Anabela Gradim

Casos de Polícia


Foi na semana passada, pela mão do "Expresso". O País acordou chocado para a notícia de intoleráveis práticas efectuadas ao abrigo de uma praxe académica numa instituição de Ensino Superior. É caso para isso. Eram graves os feitos relatados, como o foi também a manifesta má fé com que os responsáveis justificaram as suas acções.
Escrevi aqui há meses que rituais do tipo dos praticados durante a praxe - não dos de Macedo de Cavaleiros, que são caso de polícia - nem na tropa se justificam. A notícia deveria, porém, fazer-nos meditar em alguns pontos:
1. Os jovens que este ano chegaram à universidade, sedentos de praxar e serem praxados, terão nascido em meados de 1984! São fruto da pedagogia moderna, da escola-espaço-lúdico onde estudar é um prazer e não dá trabalho algum; e foram tipicamente criados por famílias não-repressivas com estratégias que oscilavam entre a satisfação antecipada de qualquer capricho (ausência de frustração), e a demissão pura e simples, que se traduz na manutenção da maior distância possível entre progenitores e rebentos. Parafraseando uma expressão americana, a televisão foi a sua baby-sitter. O resultado está à vista.
2. O "Público" prestou serviço público ao ouvir exemplares praxados e praxantes. Um verdadeiro case study as declarações de uma caloira: "Tivemos de cantar algumas canções a dizer que éramos prostitutas. Para nós tinha piada, mas para ela não". Palavras para quê? É Portugal no seu melhor. Não há nada que possa ser acrescentado a tão eloquente expressão do vazio. Consta que só foi precisa uma costela para fabricar a primeira mulher. Será mais ou menos difícil fazer da mulher uma doutora?
3. Docentes, reitores, conselhos directivos, têm sido apontados por suposta demissão e por fazerem vista grossa ao que se passa nas escolas. É certo que se poderá regular. Mas proscrever a prática do campus só terá como efeito transferi-la para fora dele, em situações sujeitas eventualmente ainda a um menor controle.
Como nota positiva, há que referir que o ministro prometeu inquérito "até às últimas consequências", o que está bem; e a criação de um estatuto disciplinar do estudante do ensino superior, o que estará muito melhor. É confrangedor que as universidades neste domínio se tenham de reger por legislação que remonta aos anos 30.
Enfim, a solução deste imbróglio está, é bem de ver, na mudança de mentalidades, e na Educação mesmo com maiúscula. Algo que se tenta transmitir na universidade, e que infelizmente os factos do quotidiano mostram ter de se tentar ainda mais.
A roda das notícias anda sem sair do lugar, gerindo uma indústria da novidade voraz e veloz. Esperemos que a ministerial promessa não venha para o ano, por esta mesma altura, ou simplesmente quando não houver bons assuntos para noticiar, a fazer primeiras páginas nos jornais, escandalizando todos de novo com uma nova, excitante história, e todavia a mesma.