|
UniverCidade
0.
A pretexto da renovação urbana da coimbrã Rua da Sofia, tem
sido desenvolvido iniciativas de esclarecimento e debate público de estratégias
com amplitude pluridisciplinar inusitada entre nós. A importância
de tão invulgar e louvável iniciativa é proporcional à
miopia e silêncio dos media sobre o assunto. A conferência internacional
sobre a Baixa, decorrida no princípio de Maio, cuja tónica no aspecto
patrimonial desta área de Coimbra, em virtude da sua obsolescência
e da necessidade de ser bordeada ou atravessada pelo metropolitano de superfície
inaugurou o processo. Porém, a espoleta do presente texto foi o Seminário
Internacional CidadeSofia, que abordou problemas de dez outras cidades.
Estando em causa aspectos atinentes a qualquer cidade universitária, e
dado estes assumirem especial relevo na Covilhã, destacamos alguns aspectos
remanescentes daquele fórum.
1. Os planos
Em confronto com o aspecto legalista e normativo da urbanística sem desenho,
poder-se-á abordar a cidade de várias perspectivas: como objecto
formal, em sentido museológico e patrimonial; permanente diálogo
entre o contemporâneo e o passado; somatório de factos sociais; resultado
de dinâmicas económicas; consequência do incremento de tecnologias
e meios de comunicação ou, ainda, à luz da dicotomia entre
espaço de circulação viária e espaço público
de permanência e encontro. Antes da morfologia (forma urbis) está
a concepção dos programas de uso, para cuja elaboração
deve ser convocada a população. Todos sabemos que os períodos
de discussão dos planos são pouco participados, a comunidade não
exige esclarecimentos admitindo, com ou sem razão, que a ignorância
aproveitará a alguém. A distância burocrática demove-nos.
Só é justo reivindicar mais autonomia municipal se acompanhada de
auto-responsabilização, proveniente do empenhamento das comunidades
nas instâncias de poder. A essência da democracia exige que o povo
não seja visto pelos partidos políticos como o demo. A lógica
centralista de gabinete patente na gestão do Polis não resulta.
Os instrumentos de gestão do território são insuficientes
e as parcerias entre diversas entidades (públicas e/ou privadas) parecem-nos
a via essencial para conciliar interesses, conceitos e modelos.
2. Autarquia/Universidade
A Universidade da Beira Interior (UBI) possui uma história singular: a
sua génese foi um gesto interior à cidade e a sua expansão
tem sido determinante para o lugar que a região hoje reclama. Os edifícios
universitários actualmente existentes representam um assinalável
esforço de recuperação da memória edificada da Covilhã.
Mesmo quando fez ex novo, a UBI primou pela qualidade e criou património.
No que à relação entre a Universidade e a Autarquia respeita,
será determinante saber o que uma pensa e quer da outra já que,
além do particular simbolismo da presença física dos vários
pólos da UBI na área urbana consolidada, a localização
prevista para alguns edifícios pode trazer uma lógica extensão
da vida urbana extra-muros. A cidade precisa de um plano estratégico com
horizonte temporal alargado consentâneo com a progressiva conotação
com um centro produtor e difusor de conhecimento.
A diversidade funcional é vantajosa e indutora de coesão social.
Daí que, no que diz respeito ao pólo das Ciências da Saúde,
apelemos a um pressuposto básico: haja por detrás da localização
daquele grande "colégio" uma vontade de fazer cidade. Comparando
com a experiência das suas congéneres, a Universidade deve analisar
em que medida a disseminação de campus pela periferia será
conveniente à desejável intensificação vivencial pedestre
da cidade. Em todo o caso, espera-se um lúcido sentido estratégico
na excentricidade da Faculdade de Medicina, compensador da aridez da envolvente
e que permita aos seus alunos a não despicienda integração
nas actividades académicas e cívicas complementares ao labor. Será
prudente assegurar com antecedência a cobertura dessa área com transportes
públicos frequentes (há alunos sem automóvel).
A cidade deve expandir-se em rede, com diversos pontos nodais na região.
Alargando o universo de utilizadores dos serviços universitários
além dos residentes no "burgo". O potencial científico
da UBI constitui um factor de impulso às práticas produtivas, determinante
no contexto de competição actual.
3. A cidade e a região
É prioritário que a Covilhã assuma a escala de cidade média
, aproveite as oportunidades que daí decorrem e compreenda os novos problemas,
de cuja resolução não pode arredar-se o sentido estratégico
que permite retornos. Reconfigurar esta cidade pressupõe perceber as implicações
do afluxo de população gerado pela UBI, na demanda de alojamento
mas também na exigência de eficientes serviços e meios de
transporte.
Portugal é pródigo na criação de instrumentos de intervenção
nas zonas históricas, porém, as pessoas vivem em áreas disseminadas,
monofuncionais, dependentes de deslocações pendulares para o cumprimento
das suas obrigações e satisfação dos desejos de participação
cívica.
O campo estiola. A cintura verde está a transformar-se em resíduo
entre cercas e condomínios e a protecção do meio ambiente
tornou-se o drama dos proprietários. A especulação fundiária
compensa o parco financiamento das autarquias.
À ignara erecção dos dez estádios corresponda, nas
regiões que felizmente não os tiveram, uma cadeia de equipamentos
para produção e difusão de cultura, potenciadores de turismo
qualificado.
4. Futuro
Insistimos na necessidade de mapear o futuro, compreendendo os requisitos dos
serviços, de transporte e de habitação contemporânea
para trabalhadores progressivamente diferenciados, especializados e qualificados.
É em grande medida da qualidade do ambiente urbano que depende a permanência
e fixação de quadros. Estes são essenciais para a elevação
da participação cívica e devem ser convocados, não
só a pronunciarem-se sobre as soluções e projectos da edilidade
mas a apresentarem propostas; a Covilhã não pode desconsiderar as
elites. É conveniente perceber que neste domínio o secretismo não
colhe.
Rareiam os princípios de ordem na ocupação do espaço,
na localização e distribuição dos equipamentos. A
beleza de uma cidade é um dos principais atractivos de investimento e,
consequentemente, de qualidade de vida. O contexto instrui!
A máquina urbana contemporânea não admite soluções
voluntaristas, antes exige sã e informada cooperação institucional
na definição de estratégias para os aspectos enunciados.
Será conveniente pensarmos em fazer bem, dada a escassez de recursos e
a implacável lógica da concorrência.
P.S.
No lugar da iminente Rotunda do Rato propomos uma Ágora.
*fpaiva@alpha4.ubi.pt
|