A história de José Luís Machado
podia ser a de qualquer um dos outros 170 idosos do Lar de S. José. Natural
do Porto, vem para a Covilhã na companhia da mãe que procurava trabalho
na indústria de lanifícios, onde cresce, casa, e faz a sua vida. Durante
46 anos trabalhou como ajudante de motorista, o que lhe permitiu "conhecer
o país de Norte a Sul". Uma actividade exercida até aos 78 anos.
Mas a idade não perdoa. O octogenário, agora com 82 anos, está
no Lar há três. A casa onde habitava "não tinha grandes
condições, e a minha mulher também já não conseguia
fazer as tarefas domésticas", conta.
Os problemas de saúde são a razão frequente de entrada para
o Lar. No caso concreto de José Machado, uma queda, há cinco anos,
provocou-lhe uma fractura na perna esquerda que o deixou com problemas de mobilidade.
A partir dessa altura, a sua vida tornou-se difícil. De início, contou
com o apoio de uma sobrinha que, mais tarde, por falta de disponibilidade, o incentivou
a inscrever-se, juntamente com a mulher, no Lar de S. José. "Estava
com problemas numa perna, por isso não me restou outra solução",
explica o residente, sublinhando que está "muito melhor no Lar do que
em casa".
Os seus dias são ocupados a ver televisão, a praticar na sala de canto,
a passear no quintal ou a descansar. Gosta de compartilhar com os outros idosos
o dia-a-dia na instituição. O casal vive no Lar, curiosamente, em
quartos separados. A mulher passa o dia a passear pelas ruas da cidade, e só
regressa ao final da tarde.
O passatempo favorito de José Machado é cantar. Aos dez anos já
cantava para os seus colegas de escola. Um dote também descoberto pela família,
que o apoiou no seu gosto pela música. "O passarinho" e "Menina,
junta a roupa" são exemplos de músicas aprendidas da única
forma que sabia: ouvia-as duas ou três vezes e memorizava-as imediatamente.
José Machado pertence ao grupo coral do Lar de S. José. O convite
foi-lhe endereçado aquando de uma actividade cultural realizada pela instituição,
em que participou. A sua qualidade vocal levou-o à posição
de solista do grupo. Enquanto membro viajou por diversos pontos do País,
em intercâmbios culturais com outros lares de idosos.
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A sala de televisão é uma das formas dos idosos passarem o
tempo
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A cultura é um dos mecanismos de entretenimento dos idosos. A instituição
desenvolve um conjunto de actividades com o objectivo de os manter ocupados. "Contamos
com o grupo coral, o rancho folclórico, o grupo teatral, o de leitura e
o de trabalhos manuais", afirma Jorge Marques, director técnico e
psicólogo do Lar de S. José. Uma sessão semanal de cinema,
a organização de jogos colectivos (cartas e dominós), e o
cultivo do pequeno terreno agrícola localizado nas traseiras do Lar, constituem
outros passatempos dos residentes.
Mas os idosos não têm de ficar confinados ao Lar. A instituição
possui uma carrinha que proporciona, ocasionalmente, passeios à região.
Unhais da Serra, Guarda, e Vilar Formoso, são exemplos de locais visitados
recentemente.
No Verão, os residentes do Lar de S. José gozam de 15 dias de férias
na Praia de Mira, situada na Beira Litoral. O director técnico sublinha
que "os idosos têm liberdade para fazer o que quiserem". Os mais
válidos podem obter licença para sair das instalações.
A obtenção de licença é baseada numa análise
clínica prévia do seu estado físico e psicológico
realizada pelos médicos da instituição. A autorização
concede-lhes a possibilidade de se ausentarem da residência das 8h às
20h. A saída leva-os ao café ou ao passeio pelas ruas da Covilhã.
O psicólogo considera estas diversões como "uma das fórmulas
de se ultrapassar a preocupação comum a todos os idosos: a morte".
A morte do marido de Maria Alexandra Gomes, há 8 anos, deixou-a sozinha
e na iminência de uma depressão. Apesar dos seus 70 anos, continua
a dar a sua colaboração no Lar. "O Dr. Rui Correia, médico
permanente da instituição, convidou-me para trabalhar aqui e foi
isso que me salvou", confessa. A auxiliar ajuda nos cuidados higiénicos
e dá "um pouco de carinho". Na sua opinião, "a vida
dos idosos é boa, porque estão bem instalados. Encontram-se pessoas
que estão maravilhadas e outras a quem custa um pouco a adaptação
ao meio".
A experiência de Maria Gomes contrasta com o caso de Ernestina da Conceição
Fernandes, mulher de um residente, José Fernandes. A idosa, de 80 anos,
deseja encontrar um lugar junto do seu marido. "Só não estou
no Lar, porque não existem vagas", salienta. Apesar da sua idade,
Ernestina Fernandes sente-se "jovem". A separação do marido
doente, vítima de um ataque cardíaco e uma operação
à próstata, fá-la sentir angustiada. A idosa esclarece que
estar sozinha em casa a faz "chorar muito".
Maria Bárbara Ribeiro, residente há um ano, teve melhor sorte que
Ernestina Fernandes. O seu marido, o mais recente residente, conseguiu entrar
para o Lar há um mês. Antes disso esteve acamado durante seis anos
em casa, a aguardar por uma vaga. Maria Ribeiro integrou-se bem no Lar e encara-o
"como se fosse uma casa de família".
Jorge Marques faz pessoalmente a selecção de novas entradas
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Entrada para o Lar
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O Lar só admite a entrada de idosos que manifestem pessoalmente a sua vontade.
Uma das duas assistentes sociais da instituição, Maria Helena Santos,
reitera a ideia de que "nunca é simplesmente por vontade dos filhos
ou outros familiares" que se aceita o pedido de ingresso. O primeiro passo
a dar-se é a inscrição do próprio interessado ou familiar
junto do Lar. "Preenche-se um boletim de inquérito onde são feitas
várias perguntas sobre a vida familiar, a condição habitacional
e o estado clínico do candidato", informa a assistente social.
Os casos de idosos com problemas sociais graves têm um tratamento de admissão
diferente. A casa toma conhecimento desses casos através de alertas de pessoas
ligadas a entidades religiosas, como a Conferência de S. Vicente Paulo da
Covilhã. Ao longo dos seus 17 anos no Lar, Maria Helena Santos já
presenciou "situações desumanas de pessoas a viverem como animais,
sem as mínimas condições de higiene". Nesta circunstância,
as pessoas não contam com o apoio de familiares próximos. A sua sobrevivência
depende, quase sempre, da caridade de vizinhos, "porque não há
ninguém que as oriente", realça a assistente social.
Na opinião de José Luís Brito Rocha, presidente da direcção
do Lar de S. José, "há famílias que procuram segurar o
idoso em casa até uma altura completamente degradante, do ponto de vista
físico e humano". A razão apontada para tal atitude é
"a reforma do idoso contribuir para o sustento da família. Só
querem instalá-lo no Lar quando o seu estado físico já se encontra
muito debilitado." O presidente lamenta o facto de algumas pessoas "verem
o Lar como um caixote do lixo".
As pessoas que têm familiares, ao contrário dos casos de abandono,
vêem a ida para o Lar como uma satisfação. Maria Helena Santos
sustenta que "os laços familiares continuam fortes e os filhos sentem-se
mais descansados ao saber que os pais não estão sozinhos em casa e
têm acompanhamento médico diário".
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O Lar conta com o apoio permanente de duas enfermeiras
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A adaptação do idoso ao Lar nem sempre é fácil. "Não
conseguem conciliar a sua estadia na instituição com a sua vida anterior.
Estão sempre a pensar no passado. Normalmente, procuram o Lar porque as famílias
já não têm disponibilidade para tomar conta deles. Acabam por
ficar sós. Ao chegarem aqui, a solidão desaparece", comenta o
psicólogo, Jorge Marques. Brito Rocha, presidente da direcção,
pensa que "as pessoas se preocupam muito com o futuro dos seus filhos, o que
é legítimo, mas frequentemente, negligenciam o futuro dos seus pais".
O período de adaptação dura cerca de um mês. Jorge Marques
observa que, durante esse tempo, "o sentimento de desamparo em relação
à família é maior, pois fica a pensar que o 'deposita' no Lar".
A sensação de abandono começa a desaparecer gradualmente. "Eles
começam a criar relações de afecto com outros moradores e com
os funcionários", informa o director técnico. No final do período
de adaptação, "o idoso acaba por considerar o Lar como a sua
casa", acrescenta.
O Lar tem uma boa taxa de visitas, mas nem sempre foi assim. Jorge Marques chegou
ao seu cargo há três anos e, na altura, "havia muitas famílias
que simplesmente não vinham visitar os seus idosos, mas com um grande esforço
conseguiu-se colmatar a situação". A mobilização
das famílias foi feita de forma pouco ortodoxa. O director técnico
telefonou pessoalmente às famílias, exigindo visitas aos idosos e
deparou-se, muitas vezes, com desculpas rebuscadas e até insultos. O seu
empenho concretizou-se num aumento considerável de visitas. "Agora visitam
habitualmente, uma vez por semana", diz Jorge Marques, com a sensação
de dever cumprido.
Contudo, Brito Rocha ressalva que "às vezes, os familiares abandonam
os idosos e nunca mais vão visitá-los".
A sala de refeições é uma das mais-valias em termos
de espaço
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"O Lar não é um hospital de retaguarda"
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Mais de 50 por cento dos residentes do Lar estão acamados. "A maior
parte dos idosos entrou ainda válida e depois quando ficam acamados somos
obrigados a mantê-los, porque não existe na região um hospital
de retaguarda que os possa acolher", lamenta Jorge Marques.
"Existe uma ideia errada acerca do Lar", comenta Brito Rocha, para quem
o Lar de S. José é "uma instituição de residência
e não de acamados". O seu objectivo sempre foi que "as pessoas
entrassem ainda capazes de conviver e inclusive trabalhar".
Os idosos acamados estão instalados no último andar, separados dos
restantes residentes. O lar é constituído por três andares e
os idosos são instalados mediante o seu grau de validez.
"O Lar de S. José é muito grande, já não se fazem
lares com estas dimensões", reconhece Maria Helena Silva. A existência
de mais lares na região é defendida por Brito Rocha. Tanto a assistente
social como o presidente da direcção são da opinião
que o lar ideal deverá acolher apenas 60 pessoas, para haver "uma assistência
mais personalizada e um ambiente familiar".
A equipa actual de funcionários é composta por 98 pessoas, distribuída
por várias funções. A maioria ocupa-se do supervisionamento
e higiene pessoal dos idosos. A assistência médica conta o apoio de
três médicos, quatro enfermeiros, um fisioterapeuta, uma médica
dietista e um psicólogo. Para além de duas assistentes sociais, que
fazem parte do quadro, tem ainda como colaboradores um advogado, um padre, um cabeleireiro
e um barbeiro.
"É necessário que existam bons colaboradores permanentes no Lar.
A instituição tem os seus sectores diferenciados e a administração
da casa não dá muito trabalho, porque está de boa saúde
económica". Quem o diz é Brito Rocha, para quem o Lar "não
procura o lucro, o seu objectivo é gastar sempre em benefício dos
residentes". Durante 24 anos à frente da instituição como
presidente da direcção conseguiu reestruturar o Lar de S. José
e torná-lo uma Instituição de Solidariedade Social. O estatuto
alcançado garantiu-lhe o direito ao subsídio proveniente da Segurança
Social. "Esse apoio é suficiente para pagar 12 meses de vencimentos",
conclui Brito Rocha.
O Lar de S. José foi inspeccionado várias vezes este ano e Brito Rocha
congratula-se em dizer que "a sua certificação foi tão
elevada que lhe deu prioridade no acesso a fundos comunitários", canalizados
através do "Plano Avô", projecto europeu de ajuda à
3ª idade.
A instituição fez uma grande aposta em melhoramentos logísticos
nos últimos dois anos. "Continuar a melhorar as instalações
e finalizar a construção do centro de convívio" são,
nas palavras do presidente da direcção, os projectos futuros do Lar.
O centro de convívio vai possuir bar, salão de convívio e jardim,
pretendendo ser um espaço de encontro. Embora a data de abertura ainda não
esteja prevista, os idosos vão poder usá-lo para conviverem com os
seus colegas da zona da Estação e também receber as visitas
dos familiares.
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Os idosos gostam de ficar em casa
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O Lar de S. José presta apoio domiciliário a 49 famílias
do concelho da Covilhã. O serviço consiste na entrega
de alimentação e higiene pessoal e habitacional. "Trata-se
de uma actividade de valência autónoma da prestada
no Lar ao nível de internamento", frisa Jorge Marques,
sublinhando que o serviço é destinado a idosos que
têm uma vida independente, mas já não conseguem
realizar as tarefas domésticas, como cozinhar, lavar a roupa,
e tratar da sua higiene pessoal.
Adelaide Silva Roberto e Zélia Pinto são uma das duas
equipas a prestar apoio domiciliário. "Nós somos
a família de muitas das pessoas", comentam. É
um trabalho emocional. "Os idosos ficam ansiosos com as visitas,
porque gostam da nossa companhia", diz Zélia Pinto.
O convívio diário leva as funcionárias a sentir
"o desespero e a solidão" dos idosos.
A solução apontada por Maria Helena Santos, assistente
social do Lar, para a ajuda ao grande número de idosos em
Portugal "seria o apoio domiciliário 24 horas por dia,
porque manteria os idosos no seu meio natural".
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