António Fidalgo

Vagas e qualidade no Ensino Superior


1- A redução de vagas no ensino superior público

O propósito de Pedro Lynce de reduzir as vagas para o ensino superior público tem sofrido forte contestação por parte de sindicatos e de alguns reitores. No entanto, os números parecem dar razão ao Ministro da Ciência e do Ensino Superior.
Desde 1995/1996 que os candidatos ao ensino superior vêm diminuindo. Dos 80.009 candidatos na 1ª fase de 1995/1996 passou-se em 2001/2002 para 45.210. Ao invés, a oferta de vagas subiu de 71.592 para 85.050, contabilizando o ensino superior público e o ensino superior privado. Ou seja, em 2001 o número de vagas quase duplicou o número de candidatos. E em 2001/2002 as vagas no ensino superior público ultrapassaram pela primeira vez o número de candidatos, 49.355 vagas para 45.210 candidatos. Apesar da diminuição de candidatos em 2002/2003, o número de vagas no ensino público continuou a aumentar ainda que ligeiramente, 49.742.
Perante os números, a redução de vagas no ensino superior público parece ser uma medida de bom senso, de racionalização de recursos, num tempo de contenção financeira. Os alunos do secundário continuam a diminuir -- 15% em 2002/2003! --, e não faz sentido manter o número, já inflacionado, de vagas no superior.
Se os números são o que são, e se o propósito ministerial decorre desses números, porquê a resistência de sindicatos e de alguns reitores? Uma das razões da resistência reside certamente na fórmula de financiar o ensino superior por aluno inscrito. Quantos mais alunos inscritos maior o financiamento. Ora as vagas são um instrumento de as escolas alargarem e diversificarem a sua oferta e, desse modo, conseguirem maior número de alunos. Cada escola comporta-se como um pescador que, face à diminuição de peixe, aumenta o tamanho e o tipo das redes para apanhar a mesma quantidade.
Algumas estratégias algo esdrúxulas adoptadas nos últimos anos para atrair mais alunos mostram como tem sentido uma intervenção ministerial. Sirvam de exemplo duas: facilitação das condições de acesso e simples mudança de nome dos cursos. A exigência de disciplinas específicas para entrada nos cursos tem vindo crescentemente a ser relaxada. Curso que exija o par de Matemática e Física é curso com dificuldades garantidas na captação de alunos. Basta trocar a conjunção "e" para a disjunção "ou" (Matemática ou Física), e aumentar o leque de disciplinas específicas requeridas, ou esta disciplina ou aquela ou aqueloutra (até um máximo de seis), e de imediato aumentam os candidatos e aumenta a nota mínima de acesso. Existem cursos de Economia onde se entra sem a disciplina de Matemática.
Também a simples renomeação de cursos tem sido adoptada. Muda-se o nome do curso, ainda que as disciplinas curriculares ou então os programas se mantenham os mesmos, e conseguem-se novos alunos. É preciso é que o novo nome siga a tendência em voga no gosto dos candidatos. Por exemplo, todos os cursos que em Portugal tenham alguma afinidade de nomenclatura com saúde, ainda que de gestão ou de engenharia, têm candidatos.
Dado não ser sustentável cada escola alargar as suas redes de captação de alunos para um universo cada vez menor de candidatos, e como o ministro tem responsabilidades pelo todo e não apenas por cada uma das partes, justifica-se politicamente a medida de reduzir administrativamente o número de vagas.

2- O Litoral e o Interior

Na entrevista dada ao Expresso de 18 de Abril de 2003 Pedro Lynce justifica a redução de vagas como uma "discriminação positiva" ou como uma medida de solidariedade das escolas do litoral com as escolas do interior do país. Também aqui os números parecem dar razão ao ministro. Com efeito, considerando apenas os números dos últimos dois anos no acesso ao ensino universitário público (2001/02 e 2002/03), verifica-se que apesar de as universidades do interior terem diminuído o número de vagas e as do litoral terem aumentado, a percentagem de ocupação aumentou no litoral e diminuiu no interior (ver Análise Descritiva pelo GIRP da Universidade do Porto em http://www.up.pt/estudarup/acesso2002.pdf.
Contudo, a justificação do ministro é débil. Diminuir, por exemplo, o número de vagas em Direito em nada beneficia o interior, pela simples razão de que as Faculdades de Direito se encontram todas no litoral. Por outro lado, é justamente nas engenharias, numa das quatro áreas onde não há redução de vagas, que as escolas do interior têm mais dificuldade em captar alunos. Acresce ainda que a redução de vagas também se pretende aplicar às escolas do interior, incidindo sobre aqueles cursos em que não tem havido dificuldade em captar alunos, nomeadamente na área das ciências sociais e humanas. Não é certamente diminuindo as vagas dos cursos que as preenchem e mantendo as vagas dos cursos que as não preenchem que se atraem mais alunos para interior.
Bem melhor do que defender a necessária redução de vagas em nome de uma discriminação positiva do interior seria fazê-lo em nome do próprio interesse das escolas do litoral. A dimensão exagerada de uma universidade em nada a beneficia. Será difícil dizer qual o número ideal de alunos de uma universidade, mas certamente não será o da admissão de todos os alunos que queiram ingressar nela. Tomando as melhores universidades americanas como referência dever-se-ia apontar o tamanho de uma universidade entre os 7 e os 15 mil alunos. O Porto estaria mais bem servido com duas universidades do que com a actual para o mesmo número de estudantes. É uma vantagem de Lisboa ter 4 universidades (contando-se aqui o ISCTE como uma) públicas do que uma única mastodôntica como ocorre com a Universidade Complutense de Madrid, exemplo de todo a evitar.
As universidades do interior não podem ser escolas de segunda opção para os que não têm vaga nas escolas superiores do litoral. Houvera maior mobilidade em Portugal e provavelmente o problema da falta de candidatos nas novas universidades do interior não se poria, dado as melhores condições que oferecem aos seus docentes e alunos. O problema é cultural e social, com os pais procurando ter os filhos universitários a viver ainda em casa. Raros são os exemplos de alunos do Norte que vão estudar para Lisboa, ou os da região do Vale do Tejo que vão estudar para o Porto. As universidades do Interior serão, aliás, aquelas a fomentar mais a mobilidade de estudantes dentro do espaço português.
A haver discriminação positiva do ensino superior no interior de Portugal ela deve incidir não em subsídios directos a docentes e alunos, como aventado por alguns académicos que criticaram o propósito de Pedro Lynce, mas sim num investimento forte e continuado nas condições de ensino e de investigação, de modo a que os cursos leccionados nas escolas do interior atinjam um grau de excelência que os torne tão bons como os melhores de Portugal.