São 7h30. Ilda Rogeiro está pronta para o ritual de todos os dias.
A esta hora a cozinheira chefe da cantina de Santo António, veste o equipamento
(bata, luvas e touca) e começa a lida entre tachos e panelas. A primeira
tarefa é a confecção das bifanas que serão depois
vendidas nos bares da Universidade. Entretanto deitam-se os ingredientes no enorme
tacho, que já ferve em cima do fogão, para a sopa do dia. Ilda Rogeiro
confessa que no início teve "algumas dificuldades" em adequar
os temperos e as quantidades de ingredientes ao elevado número de refeições
que é servido diariamente. Há cerca de 20 anos, quando existia somente
o Instituto Politécnico, a tarefa estava mais facilitada porque apenas
servia "40 almoços e 40 jantares".
Com menos tempo de serviço (12 anos), Céu Tavares, outra cozinheira,
conta que passa grande parte dos seus dias "à frente do fogão",
em casa e na cantina. "O meu marido só está contente quando
estou na cozinha", brinca, adiantando que o resto do tempo é preenchido
com as outras tarefas domésticas. Isto implica um esforço acrescido
todos os dias, mesmo assim não perde o apetite à hora de almoço,
e frisa gostar "muito deste trabalho", não o considerando um
"frete". Várias são as vezes em que as sobremesas estão
por sua conta. Em cada refeição prepara mais de 300 doses individuais.
Antes de começar a trabalhar na cantina esteve empregada num lar de idosos
e foi "metedeira de fios". Esta função caracterizava-se
por corrigir defeitos nos tecidos que saíam das fábricas têxteis
da Covilhã, actividade que lhe rendeu "muito dinheiro".
Em contraste com esta situação, esta funcionária pública,
portadora de uma carteira profissional, atribuída pela Escola de Hotelaria
de Coimbra, não se sente satisfeita com o ordenado no final do mês.
A diferença de vencimentos, entre as cozinheiras e as auxiliares de alimentação
também lhe provocam algum desagrado, embora compreenda que isso advém
do que está estipulado no índice da carreira profissional. Defende
a revisão desta situação, pois a "responsabilidade"
da sua profissão, no seu entender, "não se adequa" aos
550 euros que mensalmente aufere. Confessa que sente algum cansaço do trabalho
"árduo e rotineiro" que a cantina provoca e, se pudesse "pedia
já a reforma".
Céu Tavares diz que a cooperação entre as funcionárias
dentro da cozinha é "fundamental", assim não vê
necessidade de aumentar o grupo de trabalhadoras. No total são oito funcionárias
(a cozinheira-chefe, a cozinheira das sobremesas e seis auxiliares de alimentação),
no turno da manhã que começa por volta das oito horas e termina
depois da uma da tarde. Nesta altura é passado o testemunho à equipa
da noite que é composta apenas por uma cozinheira e quatro auxiliares.
Semanalmente os turnos são invertidos, ou seja, algumas funcionárias
que operam no turno da manhã, passam na semana seguinte para o turno da
tarde.
Rotina é uma expressão que se encaixa perfeitamente na tarefa das
auxiliares de alimentação. Todos os dias de faca na mão cortam
as batatas, vegetais ou outros alimentos e o que se ganha são "calos
nos dedos", ironiza Lucinda Esteves. Porém, nem tudo é mau.
Há algumas máquinas que dão uma "preciosa" ajuda
na parte "suja da cozinha", como é por todos designada. As batatas
saem directamente da saca para a máquina que as descasca a um ritmo frenético.
Segue-se a lavagem num tanque e logo após, são cortadas manualmente.
A entrada dos alimentos é feita por diversas portas. O pão é
colocado em cestas numa sala exterior para evitar qualquer contacto com indivíduos
estranhos à cozinha. No piso de cima, o armazém de alimentos, de
dimensões reduzidas, apenas acondiciona o necessário para dois ou
três dias, excepção feita aos produtos frescos que chegam
todas as manhãs. Os produtos deixam à porta as caixas de papelão,
de modo a que os alimentos não sejam afectados pelos microrganismos que,
eventualmente possam trazer.
O processo de preparação dos alimentos começa na "zona
suja" onde estão instaladas duas câmaras de congelação
e conservação, bem como vários balcões, onde os diversos
tipos de alimentos sofrem o tratamento devido. Charcutaria, carne, peixe, área
de alimentos crus, vegetais e sobremesas são as divisões que comporta
a "zona suja".
Refeições para centenas de pessoas
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No turno da manhã a cantina tem oito funcionárias
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Ao entrar no local onde todas as refeições são confeccionadas,
as dimensões dos tachos e das panelas são assustadoras para quem
não lida diariamente com este tipo de objectos. Ao centro, estão
vários fogões industriais com dois enormes tachos e a panela da
sopa ainda maior. O odor libertado pelos vapores da sopa de feijão e do
prato do dia (caldeirada de lulas) tornam o ar muito abafado, quase irrespirável.
São 10h30. A sopa está quase pronta, depois de ter sido triturada
pela "varinha mágica" gigante. A caldeirada de lulas recebe os
últimos temperos e enquanto isto Ilda Rogeiro coloca os iogurtes, a fruta
e as outras sobremesas na vitrina. Os gigantescos tachos com a comida já
confeccionada são transportados num carrinho, para junto do balcão
e despejados em fundos tabuleiros que permanecem em banho-maria até ao
fecho do refeitório.
São cerca de 300 os estudantes que diariamente procuram a cantina de Santo
António à hora de almoço. Todavia, nesta função
nem sempre é possível calcular exactamente quantas pessoas vão
aparecer. O número de clientes ao jantar decresce para cerca de metade,
em comparação com o almoço. Na prática os picos atingidos
oscilam entre os 580 ao almoço e os 320 ao jantar.
Em todas as refeições que são confeccionadas, é recolhida
uma pequena amostra de comida que fica armazenada durante três dias. Se
surgir algum problema, como uma intoxicação alimentar, a amostra
serve para esclarecer se aquela foi provocada pela comida ingerida na cantina
ou noutro local. Luís Riscado assegura que desde a sua entrada em funções,
há cerca de nove anos, não teve "um único caso de intoxicação
alimentar". A cantina sofreu obras no passado mês de Agosto. Segundo
aquele director o estabelecimento cumpre presentemente toda a legislação
específica do sector e regularmente é inspeccionado por uma equipa
de peritos.
São 12h. A comida está agora a postos para ser servida. A fila que
entretanto se formou aglomera meia centena de pessoas. O prato do dia é
caldeirada de lulas, mas muitos dos clientes optaram pela alternativa (carne de
porco à portuguesa).
Luís Riscado afirma que que todas as normas
de qualidade e de segurança alimentar são cumpridas
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"Peixe não puxa carroça"
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O peixe tem pouca saída e a fruta também. Ao contrário,
as sobremesas desaparecem num ápice. A mousse de chocolate e o arroz doce
são as preferidas dos alunos. Algumas são preparadas no dia anterior,
como a gelatina ou o pudim, e durante o dia são conservadas no frio para
ganharem consistência. A excepção é o leite-creme que
é preparado duas ou três horas antes de ser "devorado".
Luís Riscado, afirma que existe uma "preocupação"
em diversificar as ementas, constatando que quando a iguaria é peixe, os
alunos torcem o nariz e optam por pedir o prato alternativo ou, simplesmente não
ir à cantina. "Se fosse sempre batatas fritas e bifes tínhamos
a casa cheia todos os dias", garante. Os números falam por si: quando
é uma refeição de carne aparecem perto de 500 pessoas, se
é peixe baixa para 300. Céu Tavares, outras das cozinheiras, subscreve
esta situação, pelo contacto directo que tem com os estudantes -"peixe
não puxa carroça", dizem-lhe muitas vezes.
Aquele dirigente refere que o seu desejo é conseguir "mudar a mentalidade
das pessoas em termos de alimentação", entendendo que lhe compete
um pouco "o papel de educador". Para provar que confia totalmente na
qualidade da comida da cantina, Riscado, faz questão de ser o último
cliente a pegar no tabuleiro para almoçar. O director avança que
todas as normas de qualidade e de segurança alimentar são escrupulosamente
cumpridas e não aceita as reclamações sobre os cheiros que,
por vezes incomodam os clientes. Afiança que o extractor "suga"
todos os vapores e odores e que o controlo do nível de gordura (óleo)
desse equipamento é realizado com regularidade.
Queixas e mais queixas...
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A confecção dos alimentos assenta na forma tradicional
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André Barbosa, por questões financeiras,
é um cliente assíduo da cantina de Santo António. Diz que
as críticas que tem a fazer à qualidade dos serviços prestados
pelo estabelecimento, e em particular, à qualidade da comida, são
"em grande parte negativas". "A quantidade e qualidade são
bastante reduzidas e, muitas vezes, a comida está fria", queixa-se.
A diversificação também não escapa ao paladar crítico
deste estudante -"come-se muita carne de porco". Alexandre Oliveira,
afirma ter muitas razões para contestar a qualidade da alimentação.
"Desde que apanhei uma intoxicação alimentar, há um
ano, não como batatas fritas". Tal como o seu colega, este estudante
opta pela cantina porque o preço (1,75 €) é acessível
ao bolso de um universitário. Entende ainda que as ementas deviam ser mais
diversificadas.
Natércia Fernandes que "o preço sobe e a qualidade desce".
Alguns dos alunos ouvidos pelo Urbi et Orbi afirmam que preferiam que fosse cobrado
o mesmo que no snack do Pólo IV (Ernesto Cruz), desde que "a qualidade
fosse idêntica". O coordenador dos refeitórios, Luís
Riscado, sustenta que é "normal a comida ser melhor naquele local
porque é um snack". Lembra ainda que os preços são impostos
pelo Governo e sublinha que "num espaço de dois anos não houve
aumento dos preços".
As várias queixas que se ouvem por parte dos alunos, apontando a má
qualidade dos alimentos são rejeitadas - "a qualidade é boa
e a diferença apenas se cifra no paladar de cada pessoa". Curiosa
é outra justificação adiantada por Luís Riscado -"por
vezes depende da pré-disposição do cliente, pois se um dia
está mal-humorado tudo lhe parece mau". E diz mais: "quando chega
a altura de exames aumentam as reclamações". Também
neste período, se nota uma diminuição da corrida à
cantina e os bares enchem-se de gente à procura de pizzas, salgados, sandes
ou doces.
Quanto às diferenças entre as cantinas da Boavista (com exploração
privada) e de Santo António, justifica-as pelo "modo próprio"
como cada cozinheira confecciona e termina o apuramento dos alimentos, uma vez
que em termos de géneros alimentícios "a qualidade é
a mesma".
As queixas também focam a questão da diversificação
das ementas. Como resposta a esta reivindicação, está em
estudo a possibilidade de introduzir um prato macrobiótico, que aliás
já existe noutros estabelecimentos universitários nacionais. Neste
sentido deverá ser feita uma "abordagem directa" aos clientes,
para saber qual o nível de aceitação deste prato.
Os produtos mais consumidos
são batata, arroz, feijão e grão
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"Esta cozinha serve de exemplo"
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Entre refeitórios e snack-bares são servidos por dia
cerca de 16 pratos. Todas as semanas, realiza-se uma reunião
com todos os cozinheiros para definir as ementas, em termos de valores
nutricionais e a estimativa média de pessoas esperadas nos
próximos cinco dias. Há alguns valores que servem
como medida padrão. Por exemplo, num mês são
gastos cerca de 2 mil quilos de batatas e a cada pessoa são
atribuídas por refeição perto de 320 gramas
deste produto. Um quilo de arroz é suficiente para alimentar
10 estômagos num único repasto. Entre os produtos mais
consumidos, destacam-se a batata, arroz, feijão e grão.
O número total de refeições servidas na cantina
de Santo António no ano passado atingiu as 102 745. Por hábito
a grande maioria dos estudantes chega depois das 13 horas. Na prática,
até à uma da tarde são servidas perto de 100
refeições e na última hora mais de 200. Questionado
sobre um eventual alargamento de horário do serviço,
Luís Riscado argumenta que "tal não se justifica
porque não existe procura". De acordo com este responsável,
é também "injustificada" a abertura no mês
de Agosto, porque apenas se servem "cinco ou seis por dia,
no máximo".
Luís Riscado, não considera "gratificante a hotelaria
em termos de restauração escolar, isto porque quase
nada se altera de ano para ano". No entanto, não deixa
de tecer elogios à cantina de Santo António, onde
considera existir "um bom fluxo de serviço". Acrescenta
igualmente que esta cozinha serve de exemplo e "a qualidade
é tão boa como em qualquer outro estabelecimento",
porque o trabalho assenta na forma tradicional de confecção.
Actualmente, existem ao dispor dos alunos da Universidade da Beira
Interior, duas cantinas três snacks e seis bares.
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