"Desde pequena que jogo à bola. Aprendi lá na rua, num largo
de areia". É desta forma que Rute Duarte recorda o pontapé
de saída para uma vida que tem sido, em grande parte, dedicada ao Futsal.
A paixão por esta modalidade é partilhada pelas restantes jogadoras
do Estrela do Zêzere da Boidobra, clube que este ano arrecadou o quarto
título consecutivo de campeão distrital em Futsal feminino.
Segundo Rute, a receita para o sucesso está à vista, "é
muito trabalho e o empenho de todos, das jogadoras aos dirigentes", diz convicta.
E é com esse espírito que as sessões de treino decorrem.
Este hobbie acaba por ocupar muito do tempo das jogadoras, quase todas estudantes.
Mas dizem que vale a pena, porque, afinal, fazem aquilo que gostam. A maioria
das atletas tem entre 17 e 20 anos, idades em que por vezes se desperta para outro
tipo de interesses. Rita Gouveia, de 18 anos, considera que a prioridade dada
ao Futsal não a impede de ter outros passatempos. "Há tempo
para tudo, só é preciso saber geri-lo", observa.
Quanto à escola, dizem que é possível conciliar as duas coisas.
"Os meus pais já me têm cobrado isso, mas acho que não
têm motivos", confessa Rute, com um sorriso, "isto faz-me bem.
Aqui estou com as minhas amigas e alivio o stress das aulas".
Vanessa Nunes faz também alguns sacrifícios neste capítulo.
Mas frisa que vale a pena, porque o que a move "é uma motivação
intrínseca, a vontade de jogar futsal, uma vez que ninguém nos paga",
salienta. Vanessa estuda em Coimbra e vem todos os fins de semana. "Podia
arranjar lá uma equipa, as vantagens seriam muitas, mas para mim não
há outra equipa que tenha a qualidade e as condições que
esta tem", esclarece.
O trabalho desenvolvido pelas jogadoras já teve reflexos a nível
pessoal, quando Rute Duarte foi chamada à Selecção Nacional.
Uma experiência que, confessa, "não foi muito produtiva, porque
era muito nova e fui integrada num grupo bastante experiente". Agora, com
o passar do tempo, sente-se mais madura e, tal como as restantes colegas, as aspirações
passam pela Selecção Nacional.
Aideia de que este é um desporto de homens
faz parte do passado
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Em oposição a Ana Vanessa, que com 16 anos é a benjamim
da equipa, Sofia é a mais velha, com 32. Também ela reitera que
as horas dedicadas ao futsal têm valido a pena e "por vezes é
uma espécie de libertação das tensões e preocupações
do dia a dia", sublinha.
É com orgulho e de forma enternecida que a guarda-redes da Boidobra fala
deste grupo, onde está há seis anos, desde o seu início.
Esta professora diz não se sentir a mais velha mas apenas mais uma delas,
justamente pelo bom relacionamento que se conseguiu estabelecer. "Sou a tia
delas todas, que é como me chamam". Sofia conta que a equipa é
como uma família, "há cumplicidade e conhecimento uns dos outros,
já sabemos como cada um vai reagir". Mas reconhece que também
surgem conflitos, que acabam por se resolver.
Relativamente a José Luís, o treinador, as jogadoras dizem não
ter com ele apenas uma relação técnico-jogadoras, porque
passam muito tempo juntos. José Luís assegura que essa virtude da
equipa foi construída com o "respeito mútuo que sempre existiu".
Isso acaba por se reflectir nos jogos. Mas dentro de campo Sofia não consegue
fugir àquela que diz ser a maior angústia de um guarda-redes, o
pénalti. "Antes sente-se que se pode defender...até que a bola
entra. Não é fácil, mas tem que se pensar que há mais
jogo pela frente", confidencia.
Estas craques da bola são determinadas e esforçam-se para poder
apresentar um trabalho com nível. Basta assistir a um treino para afastar
a ideia, se dúvidas ainda houvesse, que um jogo feminino se reduz a pontapear
a bola. Tem havido uma evolução progressiva, sobretudo por parte
das equipas que mais se têm afirmado no panorama distrital.
Provavelmente, a ideia de que este é um desporto de homens já faz
parte do passado. Para Vanessa Nunes as coisas estão a mudar, "e nós
somos exemplo disso, pela qualidade do Futsal que temos vindo a demonstrar".
Segundo Sofia, há muita gente a praticar e muita gente envolvida no Futsal
feminino. E para ilustrar que as coisas mudaram invoca as 400 pessoas que assistiram
ao último jogo da equipa. "As pessoas aparecem, respeitam e gostam.
Se calhar já não é um desporto de homens, se calhar nunca
foi", sustenta.
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Há dois anos, a equipa conseguiu chegar à final da Taça
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A equipa de Futsal feminino do Estrela do Zêzere da Boidobra tem já
um palmarés invejável. António Manuel Pereira, presidente
da colectividade diz que a equipa começou a ser trabalhada de raiz e organizada
de forma a dar os seus frutos. O que veio a acontecer na terceira época,
com a entrada do professor José Luís para o comando técnico
da equipa, que coincidiu com a vitória do primeiro Campeonato Distrital.
Desde então, a formação tem vindo a ser reforçada
todos os anos e a vincar a sua supremacia no campeonato. Tem já quatro
títulos ganhos e encontra-se neste momento a disputar pelo quarto ano consecutivo
a Taça Nacional. A maior proeza data de há dois anos, quando conseguiram
chegar à final da Taça, a competição mais importante
a nível nacional.
Na opinião de António Manuel os grandes obreiros deste percurso
são as jogadoras, que não se cansa de aplaudir, e o treinador, "muito
experiente e grande conhecedor do que é o Futsal feminino", elogia.
Mas à medida que a equipa vai crescendo e consegue ir mais longe, o Campeonato
Distrital torna-se cada vez menos competitivo e com menos clubes a participar.
Este ano participaram apenas cinco clubes. E para além da formação
das Donas, a principal adversária, não há mais nenhuma que
dê realmente luta, o que prejudica a preparação da equipa
Esta é uma situação que em parte tem origem na concentração
das melhores jogadoras nestes dois clubes. Rita reconhece que isto prejudica o
Distrital, mas diz que é natural as pessoas com talento quererem ir para
uma equipa do seu nível e frisa que assim é possível criar
uma equipa mais competitiva a nível nacional. José Luís,
que é também seleccionador distrital, insiste que só isso
não é motivo para que as outras colectividades desistam.
A solução passa pela criação de um Campeonato Nacional
que evitaria que as campeãs distritais no ano seguinte tenham de fazer
o mesmo percurso, como acontece actualmente. "Aí iríamos competir
com equipas mais equilibradas. Isso exigiria mais de nós e iria provocar
uma evolução", comenta José Luís.
O orientador desta turma diz que ao longo do tempo as situações
técnico-tácticas foram sendo assimiladas pelo grupo e agora é
mais fácil trabalhar com elas. Para as jogadoras a progressão deu-se
"mais a nível táctico e colectivo que propriamente a nível
técnico, que é uma coisa mais inata. Mas acabam por ser as duas
coisas a evoluir simultaneamente", explicam.
Quanto às ambições das "Estrelas da Boidobra",
são bem claras. Passam por "conseguir sempre mais que aquilo que se
fez anteriormente, ir sempre mais longe", sublinham, "e nós já
chegámos ao segundo lugar de uma Taça Nacional...".
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