José Geraldes
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O lápis de Deus
Ela não escreveu nenhum tratado de teologia.
Não pronunciou sermões nem se lhe conhecem grandes dotes de oratória.
Embora quando falasse não deixava ninguém indiferente.
Apesar de aparecer nas televisões, não foi por efeito de quaisquer
campanhas de marketing nem de programação de "spin-doctors",
conselheiros de imagem dos políticos.
Apenas se limitou a aplicar na prática a máxima evangélica
do amor. A dar um sentido à sua vida. Na busca de Deus.
Ela é a Madre Teresa de Calcutá, Prémio Nobel da Paz de 1979,
beatificada, no domingo passado, em Roma, pelo Papa João Paulo II.
A beatificação, primeiro reconhecimento oficial das suas virtudes
heróicas é a confirmação do desejo povo que já
a considerava como santa. Povo constituído por crentes cristãos
e na maioria hindus e muçulmanos.
Foi em Calcutá, na Índia, que concretizou o seu projecto de entrega
aos outros. Dedica-se aos mais pobres a viver e a morrer nas lixeiras da cidade
muitas vezes comidos pelos bichos.
A este propósito, há um facto que revela o carácter do seu
empenhamento. Um dia, Madre Teresa viu umas das candidatas à Ordem das
Missionárias da Caridade que fundou, tratar uma mulher com chagas onde
se fixaram larvas. A aspirante procura com pinças retirar as larvas.
Madre Teresa toma o seu lugar e começa a tratar a ferida com mil cuidados.
Depois, diz á noviça : " Deve compreender que isto é
Jesus. Estamos a limpar as chagas de Nosso Senhor. Se não acreditássemos
que era o corpo de Cristo, nunca poderíamos fazer isto. Não haveria
dinheiro no mundo nos levasse a fazer tal espécie de trabalho".
Esta foi sempre a orientação que deu ao seu trabalho. Para que aos
pobres se reconhecesse a dignidade humana. Aliás, o seu lema era "servir
os pobres para servir a vida".
Nas tarefas mais humildes nas ruas de Calcutá, ao cuidar dos marginalizados,
doentes e moribundos à vista de todos, Madre Teresa realizava o seu desejo
de santidade. Por isso, lhe chamavam a "santa das sarjetas".
Numa época em que os ideais parecem ter sido submersos pelo consumismo,
pela mediocridade e falta de exigência, esta mulher de ar frágil
e franzino contagia todos com uma coerência sem falhas.
João Paulo II presenteou-a, na cerimónia da beatificação
presenciada por mais de 300 mil pessoas, com o epíteto de "ícone
do bom samaritano" a " quem nem mesmo os conflitos e as guerras conseguiam
travar". " A sua vida - sublinhou o Papa - foi uma experiência
radical e uma forte proclamação do evangelho". Daí a
sua grandeza.
Já houve quem comparasse Madre Teresa a S. Francisco de Assis. Ela só
dizia que era "um lápis nas mãos de Deus". Exigente consigo
e com os outros perpassava nas suas atitudes uma ternura de encantar. Por isso,
muitos jovens começam a ir a Calcutá para conhecer o segredo da
sua personalidade.
Madre Teresa costumava dizer que não precisava de fazer grandes obras mas
pequenas coisas ordinárias com um amor extraordinário.
Mas conseguiu ambas as coisas.
A sua figura marca o início do novo milénio. E desencadeou a revolução
dos pobres sem disparar um tiro. Apenas com a arma do amor. Em acções
concretas e sem cartilhas escritas em gabinetes de luxo. Eis a santa da verdadeira
libertação.
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