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Os incentivos e as instituições
Desde Coase (1960) que a influencia dos sistemas de incentivos no desenvolvimento
das economias e das sociedades se tornou extremamente relevante para a ciência
económica. Este autor desenvolve duas teorias que justificam o Prémio
Nobel atribuído em 1991: a teoria dos custos de transação
e a teoria dos direitos de propriedade que responde à seguinte questão:
O que leva os indivíduos e as empresas a investir? Nesta linha, e apenas
dois anos depois, também Douglas North ganhou o mesmo prémio. A
sua investigação sustenta que a estrutura de incentivos de uma sociedade
determina a extensão do investimento nos factores produtivos (North, 1994)**
. Por exemplo, estudos recentes mostram que se a Inglaterra não tivesse
um conjunto de incentivos bem definidos (constituição, leis, direitos
de propriedade, condições de vida) no século XVIII, a Revolução
Industrial poderia ter sido adiada por mais 300 anos e poderia muito bem não
ter acontecido naquele país. Pensa-se mesmo que a diferença de rendimento
que separa os países ricos dos países pobres se deve em grande parte
às diferenças entre as estruturas de incentivos, que em muitos casos
herdaram das instituições dos países colonizadores ou mesmo
das condições naturais. Muitos países têm uma grande
percentagem dos seus recursos afectos à economia subterrânea porque
têm a estrutura de incentivos mal definida. Em 1995 calculava-se que 9%
da produção dos EUA vinha da economia paralela ou subterrânea
e mais de 60% da produção do Peru e da Nigéria provinham
de actividades não declaradas. Claramente que os EUA têm uma estrutura
de incentivos desenhada de tal forma que leva os indivíduos e as empresas
a declararem as suas actividades enquanto que o Peru ou a Nigéria incentivam
os agentes económicos a operarem "na sombra". Com isto, os EUA
conseguem ser o país mais rico do mundo e a Nigéria e o Peru estão
entre os mais pobres.
Que lições podemos hoje retirar destas teorias para a nossa economia,
as nossas empresas e organizações? Que os direitos de propriedade
devem estar bem definidos em todos os campos, que as leis, as regras e os regulamentos
devem ser claros, iguais para todos e devem incentivar os indivíduos e
as empresas a produzir cada vez mais e melhor. Não é necessário
dizer que Portugal tem uma baixa produtividade se não se fizerem reformas
na estrutura de incentivos. Os resultados de um país dependem dos incentivos
que as empresas enfrentarem. Se uma empresa correr um risco (nem que seja mínimo)
de ser expropriada (há vários tipos de expropriação
indirecta, como, por exemplo, a inflação) ou não tiver trabalhadores
produtivos não investirá num determinado país. Por outro
lado, os trabalhadores não serão produtivos se a estrutura de incentivos
não contemplar as recompensas ao resultado do esforço. Se simultaneamente
conviverem num mesmo departamento trabalhadores pouco e muito produtivos sem que
estes sejam recompensados e aqueles punidos, a única solução
de longo prazo é que todos sejam pouco produtivos. É a racionalidade
económica a funcionar! Se o retorno não depender do esforço,
então o esforço será baixo!
Vejamos este mecanismo em funcionamento com dois exemplos.
(1) Uma empresa depende de quotas governamentais para vender o seu produto (imagine
litros de leite). Se as quotas forem todos os anos atribuídas de acordo
com critérios bem definidos (por exemplo, inspecções de higiene
e segurança, produtividade do ano anterior, análises químicas
ao leite, etc.), essa empresa tem incentivo em investir em qualidade e quantidade.
Mas se por outro lado essas quotas forem todos os anos sujeitas a um processo
de atribuição pouco claro (incluindo subornos a funcionários
das agências reguladoras), a empresa dedicará todos os seus recursos
a "convencer" os referidos funcionários a dar pareceres favoráveis
à sua produção, descurando critérios de produtividade.
(2) Uma média empresa de consultoria tem dois directores financeiros com
o mesmo grau académico a auferir o mesmo salário, um mais talentoso
(ou mais empenhado!) que outro. Se a empresa não define um sistema de incentivos
e punições que exija dos dois o mesmo rendimento, independentemente
das capacidades, talentos, empenho ou esforço de cada um, a solução
racional de longo-prazo será sempre que o mais talentoso procurará
outro emprego ou diminuirá o seu esforço e o menos talentoso continuará
no mesmo nível de esforço, reduzindo portanto o produto potencial
da empresa ou da organização.
Estes dois exemplos são suficientemente claros para perceber que esta questão
da ciência económica se aplica a inúmeros casos da nossa vida
quotidiana e, se pensarmos bem, podem estar mesmo ao nosso lado!
Está provado que melhorar os sistemas de incentivos das nossas instituições
e do nosso país melhora a riqueza e o bem-estar de todos! Então,
impõe-se uma última questão: se todos ficam melhor porque
ainda existem maus sistemas de incentivos? A resposta é muito simples.
Porque interessa apenas a alguns: o bem-estar (utilidade) de uns em detrimento
do bem-estar de todos!!
** A lição do Prémio Nobel foi reproduzida no artigo "Economic
Performance Through Time", American Economic Review, em Junho de 1994.
*Docente no DGE-UBI, Doutorando na FE-UNL
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