Miséria é a personagem principal da história
baseada num conto popular
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Festival Y
Uma forma diferente de representar
As marionetas substituíram os actores
numa peça em que o conto popular serve de guião. O Teatro do Porto
apresenta assim um contacto diferente entre palco e plateia.
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Por Eduardo Alves
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A guitarra portuguesa empresta a sonoridade à
peça encenada por João Paulo Cardoso. Numa forma de acentuar o desgosto
e má sorte de um velho ferreiro com o nome "Miséria". O
pequeno boneco que ganha vida através das mãos do encenador responsável
pelo Teatro de Marionetas do Porto é a personagem principal de um conto popular,
adaptado para esta forma diferente de fazer teatro.
Miséria passa os dias a amassar e dar forma ao ferro. Tem por companhia,
lá no alto do lugarejo ermo onde vive, uma nogueira, que em sonhos e conversas
toma por noiva. Certa noite em que o frio era maior que o breu, bate à porta
de Miséria um santo. Perdido e esfomeado, este enviado do Divino encontra
na humilde casa quem, de boa vontade, lhe dispense aconchego e um prato de sopa.
Como agradecimento, recomenda ao ferreiro que peça o Céu, "e
este ser-te-á concedido", garante o forasteiro. Mas Miséria queria
ficar, ver a cada Primavera a sua nogueira vestir-se com novas folhas e no final
de cada Verão, colher o fruto da única coisa que tinha como sua. Miséria
não pediu o céu e na hora em que a morte lhe bateu à porta,
foi-lhe indicado o caminho do Inferno.
Nessa altura, rogou com todas as forças que tinha pela ajuda do Divino, que
lhe afastasse aquele malfadado destino de sua casa. Num ápice e como que
por magia, Miséria pede à Morte que lhe vá apanhar um noz,
um último fruto de sua árvore. A Morte, sem fazer conta, acaba por
ficar presa na nogueira e às ordens de Miséria.
O mundo transformou-se, as pessoas não partiam, as árvores não
se vestiam com novas ramagens a cada Primavera e Miséria não soltava
a Morte. Anos e anos passaram até que o ferreiro decide que a Morte pode
partir. Sob promessa de nunca mais o voltar a atormentar. Assim ganhou a alegria
que para o velho parecia eterna. Nada o poderia tirar deste mundo e era aqui que
ele gostava de estar. Só que o tempo passa e tudo o que o rodeia vai desaparecendo,
ao ponto da sua nogueira também acabar por partir. Nesses tempos Miséria
ainda apelou para que a Morte o viesse buscar, mas a promessa estava feita e enquanto
o mundo for mundo, este conhecerá sempre Miséria.
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