A última peça foi executada no interior dos antigos tanques de tingimento de tecidos da Real Fábrica dos Panos
Música erudita
Cumplicidades

Espectáculo com a formalidade dos concertos de música erudita, VIOLInoACORDEÃO, prima por um ambiente descontraído, criado pela proximidade entre o público e o palco.


Por Daniel Sousa e Silva


VIOLInoACORDEÃO, o espectáculo de João Pedro Cunha e Gonçalo Pescada, ecoou no Museu dos Lanifícios, no passado dia 10, quinta feira. O sexto dia do Ethnicu - Festival Internacional de Música Étnica - ficou marcado por "uma forma diferente de mostrar este tipo de música", diz Pedro Fonseca, membro da organização do festival. "Ouviram-se músicas tradicionais tocadas com uma visão distinta da que, por norma, se tem", acrescenta Pedro Fonseca.
Os músicos consideraram a escolha do local do concerto "fantástica", já que proporcionou "uma acústica muito mais rica, com um colorido diferente".
A "noite de viagem", proposta por João Pedro Cunha e Gonçalo Pescada, transportou o público até países como a Alemanha, a Argentina, a Rússia e os Estados Unidos da América.
Piazzolla, Rachmaninov e Gershwin foram os compositores escolhidos para apresentar na conjugação pouco habitual de violino e acordeão. "Seleccionou-se uma gama variada de autores e estilos para se mostrar que em todos os quadrantes musicais há boa música", elucida João Pedro Cunha, o violinista. O acordeonista, Gonçalo Pescada, acrescenta que "se pretendeu ir além das possibilidades de cada instrumento, à descoberta de novos repertórios que valorizassem mais as músicas".
Portugal também foi um ponto de passagem da "viagem", com a música "Adeus", de Adriano St.Aubyn. Este tema, segundo João Pedro Cunha, "é marcado por uma certa nostalgia misturada com um sentimento de raiva, mas que acaba de forma serena". A composição tem a particularidade de ter sido escrita em dedicatória aos dois músicos.
A cumplicidade entre os músicos foi evidente durante todo o concerto. João Pedro Cunha confessa que "é raro sentir com outro músico a afinidade que tenho com o Gonçalo, estendendo-se esta a pontos comuns na forma de sentir e ver a vida".

Ambiente quase familiar

Uns meros dois metros separaram o público dos músicos. O violinista revela que "há uma energia positiva que parte do público quando este está próximo e só quem está em palco é que a sente e compreende".
Um dos momentos altos da noite foi o solo de Gonçalo Pescada, em que a música jazz para acordeão "Passos", de Vlassof, arrebatou longos aplausos do público. João Pedro Cunha introduziu o solo do colega afirmando que se tratava "de um exemplo de todas as potencialidades" daquele instrumento.
O concerto terminou de forma peculiar. Os dois músicos executaram a última peça no interior dos antigos tanques de tingimento de tecidos da Real Fábrica dos Panos. Escolheram "Czardas", de Vittorio Monti, uma composição de "carácter cigano", para a "viagem", tal como o povo cigano, "não parar em algum sítio em particular".
Os insistentes aplausos do público conduziram a um encore. A pedido dos músicos, a audiência colaborou na construção de um ritmo diferente da melodia "Garota de Ipanema", de Caetano Veloso. O resultado final culminou numa interacção cúmplice entre todos os presentes no evento.
Luzia Silva assistiu ao concerto e considerou-o "notável". De lamentar, apontou apenas o facto de "não existirem mais iniciativas deste género na Covilhã".
Pedro Fonseca constata que "à partida, não há uma ligação directa entre este espectáculo e a especificidade do festival, mas lembra a discussão de "a música erudita ser ou não considerada música étnica"
A presença dos dois músicos no festival foi possível, segundo o organizador, "graças à sua boa vontade e ao interesse de quererem vir mostrar o seu trabalho original".
O objectivo da organização do Ethnicu é criar "um bom ambiente" entre os grupos que actuam e as pessoas que assistem aos eventos, apostando na diversidade das propostas do festival.


Os músicos



João Pedro Cunha, natural do Porto, fez os seus estudos de violino e formação musical entre 1983 e 1990 no Conservatório de Música do Porto. Em seguida, entre 1990 e 1995, esteve em Manchester, na Inglaterra, onde se graduou com distinção no Royal Northern College of Music.
Actuou a solo com a Orquestra Clássica do Porto, com a Orquestra do Norte e ainda com vários pianistas como Raquel Correia, João Almeida, Jonnathan Tapp, Roderick Barrand, entre outros. A crítica musical aponta-o como um dos concertistas de topo da nova geração no panorama musical nacional.
Gonçalo Pescada, natural de Faro, iniciou os seus estudos de acordeão com 7 anos e obteve o seu diploma no Instituto Vitorino Matono de Lisboa. Leccionou, entre 1997 e 2000, no Conservatório Regional do Algarve e, actualmente, é professor no Conservatório regional de Albufeira.
O seu recente álbum editado "Intuições", mostra a sua técnica prodigiosa e revela-o como um dos melhores instrumentistas de acordeão do nosso País.
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