O Lar de S. José serve a Covilhã há mais de cem anos
Lar centenário da Covilhã
Casa de família

O Lar de S. José goza de grande prestígio na região. Brito Rocha, presidente da direcção, defende que o seu modelo de administração é um exemplo a seguir por outros, e que lhe garantiu reconhecimento junto das autoridades europeias.


Por Daniel Sousa e Silva e Carlos Borges


A história de José Luís Machado podia ser a de qualquer um dos outros 170 idosos do Lar de S. José. Natural do Porto, vem para a Covilhã na companhia da mãe que procurava trabalho na indústria de lanifícios, onde cresce, casa, e faz a sua vida. Durante 46 anos trabalhou como ajudante de motorista, o que lhe permitiu "conhecer o país de Norte a Sul". Uma actividade exercida até aos 78 anos. Mas a idade não perdoa. O octogenário, agora com 82 anos, está no Lar há três. A casa onde habitava "não tinha grandes condições, e a minha mulher também já não conseguia fazer as tarefas domésticas", conta.
Os problemas de saúde são a razão frequente de entrada para o Lar. No caso concreto de José Machado, uma queda, há cinco anos, provocou-lhe uma fractura na perna esquerda que o deixou com problemas de mobilidade. A partir dessa altura, a sua vida tornou-se difícil. De início, contou com o apoio de uma sobrinha que, mais tarde, por falta de disponibilidade, o incentivou a inscrever-se, juntamente com a mulher, no Lar de S. José. "Estava com problemas numa perna, por isso não me restou outra solução", explica o residente, sublinhando que está "muito melhor no Lar do que em casa".
Os seus dias são ocupados a ver televisão, a praticar na sala de canto, a passear no quintal ou a descansar. Gosta de compartilhar com os outros idosos o dia-a-dia na instituição. O casal vive no Lar, curiosamente, em quartos separados. A mulher passa o dia a passear pelas ruas da cidade, e só regressa ao final da tarde.
O passatempo favorito de José Machado é cantar. Aos dez anos já cantava para os seus colegas de escola. Um dote também descoberto pela família, que o apoiou no seu gosto pela música. "O passarinho" e "Menina, junta a roupa" são exemplos de músicas aprendidas da única forma que sabia: ouvia-as duas ou três vezes e memorizava-as imediatamente.
José Machado pertence ao grupo coral do Lar de S. José. O convite foi-lhe endereçado aquando de uma actividade cultural realizada pela instituição, em que participou. A sua qualidade vocal levou-o à posição de solista do grupo. Enquanto membro viajou por diversos pontos do País, em intercâmbios culturais com outros lares de idosos.




Terapia da morte

A sala de televisão é uma das formas dos idosos passarem o tempo

A cultura é um dos mecanismos de entretenimento dos idosos. A instituição desenvolve um conjunto de actividades com o objectivo de os manter ocupados. "Contamos com o grupo coral, o rancho folclórico, o grupo teatral, o de leitura e o de trabalhos manuais", afirma Jorge Marques, director técnico e psicólogo do Lar de S. José. Uma sessão semanal de cinema, a organização de jogos colectivos (cartas e dominós), e o cultivo do pequeno terreno agrícola localizado nas traseiras do Lar, constituem outros passatempos dos residentes.
Mas os idosos não têm de ficar confinados ao Lar. A instituição possui uma carrinha que proporciona, ocasionalmente, passeios à região. Unhais da Serra, Guarda, e Vilar Formoso, são exemplos de locais visitados recentemente.
No Verão, os residentes do Lar de S. José gozam de 15 dias de férias na Praia de Mira, situada na Beira Litoral. O director técnico sublinha que "os idosos têm liberdade para fazer o que quiserem". Os mais válidos podem obter licença para sair das instalações. A obtenção de licença é baseada numa análise clínica prévia do seu estado físico e psicológico realizada pelos médicos da instituição. A autorização concede-lhes a possibilidade de se ausentarem da residência das 8h às 20h. A saída leva-os ao café ou ao passeio pelas ruas da Covilhã. O psicólogo considera estas diversões como "uma das fórmulas de se ultrapassar a preocupação comum a todos os idosos: a morte".
A morte do marido de Maria Alexandra Gomes, há 8 anos, deixou-a sozinha e na iminência de uma depressão. Apesar dos seus 70 anos, continua a dar a sua colaboração no Lar. "O Dr. Rui Correia, médico permanente da instituição, convidou-me para trabalhar aqui e foi isso que me salvou", confessa. A auxiliar ajuda nos cuidados higiénicos e dá "um pouco de carinho". Na sua opinião, "a vida dos idosos é boa, porque estão bem instalados. Encontram-se pessoas que estão maravilhadas e outras a quem custa um pouco a adaptação ao meio".
A experiência de Maria Gomes contrasta com o caso de Ernestina da Conceição Fernandes, mulher de um residente, José Fernandes. A idosa, de 80 anos, deseja encontrar um lugar junto do seu marido. "Só não estou no Lar, porque não existem vagas", salienta. Apesar da sua idade, Ernestina Fernandes sente-se "jovem". A separação do marido doente, vítima de um ataque cardíaco e uma operação à próstata, fá-la sentir angustiada. A idosa esclarece que estar sozinha em casa a faz "chorar muito".
Maria Bárbara Ribeiro, residente há um ano, teve melhor sorte que Ernestina Fernandes. O seu marido, o mais recente residente, conseguiu entrar para o Lar há um mês. Antes disso esteve acamado durante seis anos em casa, a aguardar por uma vaga. Maria Ribeiro integrou-se bem no Lar e encara-o "como se fosse uma casa de família".





Entrada para o Lar


O Lar só admite a entrada de idosos que manifestem pessoalmente a sua vontade. Uma das duas assistentes sociais da instituição, Maria Helena Santos, reitera a ideia de que "nunca é simplesmente por vontade dos filhos ou outros familiares" que se aceita o pedido de ingresso. O primeiro passo a dar-se é a inscrição do próprio interessado ou familiar junto do Lar. "Preenche-se um boletim de inquérito onde são feitas várias perguntas sobre a vida familiar, a condição habitacional e o estado clínico do candidato", informa a assistente social.
Os casos de idosos com problemas sociais graves têm um tratamento de admissão diferente. A casa toma conhecimento desses casos através de alertas de pessoas ligadas a entidades religiosas, como a Conferência de S. Vicente Paulo da Covilhã. Ao longo dos seus 17 anos no Lar, Maria Helena Santos já presenciou "situações desumanas de pessoas a viverem como animais, sem as mínimas condições de higiene". Nesta circunstância, as pessoas não contam com o apoio de familiares próximos. A sua sobrevivência depende, quase sempre, da caridade de vizinhos, "porque não há ninguém que as oriente", realça a assistente social.
Na opinião de José Luís Brito Rocha, presidente da direcção do Lar de S. José, "há famílias que procuram segurar o idoso em casa até uma altura completamente degradante, do ponto de vista físico e humano". A razão apontada para tal atitude é "a reforma do idoso contribuir para o sustento da família. Só querem instalá-lo no Lar quando o seu estado físico já se encontra muito debilitado." O presidente lamenta o facto de algumas pessoas "verem o Lar como um caixote do lixo".
As pessoas que têm familiares, ao contrário dos casos de abandono, vêem a ida para o Lar como uma satisfação. Maria Helena Santos sustenta que "os laços familiares continuam fortes e os filhos sentem-se mais descansados ao saber que os pais não estão sozinhos em casa e têm acompanhamento médico diário".




"Aqui nã há solidão"

O Lar conta com o apoio permanente de duas enfermeiras

A adaptação do idoso ao Lar nem sempre é fácil. "Não conseguem conciliar a sua estadia na instituição com a sua vida anterior. Estão sempre a pensar no passado. Normalmente, procuram o Lar porque as famílias já não têm disponibilidade para tomar conta deles. Acabam por ficar sós. Ao chegarem aqui, a solidão desaparece", comenta o psicólogo, Jorge Marques. Brito Rocha, presidente da direcção, pensa que "as pessoas se preocupam muito com o futuro dos seus filhos, o que é legítimo, mas frequentemente, negligenciam o futuro dos seus pais".
O período de adaptação dura cerca de um mês. Jorge Marques observa que, durante esse tempo, "o sentimento de desamparo em relação à família é maior, pois fica a pensar que o 'deposita' no Lar". A sensação de abandono começa a desaparecer gradualmente. "Eles começam a criar relações de afecto com outros moradores e com os funcionários", informa o director técnico. No final do período de adaptação, "o idoso acaba por considerar o Lar como a sua casa", acrescenta.
O Lar tem uma boa taxa de visitas, mas nem sempre foi assim. Jorge Marques chegou ao seu cargo há três anos e, na altura, "havia muitas famílias que simplesmente não vinham visitar os seus idosos, mas com um grande esforço conseguiu-se colmatar a situação". A mobilização das famílias foi feita de forma pouco ortodoxa. O director técnico telefonou pessoalmente às famílias, exigindo visitas aos idosos e deparou-se, muitas vezes, com desculpas rebuscadas e até insultos. O seu empenho concretizou-se num aumento considerável de visitas. "Agora visitam habitualmente, uma vez por semana", diz Jorge Marques, com a sensação de dever cumprido.
Contudo, Brito Rocha ressalva que "às vezes, os familiares abandonam os idosos e nunca mais vão visitá-los".





"O Lar não é um hospital de retaguarda"

Mais de 50 por cento dos residentes do Lar estão acamados. "A maior parte dos idosos entrou ainda válida e depois quando ficam acamados somos obrigados a mantê-los, porque não existe na região um hospital de retaguarda que os possa acolher", lamenta Jorge Marques.
"Existe uma ideia errada acerca do Lar", comenta Brito Rocha, para quem o Lar de S. José é "uma instituição de residência e não de acamados". O seu objectivo sempre foi que "as pessoas entrassem ainda capazes de conviver e inclusive trabalhar".
Os idosos acamados estão instalados no último andar, separados dos restantes residentes. O lar é constituído por três andares e os idosos são instalados mediante o seu grau de validez.
"O Lar de S. José é muito grande, já não se fazem lares com estas dimensões", reconhece Maria Helena Silva. A existência de mais lares na região é defendida por Brito Rocha. Tanto a assistente social como o presidente da direcção são da opinião que o lar ideal deverá acolher apenas 60 pessoas, para haver "uma assistência mais personalizada e um ambiente familiar".
A equipa actual de funcionários é composta por 98 pessoas, distribuída por várias funções. A maioria ocupa-se do supervisionamento e higiene pessoal dos idosos. A assistência médica conta o apoio de três médicos, quatro enfermeiros, um fisioterapeuta, uma médica dietista e um psicólogo. Para além de duas assistentes sociais, que fazem parte do quadro, tem ainda como colaboradores um advogado, um padre, um cabeleireiro e um barbeiro.
"É necessário que existam bons colaboradores permanentes no Lar. A instituição tem os seus sectores diferenciados e a administração da casa não dá muito trabalho, porque está de boa saúde económica". Quem o diz é Brito Rocha, para quem o Lar "não procura o lucro, o seu objectivo é gastar sempre em benefício dos residentes". Durante 24 anos à frente da instituição como presidente da direcção conseguiu reestruturar o Lar de S. José e torná-lo uma Instituição de Solidariedade Social. O estatuto alcançado garantiu-lhe o direito ao subsídio proveniente da Segurança Social. "Esse apoio é suficiente para pagar 12 meses de vencimentos", conclui Brito Rocha.
O Lar de S. José foi inspeccionado várias vezes este ano e Brito Rocha congratula-se em dizer que "a sua certificação foi tão elevada que lhe deu prioridade no acesso a fundos comunitários", canalizados através do "Plano Avô", projecto europeu de ajuda à 3ª idade.
A instituição fez uma grande aposta em melhoramentos logísticos nos últimos dois anos. "Continuar a melhorar as instalações e finalizar a construção do centro de convívio" são, nas palavras do presidente da direcção, os projectos futuros do Lar.
O centro de convívio vai possuir bar, salão de convívio e jardim, pretendendo ser um espaço de encontro. Embora a data de abertura ainda não esteja prevista, os idosos vão poder usá-lo para conviverem com os seus colegas da zona da Estação e também receber as visitas dos familiares.






Os idosos gostam de ficar em casa



O Lar de S. José presta apoio domiciliário a 49 famílias do concelho da Covilhã. O serviço consiste na entrega de alimentação e higiene pessoal e habitacional. "Trata-se de uma actividade de valência autónoma da prestada no Lar ao nível de internamento", frisa Jorge Marques, sublinhando que o serviço é destinado a idosos que têm uma vida independente, mas já não conseguem realizar as tarefas domésticas, como cozinhar, lavar a roupa, e tratar da sua higiene pessoal.
Adelaide Silva Roberto e Zélia Pinto são uma das duas equipas a prestar apoio domiciliário. "Nós somos a família de muitas das pessoas", comentam. É um trabalho emocional. "Os idosos ficam ansiosos com as visitas, porque gostam da nossa companhia", diz Zélia Pinto. O convívio diário leva as funcionárias a sentir "o desespero e a solidão" dos idosos.
A solução apontada por Maria Helena Santos, assistente social do Lar, para a ajuda ao grande número de idosos em Portugal "seria o apoio domiciliário 24 horas por dia, porque manteria os idosos no seu meio natural".