Francisco Paiva*

UniverCidade



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A pretexto da renovação urbana da coimbrã Rua da Sofia, tem sido desenvolvido iniciativas de esclarecimento e debate público de estratégias com amplitude pluridisciplinar inusitada entre nós. A importância de tão invulgar e louvável iniciativa é proporcional à miopia e silêncio dos media sobre o assunto. A conferência internacional sobre a Baixa, decorrida no princípio de Maio, cuja tónica no aspecto patrimonial desta área de Coimbra, em virtude da sua obsolescência e da necessidade de ser bordeada ou atravessada pelo metropolitano de superfície inaugurou o processo. Porém, a espoleta do presente texto foi o Seminário Internacional CidadeSofia, que abordou problemas de dez outras cidades.
Estando em causa aspectos atinentes a qualquer cidade universitária, e dado estes assumirem especial relevo na Covilhã, destacamos alguns aspectos remanescentes daquele fórum.

1. Os planos
Em confronto com o aspecto legalista e normativo da urbanística sem desenho, poder-se-á abordar a cidade de várias perspectivas: como objecto formal, em sentido museológico e patrimonial; permanente diálogo entre o contemporâneo e o passado; somatório de factos sociais; resultado de dinâmicas económicas; consequência do incremento de tecnologias e meios de comunicação ou, ainda, à luz da dicotomia entre espaço de circulação viária e espaço público de permanência e encontro. Antes da morfologia (forma urbis) está a concepção dos programas de uso, para cuja elaboração deve ser convocada a população. Todos sabemos que os períodos de discussão dos planos são pouco participados, a comunidade não exige esclarecimentos admitindo, com ou sem razão, que a ignorância aproveitará a alguém. A distância burocrática demove-nos. Só é justo reivindicar mais autonomia municipal se acompanhada de auto-responsabilização, proveniente do empenhamento das comunidades nas instâncias de poder. A essência da democracia exige que o povo não seja visto pelos partidos políticos como o demo. A lógica centralista de gabinete patente na gestão do Polis não resulta. Os instrumentos de gestão do território são insuficientes e as parcerias entre diversas entidades (públicas e/ou privadas) parecem-nos a via essencial para conciliar interesses, conceitos e modelos.

2. Autarquia/Universidade
A Universidade da Beira Interior (UBI) possui uma história singular: a sua génese foi um gesto interior à cidade e a sua expansão tem sido determinante para o lugar que a região hoje reclama. Os edifícios universitários actualmente existentes representam um assinalável esforço de recuperação da memória edificada da Covilhã. Mesmo quando fez ex novo, a UBI primou pela qualidade e criou património.
No que à relação entre a Universidade e a Autarquia respeita, será determinante saber o que uma pensa e quer da outra já que, além do particular simbolismo da presença física dos vários pólos da UBI na área urbana consolidada, a localização prevista para alguns edifícios pode trazer uma lógica extensão da vida urbana extra-muros. A cidade precisa de um plano estratégico com horizonte temporal alargado consentâneo com a progressiva conotação com um centro produtor e difusor de conhecimento.
A diversidade funcional é vantajosa e indutora de coesão social. Daí que, no que diz respeito ao pólo das Ciências da Saúde, apelemos a um pressuposto básico: haja por detrás da localização daquele grande "colégio" uma vontade de fazer cidade. Comparando com a experiência das suas congéneres, a Universidade deve analisar em que medida a disseminação de campus pela periferia será conveniente à desejável intensificação vivencial pedestre da cidade. Em todo o caso, espera-se um lúcido sentido estratégico na excentricidade da Faculdade de Medicina, compensador da aridez da envolvente e que permita aos seus alunos a não despicienda integração nas actividades académicas e cívicas complementares ao labor. Será prudente assegurar com antecedência a cobertura dessa área com transportes públicos frequentes (há alunos sem automóvel).
A cidade deve expandir-se em rede, com diversos pontos nodais na região. Alargando o universo de utilizadores dos serviços universitários além dos residentes no "burgo". O potencial científico da UBI constitui um factor de impulso às práticas produtivas, determinante no contexto de competição actual.

3. A cidade e a região
É prioritário que a Covilhã assuma a escala de cidade média , aproveite as oportunidades que daí decorrem e compreenda os novos problemas, de cuja resolução não pode arredar-se o sentido estratégico que permite retornos. Reconfigurar esta cidade pressupõe perceber as implicações do afluxo de população gerado pela UBI, na demanda de alojamento mas também na exigência de eficientes serviços e meios de transporte.
Portugal é pródigo na criação de instrumentos de intervenção nas zonas históricas, porém, as pessoas vivem em áreas disseminadas, monofuncionais, dependentes de deslocações pendulares para o cumprimento das suas obrigações e satisfação dos desejos de participação cívica.
O campo estiola. A cintura verde está a transformar-se em resíduo entre cercas e condomínios e a protecção do meio ambiente tornou-se o drama dos proprietários. A especulação fundiária compensa o parco financiamento das autarquias.
À ignara erecção dos dez estádios corresponda, nas regiões que felizmente não os tiveram, uma cadeia de equipamentos para produção e difusão de cultura, potenciadores de turismo qualificado.

4. Futuro
Insistimos na necessidade de mapear o futuro, compreendendo os requisitos dos serviços, de transporte e de habitação contemporânea para trabalhadores progressivamente diferenciados, especializados e qualificados.
É em grande medida da qualidade do ambiente urbano que depende a permanência e fixação de quadros. Estes são essenciais para a elevação da participação cívica e devem ser convocados, não só a pronunciarem-se sobre as soluções e projectos da edilidade mas a apresentarem propostas; a Covilhã não pode desconsiderar as elites. É conveniente perceber que neste domínio o secretismo não colhe.
Rareiam os princípios de ordem na ocupação do espaço, na localização e distribuição dos equipamentos. A beleza de uma cidade é um dos principais atractivos de investimento e, consequentemente, de qualidade de vida. O contexto instrui!
A máquina urbana contemporânea não admite soluções voluntaristas, antes exige sã e informada cooperação institucional na definição de estratégias para os aspectos enunciados. Será conveniente pensarmos em fazer bem, dada a escassez de recursos e a implacável lógica da concorrência.

P.S.
No lugar da iminente Rotunda do Rato propomos uma Ágora.

*fpaiva@alpha4.ubi.pt