De Eduardo Brum


Por Ana Maria Fonseca



"A história que passo a contar deu-se numa terra onde as pessoas tinham uma dimensão física singular. Eram grandes, fortes, altas, musculosas, verdadeiros gigantes. No entanto, e à primeira vista, assim não parecia, porque quem lá passava distraído, ou a uma hora em que não se visse ninguém nas ruas, não deixava de notar as casas de tamanho vulgar amontoadas umas de encontro às outras, equilibrando-se, algumas a custo, numa fragilidade que não fazia prever o encorpamento desmesurado dos seus habitantes".
São estas as primeiras frases de "O Beijo", de Eduardo Brum, um açoriano polivalente do nosso tempo, que aqui nos conta uma história de ódio, orgulho e reconciliação.
Numa terra de gigantes, dois homens odeiam-se de morte, disputando o título de mais forte em sangrentas brigas. Longe de tudo, vive um aglomerado de gigantes expulsos das outras partes do mundo, obrigada à convivência entre iguais, que assiste à disputa dos dois inimigos como se do único acontecimento com interesse se tratasse. O facto de serem enormes seres a viver num local feito para humanos normais enche-os de melancolia.
Paralela a esta luta, uma mulher vagueia pela noite, "em busca de rumores de lençóis nos sótãos das casas", um curandeiro exerce artes milagrosas na cura de "insondáveis males femininos" e outros segredos se afundam no marasmo das gentes enormes.
É destes mistérios que vive um livro curiosamente "renegado" pelo próprio autor, já que não aparece no seu site pessoal onde se apresentam todas as outras obras.
São gigantes, mas poderiam ser qualquer um de nós, num retrato da vida sem esperança onde o sentido último é a procura de algo que nunca se chega a perceber o que será, apenas ansiando que traga alguma felicidade aos corações daqueles que, como os gigantes, vivem absortos nas suas próprias misérias quotidianas, e arrastam-se nesse marasmo, até ao último dia.


Eduardo Brum nasceu a 10 de Setembro de 1954. Estudou Filosofia e frequentou Direito no período conturbado que se seguiu ao 25 de Abril de 1974. Residiu nos EUA, onde foi varredor, jardineiro, assistente social, docente, artesão. Regressado a Portugal, desempenhou funções de professor, editor, copywriter, jornalista. Hoje, é gestor, casado e pai de uma filha.