Urbi@Orbi- O que
conhecia da UBI antes de ser convidado para director do
curso de arquitectura?
José Callado- A única coisa que conhecia
era a prestação de alguns membros da universidade
em congressos internacionais em que participei. Impressionou-me
na altura a qualidade dos docentes desta universidade. Não
podia fazer um juízo apenas sobre os poucos que conheci,
mas pensava que uma universidade com docentes que brilham
a nível internacional não é, com certeza,
uma má universidade.
U@O- Qual é a sua visão sobre esta
Universidade?
J.C.- É muito diferente da universidade
de onde venho. Primeiro, pelo sistema de funcionamento.
Aqui existe uma universidade departamental e na Universidade
Técnica de Lisboa (UTL) cada unidade orgânica
é quase completamente independente, não
existem relações funcionais entre os vários
órgãos. Aqui há uma interdependência
constante e na UTL é o oposto. Lá há
um grande isolamento das escolas entre si. Depois, esta
universidade pareceu-me extremamente enriquecida com gentes
de todas as regiões. Posso dizer que a sensação
que tive quando cheguei aqui foi a mesma de quando estive
a estudar em Newcastle, onde há pessoas de todo
o Mundo.
U@O - E no curso que dirige, o que mais lhe agrada
e desagrada?
J.C.- O Reitor deixou claro desde o início
que não queria criar mais uma licenciatura igual
às outras. Em geral existem duas licenciaturas
de referência em Portugal, a do Porto e a de Lisboa,
e todas as outras, com pequenas nuances, seguem essas
estruturas. Foi graças ao Reitor que esta licenciatura
não foi criada como um decalque daqueles modelos.
Interessava que tivesse uma identidade própria.
Aqui há uma conciliação entre matérias
técnicas e de ordem artística, mas também
com uma formação que permita aos nossos
alunos questionarem-se constantemente sobre o saber, desenvolver
uma capacidade de auto-aprendizagem. Das várias
originalidades neste plano, gostaria de destacar a disciplina
de filosofia, em relação à qual temos
grandes expectativas.
Quem preparou o dossier para apresentar ao Ministério
da Ciência e do Ensino Superior foi uma comissão
de arquitectos não ligados ao ensino, e não
uma comissão de académicos. Depois do documento
ser aprovado, o Reitor achou por bem chamar um académico
para colocá-lo em funcionamento, já que
um plano de estudo e uma acção didáctica
são coisas bem distintas. Então, teve a
gentileza de me desafiar para tomar conta desta etapa.
"Queremos entusiasmar os alunos
a procurar por si" |
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U@O - Como está estruturada a licenciatura, e que
mais valias trará em relação a outras
do País?
J.C.- Gostaria de olhar esta licenciatura em
termos das suas especificidades e do produto que tentamos
tirar daqui. Características fundamentais: o desenvolvimento
de uma auto-responsabilização da aprendizagem.
Iremos, fundamentalmente, dar instrumentos para que os
estudantes sejam pessoas intrigadas ao longo da vida e
capazes de desenvolver a sua capacidade de aprender. Queremos
entusiasmar os alunos a procurar por si os seus próprios
problemas e a singrarem na sua investigação.
Estamos numa época em que o conceito de saber é
constantemente posto em causa, e uma das originalidades
desta licenciatura é a meditação
sobre a génese do conhecimento. Acho que os nossos
alunos devem partilhar essa consciência, o que pensamos
ser muito importante para a sua capacidade de auto-aprendizagem.
Há uma dúvida constante na arquitectura,
será uma técnica, será uma arte?
A primeira coisa que os alunos vão perceber é
que a arquitectura não é uma arte plástica
como outra qualquer. Queremos que os nossos estudantes
olhem para a arquitectura como uma disciplina policêntrica,
que se cruza com muitos outros saberes, mas que tem um
modo de operar próprio, ou seja, pode-se dizer
que tem uma metodologia projectual, que se distingue pelo
seu carácter dualista, da metodologia e pensamento
do arquitecto. Isto é algo que gostaríamos
de passar aos nossos alunos.
U@O - Como são as instalações
e equipamentos para este curso?
J.C.- A UBI não tinha nenhuma tradição
em arquitectura. Tive-mos de batalhar um pouco no sentido
de encaixar instalações, o que conseguimos.
A UBI tem, em geral, instalações muitíssimo
boas. Tem os meios que permitem encarar com optimismo
o futuro desta licenciatura. Compreende também
uma grande dinâmica interna, o que, talvez seja
o mais importante, e mostra uma grande capacidade de improvisação.
A espinha dorsal dos seis anos da licenciatura já
está preparada. Há aspectos de fundo que
estão estruturados e, em função disso,
vamos começar a desenvolver programas atempadamente.
Temos um conjunto de programas de altíssima qualidade
e de grande potencialidade para os alunos, servidos por
muito bons professores .
U@O - O facto de ser uma licenciatura muito ligada
a Engenharia Civil, e tendo em conta que estes cursos
normalmente são rivais, traz vantagens ou desvantagens,
a seu ver?
J.C.- Essa é uma ideia recorrente, mas
que nunca observei na prática. Penso que esse conflito
vem por razões de natureza corporativa e não
científica. No plano científico e cultural,
arquitectos e engenheiros têm as maiores afinidades.
Em grande parte dos casos, falamos a mesma linguagem.
Até é interessante o curso ter nascido no
interior do Departamento de Engenharia Civil. Quanto muito,
constituímos um enriquecimento do departamento.
Existe já uma capacidade técnica e cientifica
de alto nível, que está a nosso favor, como,
por exemplo, os laboratórios existentes. Não
senti qualquer tipo de rivalidade. Para dizer a verdade,
senti-me como peixe na água.
U@O - E os alunos, já teceram comentários
quanto ao curso e às suas metodologias?
J.C. - Julgo que os alunos ainda não construíram
uma opinião, mas estão cheios de curiosidade.
Muitos ainda pensam que a licenciatura é algo que
os vai transformar em arquitectos como Siza Vieira ou
Frank Gehry. De qualquer forma, gostaram do que viram
e querem ficar. Estão entusiasmados, e têm
demonstrado enorme capacidade de trabalho e vontade de
responder aos desafios que lhe são lançados.
U@O - Que tipo de arquitectos gostaria de formar?
J.C.- Gostaríamos de formar arquitectos
muito auto-suficientes, pessoas com uma grande capacidade
de se interrogarem constantemente sobre aquilo que fazem,
de ir à procura de respostas às suas interrogações
e de interrogarem as suas respostas.
U@O - Se pudesse fazer alguma intervenção
na cidade, o que gostaria de fazer?
J.C.- Ainda não tive tempo de andar a
“esquadrinhar” a Covilhã, com olhar
de turista e de arquitecto. Mas, de uma forma geral, penso
que por cima de uma estrutura que nasceu ligada a uma
certa visão industrial, alguém despejou
um monte de casas, de forma um pouco caótica, o
que deve ter contribuído para destruir uma identidade
que a cidade terá tido. Tudo o que sejam intervenções
de modo a devolver à Covilhã uma parte da
sua identidade seria algo que eu, como qualquer outro
arquitecto, gostaria de fazer.
No curso temos cadeiras que falam da recuperação
e requalificação de edifícios. No
entanto, não quero deixar aos meus alunos a ideia
de que a recuperação de coisas antigas é
o lado bom da nossa actividade e a construção
de coisas novas, o lado mau. Porque o que fazemos hoje
é o património de amanhã.
Não posso deixar de referir que aceitei com muito
entusiasmo o desafio que me foi feito, e achei fantástico
o facto de a UBI ter tido a coragem e a visão de
intervir num mundo que está limitado na polaridade
Lisboa-Porto.
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Nasceu em Moçambique, mas cresceu
em Lisboa e escolheu, há vários
anos, Cascais para morar. “ Em Lisboa,
estudei primeiro na Escola São João
de Brito até ao 7º ano, depois
na São João de Castro e, por
fim, na Escola Naval”, conta José
Callado.
Depois da licenciatura em Arquitectura concluída
na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa
(ESBAL), trabalhou como chefe dos serviços
técnicos na Câmara Municipal
de Palmela. Posteriormente entrou como assistente
no Departamento de Arquitectura da ESBAL,
e, a partir daí, seguiu nesta instituição
o seu percurso académico. À
excepção do doutoramento,
sobre a interactividade dos espaços
de habitação, que apresentou
na University of Newcastle, em Inglaterra.
Em seguida, voltou como docente para a ESBAL,
mais tarde Faculdade de Arquitectura de
Lisboa.
Quanto ao seu estilo, José Callado
diz que não é nem racionalista,
nem ecléctico. “Não
parto de uma realidade pré-estabelecida,
procuro encontrar em cada projecto uma linguagem
que responda à ideia que tenho, de
que a arquitectura, como outras artes, é
uma forma de nos representarmos como pessoas
e como sociedade. O artista tem a responsabilidade
de estabelecer uma ligação
com a realidade, com a razão de ser
e, sobretudo, um certo sentido de intemporalidade”,
refere; e continua, “a obra confere
um carácter de testemunho a outras
gerações, que de outro modo
não teriam contacto com certos aspectos
de um período”.
José Callado sublinha que sempre
combinou o percurso académico com
o de atelier. Começou por trabalhar
num projecto de restaurações
no Castelo de São Jorge. Hoje, tem
um gabinete que faz projectos de média
dimensão.
“Penso que todos gostariam de deixar
uma marca, mas a época em que vivemos
é muito complexa. O retrato desta
época é , de certa forma,
caótico. A impossibilidade de se
definir um paradigma desresponsabiliza-nos
um pouco, mas, por outro lado, a necessidade
de um gesto artístico representar
o que quer que seja dá-nos alguma
responsabilidade. Vivemos numa instabilidade
permanente, entre o desejo de representar
alguma coisa e essa coisa nos escapar por
entre os dedos das mãos”.
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