Segundo Domingos Terra, o mundo vive governado pelos mecanismos económicos e pelo poder dos media
Encontro de Primavera 2003
"A globalização não é um fenómeno novo"

Nos dias 3 e 4 de Abril a Universidade da Beira Interior recebeu o 2º Encontro de Primavera. Sob o lema: Século XXI - Que Mudanças? Que Esperanças, esta iniciativa foi organizada pelo Génesis - Um Espaço de Espiritualidade e Cultura da Paróquia de São Pedro.


Por Carlos Borges


"A vida não acaba, apenas se transforma", lê-se no suplemento do folheto informativo do Génesis. Foi em torno desta proposição que, durante dois dias, os participantes reflectiram sobre as diversas transformações que ocorreram no século XX e vaticinaram de forma optimista acerca do século XXI. "Há motivo para continuar a ter uma esperança radical na Humanidade", defende Domingos Terra, sacerdote Jesuíta que apresentou uma comunicação no primeiro dia da conferência. Segundo este Jesuíta, a história já teve sinais de opressão e de grande desânimo em que o ser humano se viu impotente, quando confrontado com experiências terríveis que o levaram a interrogar-se sobre a existência de Deus. "É preciso ter em conta que faz parte da condição humana, não ter respostas para esse tipo experiências", sublinha.
O fenómeno da globalização e o poder dos media no século XX foram também assuntos debatidos durante as conferências. "O mundo vive governado pelos mecanismos económicos e pelo poder dos media. A mobilidade geográfica e a possibilidade de estar on-line conduzem ao enraizamento do indivíduo perdendo as raízes tradicionais", afirma Domingos Terra alertando as sociedades tradicionais do Terceiro Mundo para esse novo desafio que a Humanidade enfrenta. Nas palavras deste sacerdote, seria desastroso se essas culturas perdessem o que têm de rico e de belo. As pessoas têm que aprender a conviver com a realidade da mundialização e com realidades exteriores que se cruzam com o universo histórico particular onde elas se integram. "A Igreja tem um papel importante na ajuda a estas pessoas para que não percam as suas raízes culturais tradicionais, a sua forma de estar na vida, na história e no mundo para que elas também possam, a partir da sua riqueza particular, participar nessa "aldeia global", realça.
O padre Jesuíta chama ainda atenção para a fragilidade dos órgãos de soberania dos estados, dos códigos sociais em crise de valores, para um individualismo exacerbado, tudo fruto da dinâmica dessa mundialização. Robustecer o indivíduo através de uma comunicação com o outro foi uma das recomendações deixadas por Domingos Terra.

Uma nova ética

Castro Henriques acredita que a globalização surgiu com a conquista do espaço

No segundo dia, sexta feira, 4, foi a vez de Mendo Castro Henriques, doutorado em Filosofia Política pela Universidade Católica Portuguesa, apresentar a sua comunicação. Mendo Henriques entende que a "globalização não é um fenómeno novo. Ela nasceu há 46 anos com a conquista do espaço, altura a partir da qual, o mundo passou a ser um só". Questionado sobre a possibilidade de haver uma esperança para a Humanidade, socorreu-se de um adágio popular: "a esperança é a última a morrer", acrescentando que a esperança é também a primeira a viver. Ou seja: "a acção humana não é cega, é movida por referências (ideais e valores). Os acontecimentos do século XX permitiram a selecção dos valores positivos e dos valores negativos. Aquilo a que se chama esgotamento das ideologias num certo consenso com as grandes ideias sociais e económicas actuais é, sobretudo, o afastamento das ideologias unilaterais, e, a exigência de visões que tenham uma justiça mais abrangente", frisa. Para este professor as ideologias deixaram de ter o apoio de uma certa ciência e dos exemplos do Nazismo e do Apartheid. Mas a sociedade continua a "sofrer com restos ideológicos e com dificuldade de encontrar uma visão conjunta", refere. Segundo este filósofo, a concepção de uma ética tradicional assente no bem, na tolerância, na caridade e na felicidade, está ultrapassada face a uma nova estrutura das sociedades contemporâneas. O avanço das ciências e o advento das novas tecnologias de informação e comunicação contribuíram para uma ruptura com a ética tradicional impondo uma nova ética que "garante as condições da dignidade humana"
Sobre a guerra no Iraque, Mendo Castro é peremptório ao dizer que o povo iraquiano tem mostrado sabedoria no conflito porque se percebe que não apoia Saddam Hussein, mas também não está interessado em ter uma solução puramente externa trazida pelos anglo-americanos. A dúvida que paira no ar é se este povo terá as forças suficientes para construir o Iraque no pós guerra.
No final do 2º Encontro da Primavera, o padre Henrique Rios, grande mentor deste evento, estava visivelmente satisfeito. "Esta cidade também tem lugar para temáticas sobre pensamentos", defende Henrique Rios acrescentando que conseguir trazer à Covilhã duas pessoas oriundas de diferentes quadrantes de pensamentos filosóficos e teológicos é de facto importante para a cidade. "Há uma certa magia. O homem precisa de ritmos e este ritmo de séculos pode trazer um reforço de esperança", conclui.
Rita Moutinho, um dos cerca de 50 participantes presentes na conferência, considera que esses eventos são importantes na medida em que permitem às pessoas um novo olhar sobre o futuro e desmistifiquem a forma negativista de perspectivar a Humanidade.