Apenas duas personagens em palco durante toda a peça
Festival Y #1
Metáfora da vida

O grupo de teatro O Bando trouxe à Covilhã um espectáculo intimista que proporcionou ao público momentos de reflexão. O envelhecimento e o rejuvenescimento das personagens retratam a vida num mundo de encontros e desencontros.


Por Teresa Batista


Num espectáculo com apenas dois actores em cena, "Gente Feliz com Lágrimas", baseada no romance de João de Melo, retrata as alegrias e as tristezas vividas por um casal durante o regime ditatorial.
A peça, que subiu ao palco do Teatro Cine no dia 28 de Outubro, funciona como uma metáfora para retratar a vida política e social que se vivia em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 e a forma como a ditadura se reflectia na vida das pessoas da época.
O palco, em forma de ilha, funciona como um símbolo do tempo que vai passando na vida das personagens. O trabalho do grupo teatral O Bando, encenado por João Brites, assenta em cenários abstractos e simbólicos, por isso o material mais usado é o ferro, para representar o tempo que vai passando. São utilizados dois ponteiros que vão rodando discretamente no decorrer da história e “simbolizam o tempo que passa na vida das personagens” sublinha a actriz Sara de Castro. Existe também um espelho em cena onde as personagens se miram ao longo da história e “dá a ideia de transparência na vida das pessoas”, conclui.
Nelson Monforte e Sara de Castro são os actores que durante o espectáculo passam cerca de duas horas a encarnar múltiplas vozes dentro do mesmo rosto. Enquanto Sara vai ficando cada vez mais velha, Nelson vai rejuvenescendo, confrontando o público com a história de um romance, que vincado ao sistema social da época, chegou ao fim devido à incompreensão entre o casal.
Os actores confessam que, para conseguirem cativar o público durante tanto tempo, é necessário “muito trabalho e muita energia”, porque a sua grande preocupação é “passarem para o público a história de um romance de cerca de 400 páginas em menos de duas horas”, afirma Nelson Monforte. Os múltiplos pormenores, nos movimentos e nas expressões dos actores, têm como objectivo criar uma certa intimidade com o público para que este possa viver a história e ao mesmo tempo reflectir sobre ela. Marta Correia, espectadora, diz que gostou imenso do espectáculo. Para esta espectadora “a peça revelou-se uma grande surpresa”. “ A excelente conjugação da mensagem com a representação dos actores” tornou o espectáculo “agradável e atraente”, acrescenta. Vasco Pereira, um outro espectador, salienta que, apesar de considerar esta peça interessante também acha que se torna muito densa na medida que “é difícil perceber a história pois são contadas muitas coisas e também porque é complicado estar atento a todos os pormenores durante cerca de duas horas”.
Nelson Monforte confirma que “a peça é muito densa pois são só dois actores com texto durante muito tempo é um tipo de espectáculo que se torna difícil para quem não está habituado. Contudo, não é fácil estar cerca de duas horas a reflectir sobre uma peça em que a linguagem é puramente literária”.