Fernando Gama é algo crítico em relação ao Governo timorense
Alunos timorenses na UBI
"A Língua é de facto a grande barreira"

A barreira linguística tem sido a maior dificuldade de integração dos 13 estudantes da mais jovem nação do mundo - Timor. Oriundos de diversos locais deste país, os jovens encontram-se na UBI, desde 2001, no quadro da cooperação entre Portugal e Timor. A criação de um ano zero é apontada por muitos docentes como um forma possível de ultrapassar as diferenças de ensino e aprendizagem que já conduziram a várias desistências e algumas reprovações.


Por Carlos Borges


O Urbi@Orbi, quis saber como é que tem sido a vivência dos estudantes timorenses na comunidade académica. O frio e a língua foram duas dificuldade apontadas pelos entrevistados, como causa da difícil adaptação. "Aperfeiçoar a língua portuguesa e conhecer melhor a cultura do povo português, são os meus principais objectivos", afirma Carlitos Mota, natural de Dili e estudante do 2º ano da licenciatura em Língua e Cultura Portuguesa. Com 40 anos, casado e pai de três filhos, "não tem sido fácil a nossa adaptação, porque além das características climatéricas serem diferentes das nossas, a barreira linguística é de facto a nossa pior inimiga", confessa. Embora Mota fosse professor de Português numa Escola Secundária, em Bécora - Dili - onde trabalhava como tradutor, reconhece que a dificuldade na integração dos timorenses nas diversas universidades portuguesas, prende-se sobretudo com a língua. "Durante a ocupação indonésia, o Português foi uma língua proíbida em Timor. Havia quem falasse português, como os meus pais, mas às escondidas, sob pena de serem presos pelos militares indonésios", explica, acrescentando que o regime indonésio, considerava a lingua portuguesa um instrumento de política que os guerrilheiros da FRETILIN - Frente da Libertação Nacional- nas recônditas montanhas de Timor, utilizavam para comunicar com os seus apoiantes.
Antes de vir para Portugal frequentava o curso de Matemática, na Universidade de Dili. Afirma-se satisfeito por estudar em Portugal e contactar novas culturas, "isso só nos enriquece", frisa Fernando Mousinho Gama, natural de Lospálos - ponta leste de Timor- é estudante do 1º ano de Matemática Ensino. Mas confessa que tem enfrentado grandes dificuldades, na adaptação sobretudo no domínio da língua. Porém à medida que o tempo passa, vai ultrapassando esses constrangimentos, embora reconheça que não tenha sido nada fácil, na medida em que "o choque cultural é muito forte. Temos uma cultura muito diferente da portuguesa", sublinha. Para este jovem, continuar a estudar em Portugal, apesar dos problemas é o seu grande propósito. "Timor precisa dos seus filhos, por isso pretendo regressar no final do meu curso, para dar o meu contributo ao desenvolvimento do país", garante. Todavia deixa um aviso à governação timorense: "se o país não tomar uma posição séria, para fazer com que a democracia seja respeitada, a grande parte dos quadros não irão regressar, ficando o desenvolvimento do país adiado" Há um sentimento de impunidade, decorrente da falta de justiça e da inércia do Governo, segundo Fernando Gama. Aliás, "os acontecimentos de 13 de Dezembro último foram elucidativos, de que o país precisa de uma maior cultura democrática", sublinha.
Francisco Gonçalves, natural de Dili, 22 anos, frequenta o 1º ano da Sociologia. Falou pouco por não conseguir expressar-se muito bem em português. Comunga da mesma opinião dos colegas de que o maior constrangimento tem sido a língua. Segundo Gonçalves a proibição da língua portuguesa pela Indonésia leva a que estejam "a pagar uma factura muito cara com a nossa integração na sociedade portuguesa". Apesar da barreira linguística, aliada ao factor clima, este jovem não vai desistir de lutar para conseguir o objectivo que o trouxe à Portugal.

"Estou a preparar o meu regresso"

Os timorenses encontram na Língua a principal dificuldade

"Se as coisas continuarem assim, vou regressar a Timor", garante Laura Santos, natural de Dili, 19 anos, que frequenta o 1º ano de Sociologia e uma das três mulheres que fazem parte da comunidade timorense na UBI. Fez os estudos secundários na Indonésia e em 2000 entrou para a Universidade de Dili. "Embora os meus pais soubessem falar português, eu não aprendi", confessa. "Não estou a gostar do curso, porque não se pode gostar de uma coisa quando não se percebe nada acerca dela", frisa.
A Laura já não vai às aulas desde Outubro, alegando a vergonha de estar numa sala de aula, onde a maior dos seus colegas participa, colocando e respondendo a questões. "Não é que não saiba mas a dificuldade linguística impossibilita-me de elaborar uma resposta lógica para o professor", afirma. Daí não descartar a possibilidade de regressar a Timor nos próximos tempos. Aliás, "neste momento estou a preparar os meus pais para o meu eventual regresso", disse, garantindo que ainda vai tentar mudar para um curso profissional, como forma de aperfeiçoar a língua durante pelo menos dois anos e depois retomar os estudos universitários. Não sendo possível o regresso a Timor a possibilidade de estudar na Indonésia torna-se imperativa.





Os alunos deveriam ter um "ano zero"

Antonieta Garcia, professora no Departamento de Letras da UBI, defende um "ano zero" onde os alunos, entre outras coisas, fossem preparados do ponto de vista linguístico para a sua entrada na universidade. "O erro começa quando mandam alunos para uma universidade estrangeira e estes não sabem a língua".
Para os estudantes que estão já na UBI encontrou-se uma forma de os apoiar que consiste numa maior flexibilidade no sistema de avaliação. Ou seja, os dois primeiros anos serviriam de apoio à integração , que passaria por uma presença e participação sistemática nas aulas. Esses pressupostos, no entender de Antonieta Garcia, "vão permitir progressivamente uma maior conhecimento da língua portuguesa, já que o contacto interpessoal é indispensável para aprendizagem de uma língua". Por outro lado é uma forma de "não frustrar a expectativa futura desses estudantes bem como do país" - Timor -,frisa, acrescentando que "é preciso ter alguma tolerância".
Para Paulo Serra, docente no Departamento de Comunicação e Artes, "os alunos deveriam ter um "ano zero" apenas dedicado à aprendizagem e aprofundamento da língua portuguesa e, nos anos da universidade, aulas de apoio de português". De acordo com o professor, dos quatro alunos timorenses que tinha no primeiro semestre, na discplina de Epistemologia do curso de Sociologia, dois desistiram logo no início a todas as disciplinas. Esses alunos, sentiram que não conseguiam acompanhar o curso, tendo decidido por uma formação de índole profissional. "Pela minha experiência pessoal e pela de alguns colegas com quem tenho conversado, a língua é, de facto, a grande barreira", afirma Serra, sublinhando que "é bom não esquecer que existem, na UBI, pelo menos dois alunos que estão a fazer, com êxito, o curso de Língua e Cultura Portuguesas e que serão, portanto, futuros professores de português em Timor".
No entender de Anabela Ferreira, docente no Departamento de Gestão e Economia, "a barreira linguística torna difícil a comunicação entre o docente e o aluno". Contudo, "há um receio por parte dos alunos em colocar as dúvidas e cabe aos professores trabalhá-las com os alunos", sublinha a docente.
Qualquer integração numa cultura diferente requer um esforço de duas partes. É nesta perspectiva que está a ser ministrado um curso de português básico para estrangeiros, destinados a esses alunos, organizado pela universidade. Para Antonieta Garcia, este curso é insuficiente para quem esteja a preparar para ensinar o português no futuro.
O GÉNESIS - um Espaço de Espiritualidade e Cultura, sob a orientação do Pe. Henrique Rios da Paroquia de S.Pedro, quis também associar a esta iniciativa no apoio aos estudantes timorenses. Por isso, conseguiu junto de uma professora de português do ensino secundário, que voluntariamente aceitou o convite para dar umas aulas.