de
Mia Couto
Por Ana Maria Fonseca
Era uma vez uma menina que pediu
ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou para longe.
Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar
as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta
era leve como uma baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo.
A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou,
o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar
cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário em todas as
direcções, para lá e para além, recolhendo os pedaços
lunares. Olhou o horizonte e chamou:
- Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria
terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue. A água sangrava?
O sangue se aguava? E foi assim. Essa foi uma vez.
Foi com as crónicas saídas ao domingo na revista
Pública que comecei a gostar de Mia Couto. Pequenos e breves contos, de uma
intensidade que faziam querer mais do que apenas uma página, semanalmente.
Felizmente, um dia emprestaram-me este "Contos do Nascer da Terra" que,
apesar das 243 páginas da edição da caminho, continuou a saber
a pouco. A habituação não é fácil, mas a partir
do momento em que mergulhamos na maravilhosa forma que Mia Couto tem de reinventar
as palavras, é difícil largarmos o volume.
Nestes 35 Contos do Nascer da Terra, Mia Couto prova, uma vez mais, a sua capacidade
de recriar as palavras que se multiplicam em significados.
É do povo moçambicano que fala. Das relações entre pessoas
e entre elas e a sua terra. Essa terra é Moçambique, que nunca deixa
cair no esquecimento ao contar as suas histórias.
"Não é da luz do sol que carecemos.
Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos
a ver. O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade
que cai com respeito e delicadeza. Só o luar revela intimidade da nossa morada
terrestre. Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra."
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