José Geraldes

"Cidadãos invisíveis"


Um deficiente vale o preço de uma vida normal

O Conselho da Europa propôs o ano de 2003 como Ano Europeu da Pessoa com Deficiência. O objectivo desta iniciativa pretende concentrar as atenções da Comunidade sobre um conjunto de pessoas ainda discriminadas em muitas situações da vida. O Ano abriu, na Grécia, em Janeiro, e, em Portugal, esta semana.
É de esperar que este Ano Europeu não se transforme em manifestações meramente folclóricas e deixe de lado a resolução de uma série de problemas com que se debatem os deficientes.
Há uma base de partida que se afigura fundamental. O deficiente é uma pessoa com todos os direitos inerentes à dignidade de ser humano. Daí a primeira barreira a ser eliminada se concentrar no conceito de "coitadinho".
Nenhum deficiente seja de que área for, se deve considerar "um coitadinho". Raia mesmo a injustiça tratá-lo assim.
Por isso, seja qual for a deficiência de que seja portador, o deficiente é merecedor de toda a confiança social. E nenhum obstáculo se deve impor no acesso ao emprego.
São conhecidos casos de sucessos de deficientes desde as áreas do saber às questões técnicas. E o facto de um presidente dos Estados Unidos de só se poder movimentar em cadeira de rodas não impediu que dirigisse e vencesse a Segunda Grande Guerra Mundial.
Em Portugal, uma das lutas dos deficientes tem a ver com a eliminação das barreiras arquitectónicas nos edifícios públicos. E, sobretudo, nas construções novas, já que, em edifícios antigos, dados a especificidade dos seus projectos, a questão apresenta-se muito problemática.
Em 1997, foi publicado um decreto-lei que estipulava exactamente um prazo de sete anos para a eliminação destas barreiras arquitectónicas nos edifícios públicos e enumerava uma série de novas regras a observar nas novas construções.
A um ano do final do prazo, não se conhecem quaisquer resultados de uma avaliação independente sobre a aplicação da lei. Aliás, um dos actos comemorativos do Ano Europeu da Pessoa com Deficiência no País poderia ser verificar o que se fez e se omitiu neste capítulo. E velar para que até 2004 o decreto-lei tivesse a aplicação devida.
Uma boa política da deficiência não pode deixar de analisar com o devido cuidado a integração familiar. Um documento do Vaticano já de 1981 sublinha justamente que "é no lar doméstico, rodeada pelos afectos familiares que a pessoa deficiente encontra o meio mais natural e mais adaptado para o seu desenvolvimento". Quem melhor do que os pais e familiares podem criar este espaço afectivo?
Os lares residenciais por melhores que sejam dificilmente substituem o afecto da família. Por isso, todo o apoio dado às famílias nunca será demais. Um deficiente vale o preço de uma vida normal.
O testemunho do filósofo francês Albert Mournier, criador de uma corrente do personalismo que, com uma filha deficiente, dizia ter vivido momentos de rara felicidade, é, a este propósito, um exemplo do valor do dom da vida.
Esquecidos quando se organiza a vida em sociedade, os deficientes considerados "cidadãos invisíveis" têm o direito de nos interpelar pela desatenção dos seus direitos como seres humanos.
Muitos animais, nesta sociedade individualista, dispõem, por vezes, de mais cuidado do que os nossos deficientes.