António Fidalgo
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Tempos sobrepostos, não coincidentes
Começou no último fim de semana o Advento,
e com ele o novo ano litúrgico, mas muitos não se deram conta disso,
nem saberão, já sem a preparação religiosa do catecismo,
o que é isso. O Advento é o período que antecede o Natal,
data marcante para os cristãos, e não só. É um tempo
em que os cristãos se devem preparar para a celebração do
nascimento de Jesus Cristo, que acreditam ser o Salvador.
Antes do ano litúrgico, o tempo em que se dividem as festas religiosas,
havia começado o ano lectivo no início do Outono, e o novo ano civil
iniciar-se-á daqui a menos de um mês. Três anos diferentes,
três tempos que se sobrepõem, nos quais vivemos, mas que não
coincidem.
É bom chamar a atenção para a sobreposição,
não coincidência dos tempos, de modo a darmo-nos conta das múltiplas
dimensões da vida humana. Não podemos, ou melhor, não devemos
olhar para o tempo como um esvair-se uniforme de horas, dias, semanas e meses,
mas como a multiplicidade e diversidade das vivências simultâneas
e sucessivas que a vida toma. Acima do passar do tempo está o viver do
tempo. Um ano lectivo é a forma escolar de modelar o tempo, o ano litúrgico
a forma de o configurar religiosamente, o ano civil a forma de o dividir em partes
iguais de meses, semanas e dias, face aos dados cosmológicos.
Para lá destes tempos, organizados em anos, outros tempos há, pessoais
e colectivos. O tempo que uma pessoa vive, talvez de dor profunda, pouco terá
a ver com o tempo de felicidade de um vizinho ou conterrâneo, o tempo que
se vive em Portugal é certamente diferente do que se vive em Espanha ou
em França.
Vem esta reflexão sobre a pluralidade e sobreposição dos
tempos - mas não coincidência - a propósito de um tempo de
desânimo, de nojo, mesmo de agonia que se instalou ultimamente em Portugal.
Para lá dos tempos que os órgãos de comunicação
agendam há outros tempos muito diferentes e onde é possível
ir buscar ânimo e esperança. O Advento é um tempo de esperança,
um tempo à espera de um menino que será o príncipe da paz.
Os tempos diferentes traduzem também sentidos diferentes da vida. Não
há apenas um sentido, não há apenas uma linha do tempo, há
dimensões temporais que se sobrepõem, que tornam a vida plural.
Há muitos mais tempos, muitas mais coisas, muitos mais sentidos que aqueles
que jornais e as televisões nos fazem ver. O Advento é um desses
tempos, que por agora tem apenas o brilho de uma simples vela, mas que chegará
ao clarão do Natal.
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