José Geraldes
|
Jornalismo e paz
O destaque dado aos crimes não pode deixar cair no esquecimento as vítimas
Realiza-se todos os anos uma jornada mundial sobre as
comunicações sociais. A iniciativa é da Igreja Católica
e tem por objectivo chamar a atenção não só dos católicos
mas também de toda a sociedade civil sobre a importância dos média
no mundo moderno.
Este ano esta jornada mundial celebra-se a 1 de Junho. O tema centra-se no uso
dos meios de comunicação social ao serviço da paz. A razão
da escolha deste temática prende-se com o facto de também este ano
perfazer 40 anos a publicação do célebre documento, muito
ousado para o tempo, "Pacem in Terris", isto é, em tradução
portuguesa, "Paz na Terra".
Foi seu autor o papa João XXIII que convocou o concílio Vaticano
II. Nesta encíclica - uma espécie de carta- João XXIII aborda,
em plena guerra fria, todos os direitos humanos, sociais e políticos a
que justamente podiam e devem aspirar os povos.
Na mensagem escrita para a jornada mundial, o papa João Paulo II relaciona
os quatro fundamentos da paz enunciados na "Pacem in Terris"-a verdade,
a justiça, o amor e a liberdade - com o poder, na sociedade moderna, da
comunicação social.
Esta temática é de uma actualidade gritante no contexto das questões
em debate no Portugal de hoje.
Os media existem para informar com verdade. Verdade que não se confunde
com meros fragmentos da realidade. Mas verdade que resulta de uma investigação
honesta e baseada no uso do contraditório.
Publicar uma notícia, sem confirmação independente, apenas
como "furo" jornalístico para vender mais jornais ou cativar
audiências corresponde a uma mentira pública e a um insulto aos leitores.
O uso do contraditório leva a que todas as partes envolvidas num problema
possam fazer-se ouvir. E os relatos dos acontecimentos não sejam feridos
de distorções para não darem uma imagem de parcialidade.
Uma condição se impõe : a liberdade. Mas liberdade assumida
com responsabilidade. Com respeito pela liberdade dos outros. Sem qualquer tipo
de sujeição aos critérios comerciais e à tirania das
audiências. Numa verdadeira missão de serviço público.
E sem pressões, venham de onde vierem. Seja para agradar às fontes
da notícia ou ao poder político e aos partidos.
Em relação com esta jornada mundial e a sua temática, afigura-se
oportuno lembrar o essencial do Código Deontológico dos Jornalistas
Portugueses aprovado em Maio de 1993 precisamente há 10 anos.
O primeiro artigo diz taxativamente : " O jornalista deve relatar os factos
com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade." O
artigo segundo preceitua que " o jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo."
No artigo terceiro, lê-se que o jornalista deve lutar contra todas as tentativas
de limitar a liberdade de expressão. Depois do artigo quarto prever a utilização
dos meios legais para obtenção das informações, o
artigo quinto explicita claramente que " o jornalista deve assumir a responsabilidade
por todos os seus trabalhos e actos profissionais".
O artigo sexto especifica que " o jornalista deve usar com critério
fundamental a identificação das fontes".( A propósito,
quantos jornais, rádios e televisões, em Portugal, identificam as
fontes das notícias que dão?)
Conteúdo do artigo sétimo : " O jornalista deve salvaguardar
a presunção de inocência dos arguidos até a sentença
transitar em julgado." ( Repitam a leitura, por favor). O artigo oitavo fala
do tratamento discriminatório e o nono incita a que " o jornalista
deva respeitar a privacidade dos cidadãos". O artigo décimo
e último concretiza : "O jornalista deve recusar funções,
tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto
de independência e a sua integridade profissional". Exemplo clássico
: aceitar prendas e viagens.
Compare-se o que devem ser os pilares da paz, o conteúdo do Código
dos Jornalistas e o jornalismo que se faz em determinados jornais e televisões
do País. Tirem-se as conclusões. Uma pergunta: queremos um jornalismo
ao serviço do público ou um jornalismo ao serviço de grupos
económicos e de interesses privados ou de uma certa "socialite"?
|