"Nesta Cidade" é o mais recente trabalho do grupo
Xutos e Pontapés
"Uma banda não deve fazer o que os fãs querem, deve antes surpreendê-los"

No passado fim-de-semana, dias 29 e 30 de Março, os Xutos estiveram na Covilhã. O URBI aproveitou a passagem de uma das bandas mais conhecidas do País pela cidade para entrevistar Zé Pedro. A um passo de completarem 25 anos de carreira os "Xutos e Pontapés" percorrem o País na sua primeira tournée acústica.


Por Elizabete Cardoso e Mafalda Silva


Urbi et Orbi - Começaram a vossa carreira em Dezembro de 1978. Porque é que as comemorações são sempre em Janeiro?
Zé Pedro -
A nossa data de aniversário é dia 13 de Janeiro - o dia da nossa estreia ao vivo. Realmente conhecemo-nos em Dezembro de 78, mas a primeira vez que o grupo actuou ao vivo foi em Janeiro de 1979 por isso comemoramos sempre a nossa carreira em Janeiro.

U@O- Quais foram as mudanças musicais mais importantes na banda desde 1978?
ZP -
Eu o Tim e o Kalú estamos juntos desde o início. Conhecemo-nos os três na sala de ensaios. Nessa altura o vocalista era o Zé Leonel e tínhamos uma atitude bastante punk influenciada pelos grupos que vinham de outros países.
Mais tarde, com a saída do Zé Leonel, houve a entrada de um guitarrista chamado Francis que chegou a gravar connosco o primeiro disco (com ele tocámos bastante tempo). Ele saiu por volta de 1982, ocasião em que passámos uma fase de trio. Mais ou menos em 1984 entrou o João Cabeleira. O Gui já estava a gravar connosco alguma coisa, já fazia algumas participações connosco ao vivo, mas não estava como elemento efectivo da banda. Acabou por passar a efectivo com o álbum "Cerco" em 1986.

U@O - O primeiro concerto acústico, "Xutos e Pontapés ao Vivo na Antena 3" em Dezembro de 1995, valeu o primeiro prémio de carreira atribuído pelo Blitz. O que foi alterado na vossa carreira?
ZP -
Os prémios, pelo menos para nós, não mudam muita coisa.. É sempre bom ser reconhecido pelo trabalho que se está a fazer, mas esses prémios não podem influenciar, nem negativa nem positivamente o trabalho. Acho que o facto de uma pessoa se sentir bem na forma como está a fazer as coisas e como está a desenvolver o trabalho, não só a nível de ambiente, como musicalmente é muito mais importante do que qualquer prémio que possam dar.

U@O - Qual é, então, o melhor prémio para os "Xutos e Pontapés"?
ZP -
Trabalharmos juntos há 24 anos e continuarmos a ter um prazer muito especial em estarmos juntos a tocar, a compor e dar espectáculos ao vivo. E esse prémio nunca há-de ser atribuído por ninguém porque é sentido por nós. De qualquer forma é sempre bom ser reconhecido, receber alguns prémios.
O acústico da Antena 3 deu mais espectáculos do que nós estávamos à espera, mas nunca encarámos isso como uma tournée como encaramos esta que estamos a realizar com a saída do disco "Nesta cidade". Já é o segundo álbum acústico que fazemos.

Em "Nesta Cidade" o trabalho foi mais elaborado

O mais recente espectáculo dos Xutos tem um carácter intimista

U@O - "Nesta Cidade" foi um álbum construído devido ao sucesso do anterior?
ZP -
Não, foi um desafio que nos foi feito no final de 2001 quando estávamos a gravar a tournée (com um estúdio móvel) que chegou a ser editada em disco: "Sei onde tu estás" gravado em eléctrico. No final do ano surgiu a possibilidade de darmos sete concertos no Teatro Villaret. Como estávamos com o estúdio, andámos a "vasculhar o baú" à procura de alguns temas que não tivéssemos tocado. Desafiámos o Camané para cantar o "Circo de Feras" e com ele tocámos o "Sopram Ventos Adversos", original de José Mário Branco. Daqui resultou o trabalho acústico. Optámos por não incluir nenhuma das músicas que tínhamos feito no passado, excepto o "Circo de Feras" que ficou com uma atmosfera diferente devido à participação do Camané.

U@O - Qual é a diferença entre este álbum e o anterior acústico?
ZP -
Este álbum foi mais assumido que os anteriores. O primeiro acústico nem sequer foi pensado em disco, foi apenas uma emissão de rádio, gravado através de computador, para que a qualidade de som pudesse ser melhor, mas não houve possibilidade sequer de tratamento de nenhum dos instrumentos. Em "Nesta Cidade" o trabalho foi mais elaborado.

U@O - Como é que os fãs reagem a este tipo de trabalho?
ZP -
Acho que os fãs têm que reagir àquilo que lhes é dado. Quando uma banda oferece aos seus fãs um trabalho diferente, mas com uma postura extremamente forte, os fãs acabam por render-se. Claro que se antes de iniciarmos a tournée fossemos perguntar às pessoas se gostariam de ver um concerto acústico dos Xutos, a maioria responderia que não. Por isso é que eu acho que uma banda não deve fazer o que os fãs querem, deve antes surpreendê-los e conquistá-los

U@O - Enquanto banda preferem este tipo de concerto ao ritmo das queimas e dos concertos em grandes recintos?
ZP -
Nesta altura da carreira dos "Xutos e Pontapés" é muito bom fazer uma pausa, um repouso, para repensar acerca do que se tem passado

U@O - Será esta a altura certa para um novo álbum de originais?
ZP -
Já temos alguns projectos na manga... estamos a trabalhar num novo disco de originais que marque 25º aniversário da carreira dos "Xutos e Pontapés".

U@O - Considera que as pessoas que em 78 tinham 20 anos e iam aos vossos concertos ainda hoje continuam a marcar presença?
Zé P -
Sim... as pessoas que nos ouviam há muitos anos atrás ainda hoje vêm aos nossos concertos. Podem não ser tão participativos, porque é claro que num concerto eléctrico as pessoas que ficam à frente são as pessoas mais jovens, mas atrás vê-se muita gente que no fim vem dizer que nos viram em 1981,82...
É muito gratificante darmos concertos hoje e vermos pessoas que estavam connosco na altura que gravámos temas como "A casinha" e o "Circo de Feras".




"Eu acho que o principal não é o tempo de duração de uma banda, mas o prazer que se tira do trabalho realizado"


U@O - Porque é que a vossa banda sobreviveu ao longo destes anos , quando houve tantas outras que apareceram e desapareceram rapidamente?
ZP -
Penso que acima de tudo existe entre nós uma humildade e um respeito muito grande pelas convicções de cada um. Para além disso existe uma atitude de "gang" na medida em que nos defendemos muito bem. Os " Xutos e Pontapés " não são uma banda que tenha muitas quezílias à volta, não somos uma banda de Jet 7 nem estamos nada dispostos a isso. Temos necessidade de um bom relacionamento com o público.
É óbvio que ficamos sensibilizados quando chegamos ao palco e temos uma imensidão de gente que nos dá força, é isso que nos faz avançar.
Quanto a mim, é também muito importante a relação "tu cá tu lá" que temos com o público.

U@O - O facto de cantarem sempre em português impediu-vos de conseguirem uma carreira internacional?
ZP -
Não. Acho que ter uma carreira internacional, ao contrário do que apregoam muitos artistas, não é nada fácil. Os outros países já têm as suas bandas implantadas no mercado, como tal é difícil um artista estrangeiro conseguir uma carreira por lá.
Há duas bandas portuguesas que o conseguiram muito bem: os Madredeus e os Moonspel, porque passaram muito tempo noutros países. Os artistas portugueses que dizer que têm carreiras internacionais mentem, porque nós temos discos editados em França e no Brasil, e no entanto, não podemos dizer que temos uma carreira internacional, porque não estamos lá.

U@O - São considerados os "Rolling Stones" portugueses. Aceitam bem este rótulo?
ZP -
Para mim é um privilégio porque os "Rolling Stones" são a melhor banda mundial que existe e é a minha banda preferida. Realmente temos uma coisa bastante parecida com os Stones, com as devidas distâncias, que é um prazer especial que temos de entrar para o palco. Encaramos sempre os espectáculos como "o espectáculo" ou "o concerto", e dedicamo-nos de corpo e alma a esse momento. Entramos sempre para o palco com a mesma adrenalina especial e ainda hoje estamos nervosos em cada actuação.

U@O - Falou-se muito que as rádios não passam música portuguesa. Acha que isso é verdade?
ZP -
Estou em desacordo com alguns músicos portugueses que acham que a solução para a música portuguesa é tocar nas rádios. Eu sou totalmente contrário porque esses músicos referem-se a três ou quatro rádios, que são as rádios nacionais, e esquecem-se das rádios locais, que são grandes divulgadoras de música portuguesa. Eu acho que a passagem de música portuguesa na rádio tem a ver com a sensibilidade de quem dirige os programas. Para isso deve preparar-se bem o terreno para surgirem boas músicas portuguesas. A rádio será um patamar superior porque quem produz os discos são as editoras. Se as elas fossem obrigadas a produzir música portuguesa, basicamente iriam esforçar-se para vender essa música.

"Não se admite que os preços dos CD's sejam tão elevados"

"Nunca prolongaremos a vida dos Xutos apenas por questões monetárias"

U@O - Robbie Williams defendeu que a pirataria de CD´s poderia ser benéfica, na medida em que no momento vendem-se menos alguns CD's mas ganha-se mais público. Qual a sua opinião acerca do assunto?
ZP -
Eu acho que defender a pirataria de CD's é uma forma de alertar as editoras para o alto preço dos CD's. Não se admite que os preços dos CD's sejam tão elevados. Não percebo porque é que as multinacionais só começaram a reunir-se para discutir o assunto da pirataria de CD's há cerca de dois anos, quando todos sabemos que se pirateiam CD's há muito mais tempo. Com certeza existem interesses que as multinacionais não revelam. Por outro lado, o que se nota é que as dezenas de multinacionais foram reduzidas a meia dúzia, mas nem assim encontram solução. Por estes motivos penso que as pessoas devem copiar os discos, nem que seja como forma de boicote. Claro que quem sofre é o artista...

U@O - Podemos contar com os Xutos para mais 24 anos?
ZP -
Não sei, mas enquanto tivermos prazer em fazer as coisas...
Eu acho que o principal não é o tempo de duração de uma banda, mas o prazer que se tira do trabalho realizado. Claro que é muito bom estar há 24 anos e conseguir ter um espírito tão bom como nós temos na estrada, a fazer as músicas ou na sala de ensaios. Mas nunca prolongaremos a vida dos "Xutos e Pontapés" apenas por questões monetárias porque acho que isso é uma decadência. Tenho a certeza absoluta que os "Xutos e Pontapés" não têm necessidade de acabar como banda, a não ser por algum motivo de força maior.

U@O - Já estiveram muitas vezes na Covilhã. O que pensa da cidade?
ZP -
É uma zona privilegiada por um lado, porque tem a serra muito perto, mas por outro é muito fria. Aqui os Invernos são muito rigorosos, mas isso é compensado pela paisagem invejável que rodeia a cidade.