"Passei pelas costas de todos
os bombeiros antigos desta corporação"
Perfil
José Flávio Martins tem
55 anos, nasceu e reside na Covilhã. É casado, tem um filho,
e foi professor de Educação Física antes de ser bombeiro.
Entrou para esta actividade aos 16 anos e é formador da Escola
Nacional de Bombeiros. Dá aulas de formação sobre
química de fogo, hidráulica, condução, vistorias,
e aposta no verdadeiro profissionalismo. Para o Comandante dos Bombeiros
Voluntários da Covilhã é importante que as pessoas
trabalhem para conseguir os seus objectivos. José Flávio
quer o máximo para a Covilhã, e espera poder vê-la
como uma das grandes cidades europeias.
U@O-
Vocês têm estudantes da UBI (Universidade da Beira Interior)
aqui como voluntários?
J.F.- Tenho 2 ou 3 estudantes da UBI. Um está a acabar o curso,
outro é muito dinâmico e sempre que tem uma folga, vem para
cá. São todos da Covilhã. Às vezes aparecem-nos
pessoas de outros lados, mas torna-se difícil porque depois não
estão aqui, o que eu compreendo.
U@O-
Há mulheres voluntárias?
J.F.- Temos aqui um grupo de raparigas que, neste momento, umas
porque casaram, outras porque acabaram de ter um bébé, está
reduzido só a quatro elementos. Há algumas que são
o chamado "auxiliar feminino", que eram umas raparigas que vinham
e que se ocupavam de oferecer refeições aos bombeiros durante
os incêndios. As outras, que pertencem ao corpo activo, têm
a mesma instrução que os bombeiros: combate ao fogo, a emergência
pré-hospitalar. Trabalham de igual para igual e o trabalho rende
mais. Estou convencido que se vier mais alguma mulher será muito
positivo.
U@O-
No total, quantos voluntários tem a corporação?
J.F.- Nós temos aqui 100 voluntários, mas a trabalhar,
o que implica ir para incêndios e fogos florestais, são realmente
muito poucos os que aparecem. Se é no interior da cidade, um incêndio
urbano ou industrial dentro da cidade, nos primeiros cinco minutos temos
à volta de 15 pessoas; depois exige, consoante a evolução
do fogo, uns 30 ou 40 bombeiros. No fogo florestal aparece um ou outro.
Se é aqui na encosta da serra, são capazes de aparecer,
se for noutros lados não se sabe se vêm nem quantos vêm.
U@O-
Se um voluntário quiser vir para esta corporação
de Bombeiros na Covilhã, o que é preciso fazer?
J.F.- Primeiro vai dirigir-se aqui à zona do comando e vai
fazer um requerimento. Este é sujeito à aprovação
do comamdo. Tem que viver na área da cidade. Depois irá
fazer testes físicos e testes médicos: tórax, análise
Hepatite, HIV e tuberculoses. A seguir terá uma fase de 350 horas
de formação.
"As
falhas da UBI são decorrentes do próprio comportamento dos
alunos"
U@O-
Visitou recentemente as instalações da UBI. O que tem a
dizer sobre isso?
J.F.- Há algumas falhas nas instalações
da UBI, mas algumas dessas falhas são decorrentes do próprio
comportamento dos alunos. Quando uma Universidade se preocupou nalgumas
fases em ter sistemas de detecção de incêndios, e
quando esse sistema não está funcional, algo está
errado. E isso sucedeu porque os alunos punham os isqueiros debaixo dos
detectores, e os alarmes e as interrupções eram constantes
e acabaram por destruir os equipamentos. Ora aquilo que foi destruído
foi dinheiro de todos nós e isso é crime. As pessoas têm
que ficar avisadas. É importante que as pessoas comecem a respeitar
aquilo que está estipulado. Dei alguns conselhos relativamente
à situação dos laboratórios, como a criação
de saídas de emergência; e utilização de uma
sinalética mais adequada, a nível das residências.
Também a nível do gás, a nível de vias e plantas
de evacuação nos interiores dos quartos foram dados alguns
conselhos. Para mim, uma residência universitária é
um hotel, e como hotel deve ter as mesmas leis que os hotéis porque
se uma pessoa passa cinco e seis anos numa residência conhece os
caminhos como sendo a própria casa.
U@O-
Se tivesse oportunidade de dizer algo relativamente a esse mau comportamento
dos alunos, o que diria?
J.F.- Diria para não se esquecerem que são um grupo
em que o Estado e os pais estão a investir. Se eles andam aqui,
têm que fazer o máximo. Que deixem as noitadas e, acima de
tudo, o álcool. Infelizmente, custa-me, nalguns dias da semana,
ter que transportar jovens de 20 anos, principalmente raparigas, em coma
alcoólico. Devem lembrar-se que vão ser mães e que
são a futura geração deste País.
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José Flávio, comandante
dos Bombeiros Voluntários da Covilhã, ao Urbi et Orbi
"Ter em mente a luta contra o fogo"
José Flávio Martins, professor de Educação Física
aposentado, é o actual Comandante dos Bombeiros Voluntários da Covilhã.
Nado e criado dentro da comunidade, dá aulas de formação
aos voluntários, e dirige e comanda os seus homens, apesar de todos os
problemas existentes. Crítico de uma juventude pouco responsável,
acredita na grande Covilhã e no seu desenvolvimento.
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Por Andreia Reis
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Urbi et Orbi- Como é que entrou para os bombeiros?
José Flávio- Entrei em 1963. Fui um miúdo praticamente
criado dentro dos Bombeiros e vivi sempre os seus problemas. Desde os meus quatro
anos servi de "cobaia" nos exercícios deles. Passei pelas costas
de todos os bombeiros antigos desta corporação. Algo que sempre
me despertou foi a ajuda, o ter em mente a luta contra o fogo, a situação
de sobrevivência. Foi essencialmente o que me levou a entrar nisto.
U@O- Antes de ser comandante, já pertencia ao corpo
de bombeiros. Há quanto tempo faz parte desse corpo e desde quando é
que assumiu o cargo?
J.F.- Eu estive como bombeiro 17 anos. Depois saí, nos anos 80, para
regressar na década seguinte como comandante.
U@O- Qual foi o seu percurso até ter atingido este
cargo?
J.F.- Até chegar à parte de comando, fui bombeiro de terceira
e segunda classe. Após os anos 80, saí por questões profissionais.
Era professor de Educação Física e sentia-me um pouco preso
a isso, até porque a situação era difícil. Em 1986/87,
um grupo de bombeiros do meu tempo começou a actividade e convidaram-me
para regressar. O antigo chefe desse grupo falou comigo e expressaram o gosto
que tinham no meu retorno, mas como comandante. No entanto, tentei sempre fugir.
Sabia que agora os afazeres são totalmente diferentes. Já as circunstâncias
dos anos 90 eram complicadas, quanto mais em relação aos fins
dos anos 70, princípios dos anos 80. Acontece que a pressão foi
bastante forte por parte do vice-presidente da câmara, Alberto Alçada
Rosa, e pelo próprio presidente da Câmara, Carlos Pinto, de quem
sou amigo pessoal. Disseram-me para eu voltar e então aí foi-me
impossível dizer que não. Mas isto tem sido um sacrifício
terrível porque, embora voluntário, passo aqui 10, 12 ou até
14 horas. Ontem, por exemplo, saí desta casa a passar da meia-noite.
Sou o responsável pela formação e, dentro do possível,
tento formar, o mais que posso e o melhor que sei. Mas torna-se difícil
hoje, numa cidade e num concelho como a Covilhã, não ter um quadro
específico de profissionais a reagir ao minuto. É extraordinariamente
importante que isso aconteça o mais rápido possível, até
porque podemos criar esses quadros a nível dos grandes acidentes rodoviários,
a nível dos grandes fogos urbanos, a nível nacional.
Outra situação que nós temos é a Serra da Estrela.
Isto é um concelho muito complicado porque tem já próximo
dos 75 mil habitantes, tem uma zona histórica espantosamente complexa,
tem uma Universidade que ronda os cinco mil alunos, um aeródromo que,
em muito pouco espaço de tempo irá funcionar diariamente, uma
zona industrial com dois parques industriais e uma zona turística muito
diversa, que é a do planalto da Serra, com um grupo de hotéis
muito razoável com grande taxa de ocupação. Isto leva-nos
a ter uma população, durante o Inverno, e ao fim-de-semana, que
muitas vezes ronda as 10 mil pessoas, o que é bastante complicado para
nós.
"É difícil ser-se voluntário"
U@O- Foi, então, a sua paixão e a sua vocação
pelos bombeiros, para além do apoio e da força dada pelo presidente
e vice-presidente da Câmara Municipal que, de certa forma, o fizeram chegar
até ser comandante.
J.F.- Foi. É muito difícil dirigir e comandar homens, principalmente
quando temos uma parte voluntária e uma parte assalariada. Hoje, os nossos
serviços de emergência pré-hospitalar, e os serviços
de longo curso, que se destinam aos transportes de pessoas de Lisboa, Porto
e Coimbra, são serviços nos quais temos que dar resposta ao minuto,
e em que eu, muitas vezes, sou o "tampão" das falhas. Por exemplo,
sou eu que passo a fazer a emergência médica, sou eu que estou
e que faço o desencarceramento, sou eu que assumo as mais diversas tarefas
e responsabilidades nesta casa. Tenho comigo a trabalhar mais um ajudante, e
outros homens a nível de emergência pré-hospitalar. Depois
temos o trabalho de voluntário. Hoje é muito difícil ser-se
voluntário numa casa destas porque as pessoas entram aqui numa hora e
nunca sabem quando saem e cada um tem os seus empregos, as suas famílias,
os seus filhos, a quem têm que dar um certo apoio, muitas vezes, durante
as épocas escolares. Daí ser muito complicado, e que se tenha
pouco tempo para estar aqui. Vêm para passar uma hora e acabam por ter
que ficar mais do que esse tempo, às vezes até o dia todo.
"É muito mais complicado lidar com os alunos
de agora porque deviam ser mais exigentes e menos irresponsáveis"
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"Embora voluntário, passo aqui 10, 12 ou até 14 horas"
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U@O- Disse há pouco que se licenciou em Educação
Física. Actualmente, tem outro tipo de actividade para além desta
ou vive e dedica o seu tempo só ao corpo dos bombeiros?
J.F.- Aposentei-me do tempo militar e do tempo que tinha de ensino. Tive
de ensino 32 anos e passei a estar aqui 24 quase sobre 24 horas. Eu costumo
dizer que lá vai o tempo em que eu era professor e tinha um horário.
Tenho saudades dos meus anos 60, como professor, mas hoje as coisas são
diferentes e é muito mais complicado lidar com os alunos de agora, porque
deviam ser mais exigentes e menos irresponsáveis. Hoje em dia os alunos
não são tão adultos como eram há uns anos atrás.
As pessoas vivem um bocado como "castelos no ar", ocupando posições
em que começam a ter muito dinheiro. Lembro-me que, antigamente, as pessoas
davam-me 20 escudos para guardar à segunda feira. Após o 25 de
Abril, passaram a dar-me 500, e ultimamente, já me davam 5 mil escudos
a guardar. Isto para dizer o quanto as coisas mudaram. Mas é bom que
haja mudanças. Só que quando não há dinheiro, não
há vícios, e acabei por me vir embora.
"Há momentos que são muito gratificantes
e em que nos sentimos muito felizes quando uma vida está entre as nossas
mãos e essa vida é salva"
U@O- Deixou a educação não só
pelo gosto que nutre pelos bombeiros, mas também pelas dificuldades e
mudanças que há hoje no ensino português e nos alunos?
J.F.- Sempre gostei de ser professor e, como já disse, tenho saudades,
mas ensinar aos alunos de hoje é muito mais complicado do que ensinar
aos de antigamente.
Optei por vir para os bombeiros, abracei esta causa e há momentos difíceis,
mas há momentos também que são muito gratificantes e em
que nos sentimos muito felizes: quando uma vida está entre as nossas
mãos e essa vida é salva. É de facto muito compensador.
U@O- Abdicou, então, dos alunos da escola para
ocupar o cargo de comandante dos bombeiros.
J.F.- Sou comandante do corpo de bombeiros e continuo aqui com as minhas
tarefas de preparação física com voluntários. Tento
criar um corpo forte e sensibilizá-los ao máximo para esta função,
que não é fácil. Tem que haver formação muito
elevada a nível de salvamento e desencarceramento, e emergência
médica. Já tivemos bébés a nascer nas nossas ambulâncias
e felizmente têm sido trabalhos bem feitos. Fazemos formação
de técnica de fogo para compreenderem bem a fenomenologia do fogo. Para
isto fazemos os respectivos simulacros uma a duas vezes por ano e, nalgumas
áreas, todos os anos.
"É muito difícil dirigir e comandar
homens"
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"O problema que aparece na Covilhã
sucede em todas as zonas históricas do País e da Europa"
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U@O- Os Bombeiros Voluntários da Covilhã
não têm um corpo permanente. O que acha sobre isso? Quais as medidas
que se poderiam tomar para resolver essa situação?
J.F.- Em relação ao corpo permanente numa corporação
de bombeiros, é extrordinariamente importante. Era uma maneira de resolvermos
muitos problemas ao minuto, e uma maneira de conseguirmos combater algumas falhas
a nível de algumas saídas de emergência. Se nós tivermos
uma saída de emergência para um local que diste alguns quilómetros
da cidade da Covilhã, e se houver outra chamada logo a seguir, ficamos
com alguma dificuldade. Terei que ser eu e o meu adjunto a resolver esses problemas,
se for uma situação de emergência pré-hospitalar.
Uma situação de acidente, já é, de facto, bastante
mais difícil.
U@O- A Covilhã é uma cidade com difíceis
acessos a certas ruas. O que tem a dizer dos acessos à zona histórica?
J.F.- O problema que aparece na Covilhã sucede em todas as zonas
históricas do País e da Europa. É importante criarmos meios
para salvaguardar essas lacunas e que possam ser utilizados ao minuto. Nalgumas
zonas já estão a ser colocadas caixas de primeira intervenção.
Estas têm 80 metros de mangueira, um extintor de pó químico
e todos os meios de ligação. Isto far-se-á de maneira a
que os próprios residentes em qualquer fogo nascente possam utilizar
e circunscrever rapidamente o fogo a uma divisão ou a único piso.
U@O- O distrito de Castelo Branco é uma das zonas do país que
no Verão tem mais fogos. Que medidas é que vocês tomam?
Como é que lidam com isso? Preparam-se antecipadamente para esse tipo
de situação?
J.F.- O problema dos fogos florestais é uma situação
extremamente complexa, isto porque nós éramos a maior zona de
pinheiro bravo da Europa. Esta zona tem sido bastante virada para os incêndios,
tem sido uma calamidade que, por vezes destrói uma floresta com cerca
de 70, 75 anos. Não devem ser autorizadas áreas superiores a 10
hectares de pinho que não sejam intervaladas com carvalhos, cerejeira
brava e com castanheiro. Essas são zonas que fazem diminuir em muito
a velocidade de propagação do fogo. Tal medida deve ser tomada
para que haja mais facilidade de combate aos incêndios por parte dos bombeiros.
Outra situação será a criação de pontes de
arco em zonas estratégicas, com grande capacidade e com facilidade de
acesso a aeronaves pesadas do tipo de helicópteros pesados com capacidade
de cinco mil litros. A situação também dos arranjos dos
caminhos e que a floresta seja sectoriada por vários caminhos e corta-fogos
de maneira a que os bombeiros tenham mais facilidade para chegar aos locais
sem destruirem as viaturas, pois os fogos florestais levam as corporações
a ficarem com dívidas elevadas.
U@O- Que medidas de precaução é que
tomam? Como é que actuam numa situação inesperada?
J.F.- O serviço pré-hospitalar e a emergência médica
são respondidas praticamente ao segundo, desde que as pessoas aqui estejam.
Mesmo que as pessoas que estão indicadas para estas viaturas se encontrem
noutro serviço, estou eu e o meu adjunto, que é formador de emergência
médica, e saímos ao minuto. Se houver um terceiro chamamento,
é mais complicado, terá que se ligar a sirene.
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