Paulo Serra
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Política
e intuição
Quanto à
questão de se saber quem é que, neste entendimento
entre autarcas e autarquias, "perdeu" ou "ganhou",
diremos que ninguém perdeu - mas poderá
ter ganho, e muito, a Beira Interior
Se a política fosse uma
ciência, os cientistas políticos e os comentadores
seriam, seguramente, os melhores de todos os políticos.
Ora, não só não é isso que
acontece como o que acontece é, precisamente, o
contrário disso: vemos homens dotados de um grande
saber teórico e de uma grande capacidade de reflexão
que, quando se dedicam à actividade política,
o fazem de forma muito pior do que muitos outros que têm,
acerca da política, menos saber teórico
e capacidade de reflexão. Isto é tanto assim
que quase seríamos tentados a dizer que, no que
à actividade política se refere, o saber
teórico e a capacidade de reflexão são,
mais do que vantagens, verdadeiras desvantagens.
O que isto significa, no fundo, é que a política
é, mais do que uma ciência, uma arte - e
uma arte que envolve, como uma das suas componentes fundamentais,
a intuição. E esta, ou se tem ou não
se tem. Quando se tem, pode-se exercitá-la, desenvolvê-la
e apurá-la. Quando se não tem, já
não nasce, por muito esforço que se faça.
Daqui não se segue, no entanto, que a intuição
possa dispensar o saber teórico e a capacidade
de reflexão - o ideal será, antes, conseguir
juntá-los à intuição.
Um dos aspectos em que melhor se revela a intuição
do político é, sem dúvida, a sua
capacidade de, em cada momento, distinguir o essencial
do acessório e o adversário principal dos
adversários secundários. Ora, ao autarcas
da Covilhã e do Fundão, Carlos Pinto e Manuel
Frexes, a que se juntou o autarca de Belmonte, Amândio
Melo, deram recentemente mostras dessa intuição,
ao identificarem como essencial o desnvolvimento do conjunto
da Beira Interior e, como inimigo principal, o centralismo.
De facto, e como o evidenciam casos como os do Parkurbis
ou da ligação a Coimbra, o desenvolvimento
de cada uma das autarquias da Cova da Beira - e, nomeadamente,
da Covilhã, do Fundão e de Belmonte -, constitui
parte de um mesmo problema: o que for bom ou mau para
uma é bom ou mau para todas, e vice-versa. Apenas
um bairrismo serôdio ou uma desmesurada vontade
de protagonismo poderão fazer esquecer que aquilo
que une os vários Municípios da Beira Interior
é muito mais do que aquilo que, eventualmente,
os separa.
E, se é verdade que, em política, ninguém
dá nada a ninguém - tudo o que se ganha
é resultado de uma "luta" e, como tal,
uma "conquista" -, isso é ainda mais
verdadeiro no que se refere às relações
entre o Interior e os governos da República. Estes
oscilam, habitualmente, entre o que poderíamos
chamar as belas palavras e os actos omissos: protestam
apoio e fidelidade, mas, quando chega a hora da verdade,
descartam-se o mais possível. (Nos últimos
anos, honra lhes seja feita, apenas o Governo de António
Guterres, e o ministro José Sócrates, em
particular, e no que à Beira Interior se refere,
escaparam a essa inconsequência do centralismo).
Quanto à questão de se saber quem é
que, neste entendimento entre autarcas e autarquias, "perdeu"
ou "ganhou", diremos que ninguém perdeu
- mas poderá ter ganho, e muito, a Beira Interior
e os cidadãos que a habitam, e gostam de a habitar;
e ganharam também, por arrastamento, cada um dos
políticos que chegaram a entendimento. Como, em
futuro próximo, se verá - se o entendimento
tiver sido (e for) autêntico e não uma mera
operação mediática.
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