Lua escaldante
de
Mempo Giardinelli
Por Daniel Sousa e Silva
"Sabia que ia acontecer; soube-o assim que a viu.
Há muitos anos que não vinha a Chaco e, no meio de tantas emoções
provocadas pelos reencontros, Araceli foi um deslumbramento. Tinha o cabelo preto,
comprido, grosso, e uma franja altiva que emoldurava perfeitamente a sua cara magra,
modiglianesca, onde sobressaíam os olhos escuríssimos, brilhantes,
de olhar lânguido mas astuto. Magra e com umas pernas muito longas, parecia
ao mesmo tempo inquieta e orgulhosa daqueles peitinhos que começavam a explodir-lhe
sob a blusa branca. Ramiro olhou-a e soube que haveria problemas: Araceli não
devia ter mais de 13 anos."
Este é o primeiro parágrafo
de um livro que pode ser classificado de policial, político ou até
mesmo, erótico. Em pouco menos de 150 páginas, o leitor é lançado
numa espiral de acontecimentos alucinantes.
Depois de um longo período em Paris, Ramiro, advogado de 32 anos chega a
Argentina em 1977. As barbaridades cometidas pela ditadura não lhe interessam,
só se preocupa com uma carreira académica de sucesso, mas tudo é
comprometido na noite em que conhece Araceli, numa casual visita a um velho médico
alcoólico amigo do seu pai.
A partir daqui, sucedem-se violações, assassínios, fugas, prisões
e novas fugas. Fuga de uma polícia capaz de o condenar pelos seus actos ou
esquecê-los em troca de conivência com o regime e fuga de Araceli, que
não consegue esquecer. A lua, no seu papel mítico de influenciadora
dos acontecimentos é o elemento comum a todo o enredo.
A obra escrita originalmente por Giardinelli em 1983 constitui uma parábola
sobre a ditadura militar na Argentina dos anos 70, em que a crueldade de situações
e sentimentos faz paralelo com a brutalidade da ditadura militar instalada no poder.
"Lua escaldante", devido ao seu sucesso na América do Sul, já
foi adaptado para cinema, rádio e televisão.
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