Urbi @ Orbi - Como é que caracterizam
a música dos Madredeus?
Pedro Ayres Magalhães (PAM) - Costumo caracterizá-la como sendo
uma fantasia musical de raiz portuguesa.
Teresa Salgueiro (TS) - É uma música original, cantada em português
e que existe para cantar a língua portuguesa. Acho que ao longo dos anos
é visível a capacidade de reinventar este estilo usando mais ou menos
os mesmos elementos e seguindo sempre a mesma linha de pensamento.
U@O- A cantar em português como é que conseguem ter tanta aceitação
no estrangeiro?
PAM- A certa altura o nosso projecto ficou conhecido justamente por ser algo
desconhecido. É com a música que conseguimos conquistar o público.
Mas no Japão, por exemplo, os concertos são traduzidos em simultâneo.
TS- Também acho que as pessoas apreciam a maneira como conseguimos
criar músicas tão diferentes com poucos instrumentos. Somos um grupo
com muitos recursos em termos de criatividade.
U@O- Gravar em inglês está nos vossos planos?
PAM- Não. O grupo foi feito e inventado para criar na esfera da canção
em português.
U@O- Qual é o tipo de público que assiste aos espectáculos
dos Madredeus?
PAM- São várias gerações. Tanto pessoas que são
fiéis aos Madredeus como as que vêm assistir pela primeira vez. As
plateias são diferentes de país para país, mas não fazemos
generalizações.
U@O- Os vossos espectáculos não se adequam a qualquer espaço.
PAM- O que nós exigimos para os nossos espectáculos é uma
plateia sentada e uma atmosfera tranquila. Jardins, monumentos ou teatros são
os locais onde propomos os concertos.
U@O- Porque não actuam mais vezes em Portugal?
TS- Mais quantas? Todos os anos fazemos uma tournée em Portugal.
PAM- Os concertos que damos em Portugal são suficientes, para não
cansar as pessoas. Sempre que os Madredeus querem actuar têm que tomar a iniciativa,
somos nós quem tem de organizar os espectáculos.
U@O- Qual foi o impacto do álbum "Electrónico"?
PAM- Foi uma experiência musical muito bem sucedida e lançado em
todos os países onde se editam os discos dos Madredeus. Foram 13 músicos
diferentes que se relacionaram com a música portuguesa e conseguiram um tipo
de música contemporânea.
U@O- Como foi a experiência de gravar com uma orquestra no "Euforia"?
PAM- Boa. Foi uma aventura única. Correspondeu a uma tournée que
fizemos com aquela orquestra. Actuámos nos coliseus de Lisboa e Porto, em
Salamanca, Paris e Bruxelas. É um figurino atípico dos Madredeus.
U@O- O que é que pretendem transmitir com a digressão Movimento?
PAM- São as confissões não biográficas da Teresa.
É uma dramatização das confissões da cantora dos Madredeus.
As canções são escritas por nós e versam, de uma forma
fantasiosa, o que pode sentir uma cantora e aquilo que ela pode contar ao público.
As canções versam a saudade, as ambições, os sonhos.
"O entusiasmo e a entrega têm que
ser absolutos"
|
"O entusiasmo e a entrega têm que ser absolutos"
|
U@O- Sente que o grupo evoluiu ao longo da carreira?
TS- Não é uma questão de sentir, é uma evidência.
Acho que evoluímos em todos os sentidos. O grande sinal dessa evolução
e da sua vitalidade é a criação de história, a forma
contínua como o grupo se mantém agregado e continua a reproduzir
um repertório original cantado em português.
U@O- Tem cuidados especiais com a voz?
TS- Tenho os cuidados de saúde que acho que toda a gente deve ter.
Se calhar tenho mais cuidado em não me constipar. Apesar de gostar de fumar
evito fazê-lo, assim como evito beber e fazer noitadas, sobretudo quando
há concertos. A vida de um cantor é bastante disciplinada.
U@O- Dezasseis anos depois continuam a sentir o mesmo entusiasmo e motivação?
TS- Sentimos cada vez mais. O entusiasmo perante a música, que é
uma coisa que nasce do silêncio, temos que o construir ao longo do tempo.
O entusiasmo e a entrega têm que ser absolutos. É evidente que há
dias e dias, mas isso é um desafio em si.
U@O- O facto de passarem muito tempo juntos cria momentos de tensão?
TS- Não, porque as pessoas são bem educadas. É evidente
que há diferenças, sobretudo de personalidade, mas essas não
vão para cima da mesa. As pessoas respeitam-se e têm apreço
umas pelas outras. E as diferenças do modo como se encara a vida, e mesmo
o próprio trabalho, são discutidas. É evidente que há
momentos mais difíceis, porque para conseguir ser um grupo, junto há
tantos anos, é preciso mesmo muita vontade, mas mais que vontade é
a criatividade que dá vitalidade ao grupo.
U@O- Como concilia as ausências prolongadas com a vida familiar?
TS- Concilio como sei. Essas coisas não vêm numa cartilha, e
por isso nós vamos construindo as coisas com a nossa iniciativa e vontade.
Somos músicos a tempo inteiro. Não há uma cartilha para a
vida profissional mas também não há para a vida pessoal,
muito menos quando não se tem uma vida vulgar. Enfim, a vida é uma
aprendizagem que exige muito de todos os intervenientes da família, mas
acho que isso também é bom. De certa maneira pode ser difícil,
mas são os desafios do amor. E é sempre interessante sermos confrontados
com isso.
U@O- Há alguma música do vosso repertório pela qual tenha
um carinho especial?
TS- São tantas! O nosso repertório é muito vasto. Todas
as músicas me tocam profundamente, senão não as conseguia
cantar. Claro que as letras me dizem muito. Também só consigo fazer
tantos concertos porque ao cantar estou a dizer palavras completamente destituídas
de disparate. São palavras que fazem todo o sentido, embora não
reflictam a minha experiência pessoal, porque estou a encarnar uma personagem,
sou uma voz que representa a voz dos músicos que estão ali comigo.
É uma ideia que não nasceu da minha cabeça mas com a qual
me identifico.
"É sempre bom voltar à Covilhã"
|
"Defendo a música portuguesa todos os dias"
|
U@O- Lembra-se da primeira vez que veio à Covilhã?
TS- Lembro-me perfeitamente e ainda hoje falei nisso. Foi numa igreja. (n.r.
Capela de Serviços Sociais, durante a Semana Académica) Eu não
me lembrava de ter vindo aqui a um teatro, onde actuámos pela segunda vez,
só me lembrava dessa igreja. Foi um dos nossos primeiros concertos, em
89.
U@O- Como é que vê este regresso à Covilhã?
TS- Adorei. Gostei imenso de estar aqui. Lembro-me sempre do público
muito entusiasmado nos concertos que aqui fizemos. É sempre bom voltar
à Covilhã. Aliás, eu gosto imenso de cantar em Portugal,
porque é uma experiência muito diferente de cantar no resto do mundo,
onde não percebem aquilo que estou a dizer. É diferente não
só porque percebem o que eu digo mas porque é a minha terra. E eu
gosto muito do meu País.
U@O- Já foi apontada como herdeira da Amália. Como é que
se vê nesse papel?
TS- Apontam-me a mim como a cada cantora nova que aparece. Isso só
confirma a grandeza da Amália. Ela deixou-nos um legado enorme. Se eu sou
herdeira somos todos herdeiros da Amália. Herdámos todos o que ela
deixou. A Amália para mim é uma figura de grande inspiração.
Ela é um mito. Eu só tenho esta idade e espero ter saúde
para cantar muitos mais anos. Mas admiro-a imenso e a acho que de certa maneira
a nossa música lhe é dedicada.
U@O- Gravou recentemente com o Sérgio Godinho o "Pode alguém
ser quem não é?". Como é que surgiu a parceria?
TS- Partiu de um convite dele. Nunca privámos muito, mas a minha relação
musical com ele é de uma pessoa de referência. Lembro-me de, em miúda,
ouvir na rádio as músicas dele. É um caso extraordinário
de longevidade como compositor e intérprete e com um talento muito particular
para cantar as palavras portuguesas. Por isso fiquei contente com o convite e
acho que me adaptei bem à canção.
U@O- Nos últimos tempos tem-se falado mais que nunca na defesa da música
nacional e muito se tem reivindicado o cumprimento dos 40 por cento de quota.
O que acha desta situação?
TS- Eu defendo a música portuguesa todos os dias. Acho que a música
portuguesa está defendida, tem imensos compositores e autores de qualidade,
e isso é a melhor forma de defender a música portuguesa.
U@O- Mas têm uma explicação para o facto de a maioria das
principais rádios portuguesas continuarem a ignorar a música portuguesa?
TS- Não tenho uma explicação para isso. Acho que é
uma questão de gosto, de cultura. Não são só as rádios
que ignoram. Gostaria que as coisas fossem diferentes.
PAM- Mas não é só isso, o ideal era que se fizesse
uma música que toda a gente gostasse. Esta crise sempre existiu, porque
sempre foi difícil as rádios passarem música portuguesa.
U@O- Parece-lhes que a "Associação Venham Mais 5" vai
conseguir resultados práticos?
PAM- Espero que sim, mas não confio muito numa visão de sociedade
em que aparece o estado como que a determinar o que é que as pessoas devem
fazer.
TS- Eu não conheço a associação, ninguém
me falou sobre o assunto. Mas espero que sim, se isso for uma batalha válida.
U@O- Para uma banda que já é conhecida mundialmente o que é
que vos falta concretizar?
PAM- A actividade dos Madredeus depende da nossa iniciativa. O nosso sonho
é que possamos continuar a tomar a iniciativa, continuar a tocar e fazer
uma nova tournée que dure dois ou três anos como esta do "Movimento".
Som
contemporâneo de raiz tradicional portuguesa
|
Os Madredeus
contam já com dez álbuns gravados e mais de
três milhões de discos vendidos
em todo o mundo
|
|
Em 1985 Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão idealizaram
fazer "um outro tipo de música". Pouco depois juntaram-se-lhes
Gabriel Gomes, Teresa Salgueiro e Francisco Ribeiro. Assim surgiu
a formação inicial dos Madredeus.
Entretanto o grupo foi percorrendo um caminho repleto de sucessos
com um som contemporâneo de raiz tradicional portuguesa. Sempre
com o intuito de fazer propaganda à guitarra clássica,
os Madredeus procuram agarrar o público com músicas
sedutoras e letras "num português musical".
Actualmente, Pedro Ayres Magalhães, Teresa Salgueiro, José
Peixoto, Carlos Maria Trindade e Fernando Júdice, são
o rosto de um grupo que se conseguiu projectar além fronteiras.
"Os Dias da Madredeus" (87); "Existir" (90);
"Lisboa" (91/92); "Espírito da Paz" (94);
"Ainda" (95); "Paraíso"(97); "Antologia"
(00); "Movimento" (01); "Electrónico"
(02); "Euforia" (02) são os trabalhos editados
pelo quinteto.
Com dez álbuns gravados e mais de três milhões
de discos vendidos nos quatro cantos do mundo, o desejo dos Madredeus
passa por continuar a tocar, como têm feito até agora,
músicas com palavras "destituídas de disparate".
|
|
|