António Fidalgo

Os professores universitários e a greve


Disse o Eng. José Sócrates no Telejornal de Domingo passado, na RTP, que, sendo deputado, não fazia greve esta terça feira, 10 de Dezembro, dia para que uma das centrais sindicais convocou greve geral. Faz todo o sentido tal decisão. Com efeito, não faria sentido um membro do órgão de soberania por excelência de uma democracia fazer greve. Faz-se greve contra quem manda, e soberania significa justamente não ter um poder superior a quem obedecer, mas sim dispor de autoridade e de poder para mandar.
Poderão os professores universitários fazer greve? Legalmente, é óbvio que podem. A pergunta, contudo, deve ser entendida no mesmo sentido da interpretação que José Sócrates deu na resposta a José Alberto Carvalho, de se iria fazer greve dia 10. Coaduna-se com a natureza do professorado universitário fazer-se greve? A questão não é legal, nomeadamente à luz das leis do trabalho em Portugal, mas se tem sentido à luz do que é ou deve ser um professor.
Ernst Kantorowitcz, um famoso historiador de teoria política, autor da obra Os dois corpos do rei, verificava que há três profissões que têm o direito ao uso da toga: juízes, padres e professores universitários. A toga é o símbolo da maturidade de quem a veste, da sua independência de juízo, da responsabilidade directa perante a sua consciência e o seu Deus. Daí que, para aquele professor que sempre se recusou a ser considerado com um funcionário público, apesar de ensinar numa universidade pública, ser absurdo que os juizes, os bispos ou os professores fizessem greve, porque eles são a instituição em que trabalham, os tribunais, as igrejas, as universidades.
É verdade que em Portugal os juizes já fizeram greve por melhores salários, e que os professores universitários já por diversas vezes recorreram à greve, mas esses factos talvez digam mais sobre o desvirtuamento social e político de instituições importantes da sociedade portuguesa, tribunais e universidades, do que da justeza dessas greves.
Acho que os professores universitários não deveriam fazer greve. Pelas razões invocadas por Kantorowitcz. A docência e a investigação científica devem ser vistas como um sacerdócio, e aqui não há lugar a greves.
Os professores universitários ensinam entre 6 e 9 horas lectivas por semana, mas o que se lhes exige é nada menos que o seu dia a dia, cada dia da semana, seja uma preparação afincada dessas 6 a 9 horas de leccionação, sobretudo através da investigação e da aquisição de novos conhecimentos. Não poderão, em consciência, considerarem-se como funcionários de 35 horas semanais, mas como professores dedicados à formação humana, cultural, científica e tecnológica dos seus alunos.