José Geraldes

A Europa tem medo de Deus?


Não se compreende, pois, a relutância da Comissão em referir as raízes cristãs da Europa

A ausência da referência a Deus na futura Constituição europeia é uma aberração histórica. Aberração de uma evidência de Mr de la Palisse. Já aqui o escrevemos, quando se iniciou a redacção do texto, sob a presidência de Valéry Giscard d Éstaing, ex-presidente da França.
Qualquer historiador mediano concluirá que a Europa se fundou a partir do cristianismo. Pelos erros cometidos pelos cristãos e sobretudo pelos católicos já o actual Papa, no ano 2000, pediu perdão ao mundo. Mas nem isso seria razão para haver medo de incluir o nome de Deus no documento. Não se compreende, pois, a relutância da Comissão em referir as raízes cristãs da Europa.
Envergonhadamente, depois de observações críticas do próprio João Paulo II, foi introduzida a expressão "patrimónios religiosos" que pretende dizer tudo e acaba por ser vaga. Mesmo a recente versão "herança religiosa" não adianta nada.
O cardeal Roberto Tucci atacou directamente o problema ao declarar à Rádio Vaticano que "o problema se resume a não se ter coragem de reconhecer não a fé católica, protestante ou ortodoxa - não se trata de uma adesão- mas do facto histórico da enorme influência que teve a cultura cristã na cultura europeia."
Entre nós, Pacheco Pereira levantou a questão na sua coluna semanal no jornal Público, na quinta-feira da semana passada, 5 de Junho, num texto musclado e de honestidade intelectual ímpar.
O conhecido político e comentador, "agnóstico" assumido, como ele próprio confessa, desmonta, com argúcia, o projecto do preâmbulo inicial da Constituição para concluir, sem rodeios, que "a ausência - da referência- do cristianismo só pode ser ideologicamente motivada." E concretiza : "Não é difícil reconhecer a vulgata da Revolução Francesa,
como fundadora da contemporaneidade da história, tal como é descrita pela tradição jacobina e "progressista" do positivismo e racionalismo francês." Sublinha, a propósito, com vigor : "A Europa, tal qual é, é o resultado da fusão de uma unidade política, o império romano, com uma religião oriental, o cristianismo. Essa unidade é que fez a Europa."
No seguimento deste texto, outros comentadores se expressaram, manifestando idêntica estranheza. Frei Bento Domingues cujas posições vanguardistas são sobejamente conhecidas, considera esta ausência de referência ao cristianismo "uma provocação", na sua coluna de domingo, 8 de Junho, no mesmo diário.
Francisco Sarsfield Cabral, na sua coluna pessoal, no Diário de Notícias de segunda-feira seguinte, dia 9, escreve que o facto equivale a " uma nova imposição a toda a gente do laicismo, a nova religião". Mário Pinto, antigo ministro da República nos Açores, no Público do mesmo dia, contesta a democraticidade dos trabalhos da Convenção e defende que o texto de Pacheco Pereira é ainda "muito moderado."
No artigo semanal no Diário de Notícias, também na edição do dia 9, João César das Neves, professor na Universidade Católica, diz que "a Europa vê os templos e ignora as bem-aventuranças." E retrata um certo pensamento subjacente à origem do projecto : " As pessoas entregam a vida aos velhos-deuses da mitologia, prestando culto atento e venerado ao dinheiro (Mercúrio), ao prazer (Vénus), à farra (Baco), ao prestígio (Júpiter) à natureza (Ceres). E observa : " O paradoxo é que toda a cultura e raiz do Ocidente é cristã. Os positivistas dos últimos séculos limitaram-se a encardenar os princípios cristãos sob uma capa laica." O exemplo mais recente está na Constituição Europeia.
Em face destes dados, os 105 membros da Convenção que preparam a Constituição, cometem um tremendo erro histórico caso não emendem o projecto. E demonstram um acto público de cobardia. Mas, como a Constituição vai a referendo, os vários países terão oportunidade de exigir as modificações que se impõem.