada a grande fatia das cataratas do Iguaçú,
aí chamadas Iguazú. Nomeadamente a Garganta
do Diabo. Impossível avistar o fundo quando a olhamos
de cima, privilégio permitido pelas pontes construídas
pela empresa que explora o Parque. Lembro-me de olhar
em frente e ver toda aquela água que parecia vir
direita a mim. É uma visão esmagadora. Água
grande…
Divididas entre o Brasil e a Argentina, as Cataratas do
Iguaçú são compostas por 275 quedas
de água que se precipitam de uma altura superior
a 80 metros ao longo de 4 quilómetros. Património
Natural da Humanidade desde 1984, o Parque alberga mais
de 400 espécies de aves e cerca de 2 mil espécies
vegetais, o que o torna um dos ambientes naturais mais
ricos do mundo. Mas são as Cataratas que fazem
desta zona um dos destinos turísticos mais importantes
da América do Sul, suportado por uma bem conseguida
e diversificada rede hoteleira, tanto do lado brasileiro
como do lado argentino, e favorecidos pela existência
de modernos aeroportos internacionais tanto em Foz do
Iguaçú como em Puerto Iguazú, também
ligadas às principais cidades de ambos os países
por uma bem estruturada rede rodoviária. A completa
oferta de serviços e a possibilidade de experimentar
as mais diversas actividades (passeios náuticos,
safaris fotográficos, caminhadas pela selva, …
) num entorno totalmente agreste e selvagem tornam a visita
ainda mais tentadora.
Para quem vai pelas Cataratas, são obrigatórios
os dois países, pelas diferentes perspectivas que
oferecem daquele monumento aquático. Se a visita
for motivada pela natureza, o lado brasileiro, menos amplo,
é talvez mais exuberante. A selva é densa,
verde e profunda. As árvores encontram-se lá
no alto, formando uma cúpula que filtra a entrada
do sol. Por todo o lado, enormes borboletas de todas as
cores pousam suavemente nos nossos braços, buscando
o sódio da nossa pele. Além dos estreitos
caminhos que são ainda os mesmos um dia abertos
pelos indígenas Guaranis, a selva é um espesso
emaranhado de vegetação que se fecha em
nosso redor.
Dezoito quilómetros abaixo das Cataratas, as mesmas
águas frenéticas unem-se, mais calmas, ao
caudal do rio Paraná. Deste encontro nascem três
fronteiras. Estávamos na Argentina e, na nossa
frente, o Brasil e o Paraguai, como ramificações
do tronco fluvial. Cada país construiu no seu território
um obelisco de pedra e cimento pintado com as cores da
respectiva bandeira. Olhando a calma tríade, podemos
imaginar os incontáveis conflitos que, até
há bem poucos anos, ensombravam aquelas margens,
famosas pelo tráfico de armas, de drogas e de pessoas.
Não sabemos o que restou dessas histórias.
A enganosa placidez dos rios mostra-nos a divisão
natural do que também os homens sempre tiveram
dificuldade em partilhar.
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