Urbi et Orbi - Começaram a vossa carreira
em Dezembro de 1978. Porque é que as comemorações são
sempre em Janeiro?
Zé Pedro - A nossa data de aniversário é dia 13 de Janeiro
- o dia da nossa estreia ao vivo. Realmente conhecemo-nos em Dezembro de 78, mas
a primeira vez que o grupo actuou ao vivo foi em Janeiro de 1979 por isso comemoramos
sempre a nossa carreira em Janeiro.
U@O- Quais foram as mudanças musicais mais importantes na banda desde
1978?
ZP - Eu o Tim e o Kalú estamos juntos desde o início. Conhecemo-nos
os três na sala de ensaios. Nessa altura o vocalista era o Zé Leonel
e tínhamos uma atitude bastante punk influenciada pelos grupos que vinham
de outros países.
Mais tarde, com a saída do Zé Leonel, houve a entrada de um guitarrista
chamado Francis que chegou a gravar connosco o primeiro disco (com ele tocámos
bastante tempo). Ele saiu por volta de 1982, ocasião em que passámos
uma fase de trio. Mais ou menos em 1984 entrou o João Cabeleira. O Gui
já estava a gravar connosco alguma coisa, já fazia algumas participações
connosco ao vivo, mas não estava como elemento efectivo da banda. Acabou
por passar a efectivo com o álbum "Cerco" em 1986.
U@O - O primeiro concerto acústico, "Xutos e Pontapés ao
Vivo na Antena 3" em Dezembro de 1995, valeu o primeiro prémio de
carreira atribuído pelo Blitz. O que foi alterado na vossa carreira?
ZP - Os prémios, pelo menos para nós, não mudam muita
coisa.. É sempre bom ser reconhecido pelo trabalho que se está a
fazer, mas esses prémios não podem influenciar, nem negativa nem
positivamente o trabalho. Acho que o facto de uma pessoa se sentir bem na forma
como está a fazer as coisas e como está a desenvolver o trabalho,
não só a nível de ambiente, como musicalmente é muito
mais importante do que qualquer prémio que possam dar.
U@O - Qual é, então, o melhor prémio para os "Xutos
e Pontapés"?
ZP - Trabalharmos juntos há 24 anos e continuarmos a ter um prazer
muito especial em estarmos juntos a tocar, a compor e dar espectáculos
ao vivo. E esse prémio nunca há-de ser atribuído por ninguém
porque é sentido por nós. De qualquer forma é sempre bom
ser reconhecido, receber alguns prémios.
O acústico da Antena 3 deu mais espectáculos do que nós estávamos
à espera, mas nunca encarámos isso como uma tournée como
encaramos esta que estamos a realizar com a saída do disco "Nesta
cidade". Já é o segundo álbum acústico que fazemos.
Em "Nesta Cidade" o trabalho foi mais
elaborado
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O mais recente espectáculo dos Xutos tem um carácter intimista
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U@O - "Nesta Cidade" foi um álbum construído devido
ao sucesso do anterior?
ZP - Não, foi um desafio que nos foi feito no final de 2001 quando
estávamos a gravar a tournée (com um estúdio móvel)
que chegou a ser editada em disco: "Sei onde tu estás" gravado
em eléctrico. No final do ano surgiu a possibilidade de darmos sete concertos
no Teatro Villaret. Como estávamos com o estúdio, andámos
a "vasculhar o baú" à procura de alguns temas que não
tivéssemos tocado. Desafiámos o Camané para cantar o "Circo
de Feras" e com ele tocámos o "Sopram Ventos Adversos",
original de José Mário Branco. Daqui resultou o trabalho acústico.
Optámos por não incluir nenhuma das músicas que tínhamos
feito no passado, excepto o "Circo de Feras" que ficou com uma atmosfera
diferente devido à participação do Camané.
U@O - Qual é a diferença entre este álbum e o anterior
acústico?
ZP - Este álbum foi mais assumido que os anteriores. O primeiro acústico
nem sequer foi pensado em disco, foi apenas uma emissão de rádio,
gravado através de computador, para que a qualidade de som pudesse ser
melhor, mas não houve possibilidade sequer de tratamento de nenhum dos
instrumentos. Em "Nesta Cidade" o trabalho foi mais elaborado.
U@O - Como é que os fãs reagem a este tipo de trabalho?
ZP - Acho que os fãs têm que reagir àquilo que lhes é
dado. Quando uma banda oferece aos seus fãs um trabalho diferente, mas
com uma postura extremamente forte, os fãs acabam por render-se. Claro
que se antes de iniciarmos a tournée fossemos perguntar às pessoas
se gostariam de ver um concerto acústico dos Xutos, a maioria responderia
que não. Por isso é que eu acho que uma banda não deve fazer
o que os fãs querem, deve antes surpreendê-los e conquistá-los
U@O - Enquanto banda preferem este tipo de concerto ao ritmo das queimas e
dos concertos em grandes recintos?
ZP - Nesta altura da carreira dos "Xutos e Pontapés" é
muito bom fazer uma pausa, um repouso, para repensar acerca do que se tem passado
U@O - Será esta a altura certa para um novo álbum de originais?
ZP - Já temos alguns projectos na manga... estamos a trabalhar num
novo disco de originais que marque 25º aniversário da carreira dos
"Xutos e Pontapés".
U@O - Considera que as pessoas que em 78 tinham 20 anos e iam aos vossos concertos
ainda hoje continuam a marcar presença?
Zé P - Sim... as pessoas que nos ouviam há muitos anos atrás
ainda hoje vêm aos nossos concertos. Podem não ser tão participativos,
porque é claro que num concerto eléctrico as pessoas que ficam à
frente são as pessoas mais jovens, mas atrás vê-se muita gente
que no fim vem dizer que nos viram em 1981,82...
É muito gratificante darmos concertos hoje e vermos pessoas que estavam
connosco na altura que gravámos temas como "A casinha" e o "Circo
de Feras".
"Acima de tudo existe entre nós uma
humildade"
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"Eu acho que o principal não é o tempo de duração
de uma banda, mas o prazer que se tira do trabalho realizado"
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U@O - Porque é que a vossa banda sobreviveu ao longo destes anos ,
quando houve tantas outras que apareceram e desapareceram rapidamente?
ZP - Penso que acima de tudo existe entre nós uma humildade e um respeito
muito grande pelas convicções de cada um. Para além disso
existe uma atitude de "gang" na medida em que nos defendemos muito bem.
Os " Xutos e Pontapés " não são uma banda que tenha
muitas quezílias à volta, não somos uma banda de Jet 7 nem
estamos nada dispostos a isso. Temos necessidade de um bom relacionamento com
o público.
É óbvio que ficamos sensibilizados quando chegamos ao palco e temos
uma imensidão de gente que nos dá força, é isso que
nos faz avançar.
Quanto a mim, é também muito importante a relação
"tu cá tu lá" que temos com o público.
U@O - O facto de cantarem sempre em português impediu-vos de conseguirem
uma carreira internacional?
ZP - Não. Acho que ter uma carreira internacional, ao contrário
do que apregoam muitos artistas, não é nada fácil. Os outros
países já têm as suas bandas implantadas no mercado, como
tal é difícil um artista estrangeiro conseguir uma carreira por
lá.
Há duas bandas portuguesas que o conseguiram muito bem: os Madredeus e
os Moonspel, porque passaram muito tempo noutros países. Os artistas portugueses
que dizer que têm carreiras internacionais mentem, porque nós temos
discos editados em França e no Brasil, e no entanto, não podemos
dizer que temos uma carreira internacional, porque não estamos lá.
U@O - São considerados os "Rolling Stones" portugueses. Aceitam
bem este rótulo?
ZP - Para mim é um privilégio porque os "Rolling Stones"
são a melhor banda mundial que existe e é a minha banda preferida.
Realmente temos uma coisa bastante parecida com os Stones, com as devidas distâncias,
que é um prazer especial que temos de entrar para o palco. Encaramos sempre
os espectáculos como "o espectáculo" ou "o concerto",
e dedicamo-nos de corpo e alma a esse momento. Entramos sempre para o palco com
a mesma adrenalina especial e ainda hoje estamos nervosos em cada actuação.
U@O - Falou-se muito que as rádios não passam música
portuguesa. Acha que isso é verdade?
ZP - Estou em desacordo com alguns músicos portugueses que acham que
a solução para a música portuguesa é tocar nas rádios.
Eu sou totalmente contrário porque esses músicos referem-se a três
ou quatro rádios, que são as rádios nacionais, e esquecem-se
das rádios locais, que são grandes divulgadoras de música
portuguesa. Eu acho que a passagem de música portuguesa na rádio
tem a ver com a sensibilidade de quem dirige os programas. Para isso deve preparar-se
bem o terreno para surgirem boas músicas portuguesas. A rádio será
um patamar superior porque quem produz os discos são as editoras. Se as
elas fossem obrigadas a produzir música portuguesa, basicamente iriam esforçar-se
para vender essa música.
"Não se admite que os preços
dos CD's sejam tão elevados"
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"Nunca prolongaremos a vida dos Xutos apenas por questões monetárias"
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U@O - Robbie Williams defendeu que a pirataria de CD´s poderia ser benéfica,
na medida em que no momento vendem-se menos alguns CD's mas ganha-se mais público.
Qual a sua opinião acerca do assunto?
ZP - Eu acho que defender a pirataria de CD's é uma forma de alertar
as editoras para o alto preço dos CD's. Não se admite que os preços
dos CD's sejam tão elevados. Não percebo porque é que as
multinacionais só começaram a reunir-se para discutir o assunto
da pirataria de CD's há cerca de dois anos, quando todos sabemos que se
pirateiam CD's há muito mais tempo. Com certeza existem interesses que
as multinacionais não revelam. Por outro lado, o que se nota é que
as dezenas de multinacionais foram reduzidas a meia dúzia, mas nem assim
encontram solução. Por estes motivos penso que as pessoas devem
copiar os discos, nem que seja como forma de boicote. Claro que quem sofre é
o artista...
U@O - Podemos contar com os Xutos para mais 24 anos?
ZP - Não sei, mas enquanto tivermos prazer em fazer as coisas...
Eu acho que o principal não é o tempo de duração de
uma banda, mas o prazer que se tira do trabalho realizado. Claro que é
muito bom estar há 24 anos e conseguir ter um espírito tão
bom como nós temos na estrada, a fazer as músicas ou na sala de
ensaios. Mas nunca prolongaremos a vida dos "Xutos e Pontapés"
apenas por questões monetárias porque acho que isso é uma
decadência. Tenho a certeza absoluta que os "Xutos e Pontapés"
não têm necessidade de acabar como banda, a não ser por algum
motivo de força maior.
U@O - Já estiveram muitas vezes na Covilhã. O que pensa da cidade?
ZP - É uma zona privilegiada por um lado, porque tem a serra muito
perto, mas por outro é muito fria. Aqui os Invernos são muito rigorosos,
mas isso é compensado pela paisagem invejável que rodeia a cidade.
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