Urbi et Orbi- A guerra colonial foi para muitos ex-combatentes uma época
difícil, de más memórias. O que o motiva a querer estar integrado
numa associação que relembra esses momentos? Não seria mais
benéfico apagá-los da memória?
João Cruz Azevedo- Não concordo consigo. A história não
pode ser apagada e temos que viver com ela. Naturalmente houve colegas meus que
tiveram problemas, nomeadamente o stress pós-guerra, mas acho que são
uma minoria, porque a maior parte das pessoas que combateram no ultramar acabaram,
com maior ou menor dificuldade, por ultrapassar essa fase.
As pessoas lembram o tempo bom e mau. É verdade que os momentos maus se
sobrepõem aos bons, mas o melhor não é esquecer. Acabamos
por saber viver com esse passado e a Liga dos Combatentes é uma boa ajuda
para isso.
U@O- Onde combateu?
JCA- Em Moçambique.
U@O- Durante quanto tempo?
JCA- Vinte e oito meses. Estive em Moeda, que era considerada a terra da guerra.
A guerra desenvolvia-se ali, mas depois acabou por se espalhar por todo o país.
U@O- O regresso e a reintegração na sociedade não foram
obviamente fáceis?
JCA- Não, não foi fácil, mas por razões contrárias
àquilo que possa pensar. Foi
difícil porque eu estive cerca de dez meses em Lourenço Marques,
agora Maputo. A vida lá era muito mais desenvolvida e organizada que em
Portugal, e curiosamente foi essa a minha principal dificuldade.
U@O- É de facto curioso valorizar tanto um cenário de guerra
em relação a um cenário pacífico, como era Portugal.
JCA- Não, a vida era difícil no campo de batalha, mas muito
diferente nos
grandes centros. Nesses locais a vida era melhor do que cá. Logicamente
que o meu caso é diferente dos meus colegas que estiveram na Guiné
- aí sim era um verdadeiro teatro de guerra que não deve ter deixado
saudades.
Os combatentes esperam ter em breve uma nova sede
|
Liga dos Combatentes comemorou 77 anos de existência
|
U@O- Os momentos de reunião entre antigos colegas de armas têm
certamente ocasiões de enorme emoção?
JCA- Sem dúvida. Sempre que nos juntamos anualmente são relembrados
todos aqueles que faleceram, muitos deles com quem privei, o que é
sempre doloroso. Mas aquilo que tem que ser lembrado são as coisas boas,
a
camaradagem, é este no fundo o principal objectivo da Liga dos Combatentes.
U@O - Há quanto tempo existe o núcleo da Covilhã?
JCA- Há 77 anos, desde 1926. A Liga, a nível nacional, nasceu
em 1923, e a Covilhã criou o seu núcleo três anos depois.
Uma associação que foi tendo altos e baixos ao longo dos tempos
mas que em 1980 se regenerou e tem mantido desde essa data uma actividade constante.
U@O- Só aqueles que combateram podem pertencer ao núcleo?
JCA- Não. Há vários tipos de associados. Os sócios
combatentes, os familiares
directos, filhos, pais, mulheres e viúvas, que são os chamados sócios
preliminares. Há ainda agora os sócios que fizeram tropa, mas que
não chegaram a ir para o campo de batalha. Mas obviamente o "verdadeiro"
sócio é aquele que combateu.
U@O- Quantos associados têm?
JCA- Cerca de novecentos.
U@O- Que serviços é que lhes podem oferecer?
JCA- Os objectivos, quer a nível nacional, quer na Covilhã,
são os mesmos,
preservar, perpetuar o nome de todos os combatentes e ajudá-los a ultrapassar
alguns dos seus problemas, entre os quais fazer com que o tempo com que estiveram
a servir Portugal conte para efeitos da atribuição da reforma, e
também ajudá-los a resolver possíveis traumas que possam
ter, apoiando-os e encaminhando-os para instâncias adequadas.
"Somos um dos núcleos com maior actividade a nível nacional"
|
O núcleo conta com 900 associados
|
U@O- Têm ainda outras iniciativas, entre os quais se insere um jornal
trimestral?
JCA- Sim, posso aliás afirmar que somos provavelmente um dos núcleos
com maior actividade a nível nacional. A edição do jornal
"O Combatente da Estrela" esteve interrompida durante algum tempo, depois
de ter vindo a ser editado mensalmente durante cinco anos consecutivos. Agora
foi possível recomeçar com a publicação, ainda que
trimestral. Fazemos também exposições, temos uma classe de
ginástica, de manutenção, uma equipa de futebol de salão
para veteranos, além das habituais comemorações que são
sempre muito importantes, como o dia 9 de Abril que é o dia do combatente.
U@O- A nível de condições, como estão servidos?
JCA- A sede é na realidade um pouco diminuta, mas em breve teremos
uma nova sede social. Um local incomparavelmente mais amplo, com espaço
para convívios, reuniões, e onde nascerá igualmente um centro
de dia.
U@O- Este é sem dúvida um trabalho difícil e que merece
dedicação. Há quanto tempo está à frente da
associação?
JCA- Há cerca de 15 anos. Durante este mês haverá eleições
e
provavelmente irei para o meu quinto mandato. Não porque não haja
mais
alternativas, mas as coisas assim têm evoluído. Tenho tido sempre
uma grande
ajuda dos elementos que integram os corpos sociais, nomeadamente da assembleia
geral, conselho fiscal e direcção. O trabalho feito é de
todos incluindo dos sócios.
U@O- Pelo que me é dado perceber deve dedicar uma grande parte do seu
dia ao núcleo?
JCA- Sem dúvida, quase posso dizer que lhe dedico mais tempo que à
família.
A situação assim me permite, já que estou reformado.
U@O- E é compensador?
JCA- É. Não por aquilo que recebemos em termos monetários,
que é nada, mas pela ocupação. Foi a melhor coisa que me
aconteceu no pós reforma, é excelente para preencher o tempo e continuar
a ser útil. Já quase não há um dia que passe sem vir
aqui.
|