Urbi @ Orbi- Como foi ser o primeiro presidente de Câmara após
o 25 de Abril?
Augusto Lopes Teixeira- Já vinha de longe a minha participação
na política, sempre nas fileiras da oposição. Pertenci a
todas as comissões e esta foi uma da razões pela qual ingressei
nos quadros da Câmara. Primeiro como vice-presidente da Comissão
Administrativa e só depois é que fui convidado pelo Partido Socialista
a candidatar-me a presidente da Câmara. Ganhei com maioria absoluta e fui
presidente durante três mandatos sucessivos. Não continuei porque
não quis, devido a conturbações existentes dentro do Partido
Socialista. Não gostei de certos caminhos e certos comportamentos e por
conseguinte disse chega.
U@O- Em que ano foi eleito para o cargo?
ALT- Fui eleito em 1976, com as primeiras eleições livres que
houve para as Câmaras.
U@O- Como surgiu o seu gosto pela política?
ALT- Como qualquer rapaz da minha idade sentia o peso do pé da ditadura.
O que derivava duma organização que era a Mocidade Portuguesa. Andávamos
todos fardados e isso desagradava-me. Eu não gostava das fardas. Acho que
as fardas são para os militares e nunca tive espírito militarista.
A minha tendência vem já de muito novo. O ambiente que vivia em casa
também me influenciava, o facto de ser de uma família particularmente
republicana e democrata, por conseguinte contrária ao regime e à
situação que então existia.
U@O- Para além de se dedicar à política, o que fazia
antes de ser presidente de Câmara?
ALT- Era um simples homem de negócios.
U@O- Que tipo de negócios?
ALT- Tinha representações de vária ordem, mas sobretudo
na área da construção civil.
U@O- Como era a Covilhã antes da Revolução de 1974?
ALT- Antes do 25 de Abril, a Covilhã era uma cidade feudal onde havia
uma classe que dominava completamente os outros. Era a classe dos industriais.
A indústria detinha o poder económico, o qual também conseguia
manobrar a própria política, sobretudo nessa altura onde predominavam
os ideais salazaristas. Um dia, eu e um conjunto de rapazes de 18, 19 anos pensámos
contestar os poderosos desta terra que eram os industriais. Tomámos Cunha
Leal como retrato, essa célebre figura da República, que aproveitava
as reuniões das Assembleias Gerais das empresas, onde era accionista, para
atacar as directivas impostas à sociedade portuguesa pela ditadura de Oliveira
Salazar. Fomos às associações, não de carácter
económico mas sim desportivas e não só, contestar o seu poder,
discordar dos seus métodos e discutir soluções. Assim atacávamos
o regime e tomávamos uma nota de liberdade sem pôr em perigo a nossa
situação social e humana de sermos perseguidos pela polícia.
U@O- Essa contestação não teve consequências?
ALT- A partir desta data tive vulgarmente a visita da polícia política
sempre em minha casa, obrigando-me a levantar às tantas da manhã,
obrigando-me a mostrar os papéis, três, quatro e cinco vezes ao longo
dos anos, sobretudo nas datas festivas, 5 de Outubro ou 1 de Maio. O 25 de Abril
foi também por isso uma revolução salvadora.
U@O- Depois do 25 de Abril como é que se sentiu essa liberdade na Covilhã?
ALT- As diferenças mais significativas foram do ponto de vista social.
Aquele fosso enorme que existia entre patrões e empregados, entre industriais
e não industriais desapareceu. A classe dominante recuou e refugiou-se
em sua casa.
"Foi uma época muito difícil
e para algumas classes sociais foi até doloroso. "
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"Se alguém fez obras no nosso País foi o poder local"
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U@O- Quais as principais obras que recorda enquanto presidente de Câmara?
ALT- O tempo em que fui presidente, foi um época terrível. Havia
uma certa anarquia. A dada altura já não se sabia quem mandava no
País, se era o Presidente da República se era uma Comissão
de Moradores. Não se tratou apenas de tirar um Governo e pôr outro,
tratou-se de se alterar todo um sistema implantado. Esta situação
criou dificuldades imensas. Houve um período em que íamos buscar
empréstimos lá fora para comer cá dentro. Foi uma época
muito difícil e para algumas classes sociais foi até doloroso. Recordo-me
de uma vez entrar na reunião da Câmara e de ouvir os operários
do Ernesto Cruz dizerem-me "ajude-nos senhor presidente porque temos fome".
É um quadro que não pode deixar ninguém indiferente.
U@O- Ou seja, não se fizeram grandes obras porque o dinheiro era preciso
para bens essenciais?
ALT- Não havia dinheiro para nada. Mas é importante dizer que
foi feito o saneamento básico do concelho. Quando entrei para a Câmara
havia apenas uma freguesia que tinha saneamento, que era o Tortosendo. Das restantes
30 freguesias nenhuma tinha saneamento. Quando saí ficaram oito por fazer.
Do ponto de vista da electrificação temos que ser justos. A anterior
situação política já tinha feito algum trabalho nesse
domínio. O concelho estava todo electrificado.
A variante à Covilhã também é uma obra do meu tempo,
embora fosse uma solução que já viesse de trás, foi
concretizada e inaugurada no meu tempo.
U@O- Como era a indústria têxtil nessa altura?
ALT- Nessa altura a indústria têxtil estava bem e os negócios
eram óptimos. As dificuldades não eram grandes e não se assistiu
a um grande número de falências. Apenas houve algumas conturbações
por motivos de reivindicação operária.
U@O- Quais as principais diferenças que assinala entre o poder autárquico
da altura e agora?
ALT- Na sua essência e no seu suporte legal, o poder autárquico
é o mesmo. Se alguém fez obras nosso País foi o poder local.
Com todas as suas limitações, o poder local debruçou-se sobre
os problemas e sobre o drama das populações que não tinham
estradas, não tinham saneamento, não tinham sequer cemitérios.
Neste domínio houve uma obra imensa do poder local. Pergunte-me como foi
possível ou onde se foi buscar tanto dinheiro e eu não lhe sei responder.
É o poder local que está mais próximo das populações
e sente a pressão da necessidade de fazer alguma coisa apesar das limitações
existentes.
U@O- Como vê hoje a política?
ALT- Vejo a política como sempre a vi, com bons e maus políticos.
Hoje fala-se muito contra os políticos sem razão porque as ideias
não são todas iguais. Os homens não têm todos as mesmas
ideias. Não posso pensar mal das soluções apresentadas pelos
outros a não ser que sejam ineficazes e que essa ineficácia seja
propositada.
Acusam-se os deputados de cometer irregularidades e de não servirem o País.
Isso não é verdade. Não há democracia sem parlamento
e não há parlamento sem deputados. O que os homens são é
bons ou maus. O problema é se os homens são sérios ou não
são sérios. Isso é fundamental.
"Se não fosse a Universidade, a Covilhã
andava de chinelos de corda"
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"A produção agrícola tem que estar ao lado da
produção industrial"
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U@O- Acompanhou a passagem do antigo Instituto Universitário a Universidade
da Beira Interior. Como vê hoje o papel desempenhado pela UBI?
ALT- Quando apareceu o Instituto Politécnico e a Universidade foi um
passo de gigante para o benefício desta região. Mas para além
disso teve implicações sérias e positivas no domínio
do escalonamento social e da orientação do ponto de vista económico.
Se não fosse a Universidade, a Covilhã há muito andava de
chinelos de corda. A UBI foi a grande salvadora social e económica desta
região. O aparecimento da Faculdade de Medicina vem reforçar isso.
É o trazer para cima o movimento social e económico desta região.
A Faculdade de Medicina deve-se exclusivamente a dois homens: António Guterres
e José Sócrates.
U@O- Esteve 12 anos como Director Delegado na Associação de
Municípios, qual era o papel desta entidade nessa altura?
ALT- Fui Director Delegado da Associação de Municípios
entre 1986 e 1998, depois de ter terminado o mandato como presidente de Câmara.
Na altura dizia e continuo a dizer que as Associações de Municípios
são indispensáveis por uma razão muito simples: ninguém
se dá bem nos pequenos espaços, se os pequenos espaços fossem
a solução ideal do recorte lógico e territorial, económico
e demográfico das regiões, não se tinha formado a União
Europeia. A Associação de Municípios funcionava como um grande
espaço demográfico, social e económico. Eu disse uma vez
ao presidente da Câmara de Castelo Branco que é um homem inteligente:
faça o que eu tentei e não consegui, uma sub região da Cova
da Beira com peso demográfico, económico e com o peso político
que não tem. Mas tem uma coisa fundamental que é a água.
A Serra da Estrela é um dos maiores mananciais de água da Península.
Hoje os presidentes de Câmara têm que ter uma visão para além
do simples saneamento ou da construção de uma ponte. A Associação
é um grande espaço que devia ter sido aproveitado e que até
hoje não foi. Eu fui Director Delegado, tinha toda a liberdade, mas a decisão
política não era minha.
U@O- Considera então que era importante a criação de
uma Comunidade Urbana ou Intermunicipal?
ALT- Com uma perspectiva mais restrita que são as Associações
de Municípios, entendo que tudo o que é convergir esforços
tem maior utilidade e melhores resultados do que o esforço isolado de uma
Câmara ou de duas Câmaras amigas. Estas soluções não
se podem pôr no plano da amizade, mas sim dos interesses da região.
U@O- Na sua opinião o que é que ainda faz falta na Covilhã?
ALT- Muita coisa. Falta um metropolitano de superfície que ligue a
grande sub região da Cova da Beira. O crescimento da zona da Beira Baixa
tem que passar obrigatoriamente por três cidades: Covilhã, Fundão
e Castelo Branco.
Falta também a instalação de novas industrias e relacionado
com a água, falta o regadio da Cova da Beira que pode e deve ser a alavanca
do desenvolvimento desta zona. A produção agrícola tem que
estar ao lado da produção industrial.
U@O- Porque é que acha que o processo do regadio está a levar
tanto tempo a concretizar?
ALT- Essa é a interrogação que eu coloco há muito
tempo e que nunca ninguém me soube responder. Quando fui presidente da
Câmara estive diversas vezes em Lisboa com responsáveis pelo Ministério
da Agricultura e nunca me souberam responder a essa questão.
U@O- Quanto à implementação de novas industrias, como
é que é possível atrair empresas para se fixarem na região?
ALT- Tem que ser feito um plano de industrialização. Eu cheguei
a propor esse plano na Associação de Municípios da Cova da
Beira. Vamos pedir para que seja feito um estudo económico de toda esta
zona e que depois descobrir que aproveitamento, que industrias, que meios financeiros
são necessários. Caso contrário não será possível
fazer nada de útil.
U@O- Considera que o Parkurbis é nesse aspecto um passo importante?
ALT- Acho que sim. Tudo o que se faça neste domínio e tudo o
que mexa com a ciência e com a técnica é indiscutivelmente
um benefício para as regiões que tiverem a coragem e os meios capazes
de o desenvolver.
"Nem todos podemos
ser doutores e é preferível haver um bom presidente
da Câmara do que um mau doutor"
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Augusto Lopes Teixeira nasceu a 16 de Julho de 1928 na Covilhã.
Estudou no Liceu Municipal e depois passou para o Colégio
Moderno onde concluiu o liceu. "Gostava de ter seguido para
Direito", afirma. Mas não sabe por que razão
acabou por ficar no Interior. "Nem todos podemos ser doutores
e é preferível haver um bom presidente da Câmara
do que um mau doutor". É casado e não tem filhos.
O seu gosto pela política nasceu cedo, talvez impulsionado
pela oposição ao regime em vigor e sempre contra os
ideais salazaristas. O tempo em que assumiu a presidência
da autarquia "foi difícil porque não havia dinheiro
para nada", mas havia algo fundamental: a liberdade.
Aos 75 anos de idade, Lopes Teixeira, afirma gostar da paródia
mas acima de tudo de viver a vida. É isso que me tem mantido
até esta idade", sustenta.
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