António Fidalgo

A UBI e a hispanidade de Portugal


O I Encontro de Literatura e Cultura no Espaço Ibérico, organizado na UBI entre 11 e 13 de Março de 2003, ocorre precisamente dez anos após a morte de António José Saraiva, o defensor da hispanidade de Portugal. Para o historiador, cuja campa se encontra na terra de seus pais, nas Donas, a pouco mais de uma dúzia de quilómetros da UBI, Portugal é de raiz uma nacionalidade hispânica, entendida esta não na versão reduzida e comum de castelhana, mas na versão abrangente de todas as nacionalidades que brotaram do origem leonesa dos finais do século XI e primórdios do século XII. Cito António José Saraiva: “No século XVI, os reis de Portugal não consentiam que os reis de Castela se intitulassem reis de Espanha, porque eles próprios não se sentiam menos ‘espanhóis’ que os castelhanos. Isto correspondia ao sentimento arreigado de uma cultura comum. Os reinos intitulavam-se Portugal ou Castela, a cultura era espanhola. (...) O nome ‘Espanha’ só correspondeu a uma entidade política quando Filipe II ocupou todos os reinos dela. E acontece que tendo os Portugueses saído do reino de Espanha, passaram a chamar ‘Espanha’ por oposição a ‘Portugal’, ao conjunto de reinos a que tinham deixado de pertencer.”
E de tal maneira era assim, que nos séculos XV e XVI não havia problema em usar o castelhano como língua literária, ao lado do português, como fizeram Camões, Gil Vicente, Sá de Miranda, etc.
Renegando a sua hispanidade a partir do século XVII, Portugal renega as suas raízes, sem com isso obter a sua independência cultural. “Económica e politicamente passámos para a órbita da Inglaterra, que fora a inimiga da Espanha a que Portugal pertencera. Literariamente tornámo-nos um arrabalde de Paris.”
Passados séculos de afastamento, de costas voltadas, Portugal e Espanha reencontram-se. O curso de licenciatura em Espanhol, criado e ministrado na UBI, é um contributo para esse reencontro. Posso mesmo dizer que ele é filho daquele sentimento que me levou a escrever em Julho de 1997 no Jornal do Fundão em artigo intitulado “Espanha nossa”: “A Espanha aqui tão perto é hoje o milagre de todos os dias do interior de Portugal. Milagre porque espanto e benefício. Habituados durante séculos a uma fronteira estanque que nos tapava vista e movimentos a Oriente, surpreendemo-nos agora com os vastos horizontes postos a descoberto pela queda das barreiras alfandegárias. A proximidade de Ciudad Rodrigo, Salamanca, Cória, Cáceres, perturba-nos justamente por ser tão próxima. O que dantes era um mundo estranho contra o qual se erguiam castelos e se cerravam fronteiras é agora um apelo enorme à curiosidade, à troca, ao comércio e ao intercâmbio cultural e científico.”