Uma das partes do cenário simboliza a paisagem urbana destruída
Teatr'UBI apresenta novo trabalho
Pedaços de existência

Arte de emoções ao rubro numa mistura de oito actores que proporciona uma obra diferente do habitual.


Por Daniel Sousa e Silva


Nos dias 24, 25 e 26 de Fevereiro o Teatr'UBI levou à cena a peça "A Ferida no Pescoço", baseada no texto "Descrição de um quadro" de Heiner Müller, poeta e autor dramático alemão. A encenadora, Susana Vidal, explica que no processo de criação do espectáculo se pretendeu "uma posição acima da racionalidade e irreductibilidade da criação teatral, sem abdicar do mistério e da sua possível amplificação".
O cenário divide-se em duas partes simétricas. Um lado simboliza uma qualquer casa, o outro, uma paisagem urbana destruída e disforme.
O enredo simples é desmoronado por episódios do mito, da história e do quotidiano, apresentados de um modo surreal, grotesco e, por vezes, humorístico. A acção das oito personagens, em palco, toma a forma de erupções caóticas do imaginário social e político. A mulher que trocou o amante por um par de sapatos bonitos ou o homem que vagueia, por entre escombros, à procura, sem sucesso, da amada desaparecida são exemplos ilustrativos disto mesmo.
Susana Vidal esclarece que "a ideia foi trabalhar a partir de um ensaio e escolheu-se o de Müller, porque fala da fragmentação da memória e do mundo em geral. Pretendeu-se fazer uma crítica à sociedade e à hipocrisia das pessoas."
A peça decorre num estilo em que se utilizam meios multimedia (imagem e som) e um texto preenchido por insinuações e referências históricas à mistura com momentos de cultura pop e iconografia contemporânea. "O que eu queria transmitir era a fragmentação das próprias pessoas, como se se estivesse em estado de sítio ou guerra", elucida a encenadora.
A combinação de acontecimentos ou partes de situações, aparentemente díspares, faz-se sem que haja uma narrativa linear e coerente.
O resultado é uma espécie de montagem, como se fosse um trabalho ainda em preparação. Ricardo Silva, um dos actores do Teatr'UBI, revela que "o trabalho de preparação consistiu em muito improviso e é gratificante termos conseguido a sua conjugação final."
A pequena sala do espectáculo esteve sempre cheia. Um dos espectadores, Tiago Pereira, considera "avant-garde o uso do multimedia como a quarta dimensão física do teatro". Embora não conhecesse Heiner Müller, nem o texto em questão, este estudante de Design Multimédia pensa que "o Teatr'UBI conseguiu uma boa produção e estabeleceu uma relação especial com o público".
Depois de apenas três dias de espectáculo, a peça volta a cena no VII Ciclo de Teatro organizado pelo Teatr'UBI, que se realizará dentro de duas semanas.