Urbi @ Orbi- Qual o caminho que percorreu até
alcançar o seu cargo actual?
Elisa Pinheiro- Até 1987 fui professora de História no Ensino
Secundário.
Depois fui requisitada pela Universidade da Beira Interior como
assistente convidada para iniciar o trabalho de musealização da Real
Fábrica de Panos, projecto que coordenei desde 1987 até 1992, data
em que o Museu foi inaugurado. Em 1992 o Museu passou a ter visibilidade, mas só
em 1996 é que foi aberto ao público tal como o temos agora. Tornava-se,
portanto, necessário alguém assumir a direcção. Contrataram-se
funcionários, estabeleceu-se um orçamento e eu fui nomeada a directora
do Museu. Desde aí desempenho essa função.
U@O - Comemorou-se no passado dia 18 de Maio o Dia Internacional dos Museus.
É habitual o Museu de Lanifícios aliar-se a esta iniciativa?
E. P. - Sim. Todos os anos temos procurado, dentro das nossas possibilidades,
comemorar este dia. Exposições de pintura, a abertura ao público
em regime de ingressos livres são algumas das actividades que o Museu dos
Lanifícios habitualmente oferece neste dia. O principal objectivo destas
iniciativas é o de atrair as pessoas ao Museu. Sendo as entradas livres,
o preço do bilhete deixa de ser justificação para não
visitarem o Museu dos Lanifícios.
U@O - O tema deste ano foi "Os museus e os seus amigos". Qual a
importância que os grupos de amigos têm para o Museu dos Lanifícios?
E. P. - Os Museus são equipamentos que só vivem se a sociedade
em que se inserem considerar que têm utilidade. Os Museus procuram fazer
o seu trabalho mas não se podem fechar em si mesmos. É necessária
uma constante e estreita ligação com a sociedade. Se a sociedade
não se manifesta, se não dá um sinal de que concorda, de
que está bem ou de que precisa de mais qualquer coisa, ou se não
incentiva também o Museu a melhorar esta relação de reciprocidade,
então não há enriquecimento mútuo. O que é
importante é que se estabeleçam pontes entre a comunidade e o Museu
no sentido deste poder interpretar melhor a comunidade e preservar com o seu apoio
as memórias dessa mesma comunidade.
U@O - Quem são os doadores desta instituição?
E. P. - A grande parte das doações são feitas por empresas,
instituições e mesmo por cidadãos anónimos, desde
operários técnicos a empresários ligados à história
da indústria da Covilhã. Actualmente temos mais de cem doadores.
Entregámos os primeiros diplomas de doadores em 1998. No passado dia 18
de Maio procedemos à entrega dos restantes diplomas a doadores que nos
concederam o seu espólio a partir de 1998 até à actualidade.
U@O -Qual a composição do espólio do museu?
E. P. - O Museu dos Lanifícios possuí um espólio muito
diversificado. Temos uma grande quantidade de espólio arqueológico
que resultou das intervenções arqueológicas realizadas na
Real Fábrica de Panos. Temos também o espólio constituído
ao nível da colecção que está em exposição
permanente. Possuímos equipamentos, materiais da construção
do próprio edifício, temos os vegetais de onde os produtos tintureiros
utilizados na Real Fábrica de Panos eram extraídos, essencialmente
de natureza orgânica, temos ainda amostras de panos e têxteis, entre
outros. Depois existe um outro espólio que está em reserva e que
está muito ligado com a fase da industrialização. Este espólio
está reservado para o outro núcleo museológico, actualmente
em construção. Trata-se na sua totalidade de maquinaria industrial.
Por último há um espólio bibliográfico, documental
e têxtil muito vasto num outro núcleo que é o Centro de Documentação
e Arquivo Histórico. Este núcleo resultou em grande parte de doações
feitas por empresas, instituições, e cidadãos anónimos
desde operários técnicos a empresários ligados à história
da indústria da Covilhã.
"O Museu tem procurado interpretar o sentir da Covilhã e da
própria Universidade"
|
"Todos os objectos que possuímos têm uma função
social"
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U@O - Qual a importância do Museu dos Lanifícios para UBI e para
a
cidade da Covilhã?
E. P. - O Museu tem procurado interpretar o sentir da Covilhã e da
própria
Universidade. Neste sentido, está aberto a todas as iniciativas que a nível
dos vários departamentos se colocam, em especial ao nível do Departamento
de Engenharia Têxtil e do Departamento de Artes e Letras devido ao recente
curso de Design Têxtil. Assim, temos o nosso atelier disponível para
os alunos trabalharem e realizarem os seus projectos criativos. Também
já cedemos as instalações para exposições de
trabalhos realizados por alunos, que foram várias. Logo no início
da abertura do Museu tivemos uma óptima exposição de pintura
de um aluno do curso de Engenharia Civil.
Exposições de fotografia e pintura são uma constante. Quanto
à cidade, uma vez que a Covilhã foi uma cidade da indústria
têxtil praticamente até à actualidade, a ligação
ao Museu é inquestionável. A cidade tem que preservar as memórias
que são mais importantes. Nada melhor do que um Museu. Estamos a cumprir
essa função, a preservar as memórias de uma cidade. Não
só da cidade, mas também de toda uma região que está
à volta da Serra da Estrela, uma região marcadamente de lanifícios.
U@O - Qual a importância de um Museu nos dias de hoje?
E. P. - O museu tem uma função que é a de preservar,
de fazer com que com o passar dos anos, do tempo, de períodos conturbados
como vivemos hoje, de crise, algo permaneça. Que não se desmorone
completamente o edifício e que fiquem recolhias as memórias mais
significativas, os testemunhos mais importantes. Há também uma outra
vertente que é aquela que se tem vindo aqui a implementar, a da conservação
activa do património. Muitas vezes diz-se que o museu é o cemitério
dos objectos, quando eles deixaram de ter utilidade. Não é essa
a nossa perspectiva. Todos os objectos que possuímos têm uma função
social de servirem não só ao nível da educação,
da transmissão de saberes entre gerações, mas também
para que possam fundamentar a própria criatividade dos dias de hoje. Foi
com esse objectivo que foi criado um banco de dados e imagens onde temos registados
muitos dados de natureza técnica que possam servir fundamentalmente aos
novos designers. Porque não se cria a partir do nada, uma base de dados
disponível para alimentar os olhos dos designers leva a que a partir dali
eles possam criar algo de novo mas que partam de qualquer coisa que já
está trabalhada. Há sempre um percurso que se anda e que se procura
desenvolver cada vez mais.
U@O - Recentemente o Museu dos Lanifícios foi considerado o melhor
Museu do País. Esta distinção trouxe algum benefício?
E. P. - Claro que sim, fundamentalmente no crescimento do público visitante.
Verificou-se que muitas pessoas que antes não vinham, mesmo as que se
encontram perto da Covilhã, vieram propositadamente para visitarem o Museu.
Os turistas que se deslocavam à Serra da Estrela e que usualmente tinham
um outro itinerário, agora fazem questão de incluir a Covilhã
como ponto de passagem e o Museu dos Lanifícios como ponto de visita. Temos
essas
referências registadas no livro de visitantes. Houve um fluxo de público
maior não só daqueles que não estavam para vir mas daqueles
que um dia viriam e que assim vieram mais rapidamente. O público escolar
manteve-se. Já ao nível dos turistas que nos visitam e mesmo da
população da Covilhã registou-se de facto um aumento significativo
no número de visitantes. Natal, Passagem de Ano, Carnaval e Páscoa
foram os momentos altos de procura.
U@O - Foi premiada com uma medalha de mérito pelo seu trabalho realizado
no Museu. O que mudou para si ?
E. P. - Pouco ou nada mudou. Há sim cada vez mais trabalho e mais
responsabilidade porque o Museu ficou com uma maior visibilidade.
U@O - Em que projectos se encontra o Museu envolvido?
E. P. - Está em construção um novo núcleo museológico
na antiga fábrica "Real Mendes Veiga" , junto à Ribeira
da Goldra. Trata-se de um imóvel em cantaria de Granito, onde se encontrava
sediada a empresa de lanifícios fundada, na Covilhã, por José
Mendes Veiga, cuja actividade empresarial se encontra balizada entre finais do
século XVIII e inícios do século XIX. Este novo núcleo
está a implicar um trabalho de grande concentração e esforço.
Encontra-se já recolhido um conjunto significativo de espólio fabril,
representativo da evolução tecnológica ocorrida nos lanifícios,
nos séculos XIX e XX. No entanto ainda é necessário estabelecer
contactos porque não temos as máquinas todas. É necessário
um novo projecto museográfico, precisamos de um conjunto de objectos que
fazem falta neste Museu. O transporte das máquinas e a sua restauração
é outra das nossas preocupações pois tem-se verificado uma
tarefa complicada. Em conclusão, há ainda muito a fazer.
Elisa Pinheiro iniciou
o trabalho de musealização da Real Fábrica
de Panos em 1987
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Elisa da Conceição Silveira Calado Correia Pinheiro
é licenciada em História e desempenha funções
de assistente na Universidade da Beira Interior (UBI), no Departamento
de Letras.
É responsável pela criação do Museu
dos Lanifícios e dos seus núcleos, bem como, a musealização
da Real Fábrica de Veiga.
Como membro do Centro de Estudo e Protecção do Património
da UBI, colaborou no trabalho de reconhecimento de imóveis
de interesse público na cidade da Covilhã. Dirige
o projecto Arqueotex, uma acção piloto transnacional,
liderada pela UBI, através do Museu de Lanifícios
e tem publicados 15 trabalhos referentes a arqueologia, património
e museologia industriais, história da indústria e
história local da Covilhã.
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