Cão como nós



de Manuel Alegre










"Nunca como então eu senti o cão tão perto de nós. Sem propriamente ter mudado de feitio, ele estava por assim dizer mais atencioso, seguia-nos pela casa toda, estava, como nós, à espera, como nós, digo bem, como se fosse um de nós. E tenho de reconhecer que era. Um grande chatio, sim, um cão rebelde, caprichoso, desobediente, mas um de nós, o nosso cão, ou mais que o nosso cão, um cão que não queria ser cão e era cão como nós".



Por Eduardo Alves


O tempo é de grande actividade literária. Escreve-se por tudo e por nada. Muitas temáticas e razões defendidas em inúmeras publicações. Há também quem deseje ser a personagem central de um romance ou novela quixotesca, em versão light.
Manuel Alegre abandonou estas duas premissas e escreveu brevemente, tanto quanto se lê, um livro sobre um ser especial. Uma novela onde o seu cão é interprete principal. Há primeira vista pode parecer um raciocínio contraditório e uma falha na defesa retórica da obra do escrito natural de Águeda. Até se ler "Cão Como Nós".
Um livro onde se contam episódios do mau relacionamento que o dono tinha com o animal. Passagens reais que se misturam com divagações e sonhos que Manuel Alegre vai tendo, depois da Morte de seu cão, de um grande amigo. Kurika, um épagneul-breton, é o companheiro imposto de muitas horas de pesca, de passeios à chuva e de caça. Momentos vividos com grande tensão entre os dois. Momentos que os foram juntando e também agravando a doença do animal.
A morte de Kurika é o momento chave deste livro. A partir do qual, Alegre exprime a tristeza provocada pela partida de alguém que nos é próximo mas que nem sempre damos a devida atenção.

"Podes correr comigo pela praia fora, aqui ninguém nos vê, somos só nós e o mar, saltas a meu lado como se fosses um pedaço de areia e vento, uma estátua movente, cão de água, anda daí comigo por esta noite dentro".