Anabela Gradim
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Estudantes adormecidos
Helena Matos é uma jornalista que assina textos
de opinião no Público, escritos com uma particular sensibilidade
feminina - coisa que nem sempre transparece na escrita de mulheres - e que se
transformou numa das minhas leituras favoritas nos últimos tempos. Em parte
porque a atenção e as pregnâncias mediáticas estão
ocupadas por uma crescente e estreita uniformidade que se compraz na reiteração
do mesmo, em parte porque a arte do jornalista consiste em procurar, na amálgama
dos factos, a perspectiva relevante - em vez de a mesma, que pode reassegurar
o profissional nas suas convicções, mas não traz novidade,
e é apenas uma forma confortável de ser acéfalo.
Pois noticiava Helena Matos, que entre a amálgama de factos vindos a lume
durante o julgamento do caso Moderna, pouca ou nenhuma atenção mereceram
dos media os seguintes, que transcrevo: "... algumas das declarações
feitas no Tribunal de Monsanto devem ser tidas em conta quando se debater o ensino
superior privado. Por exemplo, alguém imaginou que tivesse simplesmente
o nono ano de escolaridade o responsável daquela universidade pelos estágios
dos recém-licenciados e pelo desenvolvimento de novas licenciaturas, nomeadamente
em pilotagem?! Mas foi isso exactamente que se ficou a saber graças às
declarações de Paulo Nuno Machado, o jovem que mal saiu da escola
C+S se tornou director administrativo e financeiro dum pólo da dita universidade
e, em seguida, encetou uma auspiciosa carreira académica". A jornalista
conta ainda como uma outra filha do cooperante Vieira Machado, recém formada
em Direito, leccionava na Moderna sete cadeiras da referida licenciatura; referindo-se
ainda à presunção, tida como "natural", de que
os filhos dos cooperantes deveriam muito naturalmente ser convidados para leccionar.
Não assisti às audiências, não ouvi narrar tais factos,
nem os vi reproduzidos em nenhum outro jornal. Mas numa altura em que o Ensino
Superior Público está debaixo de fogo, em que se amontoam sinais
preocupantes, como a defesa, nos media, da nomeação dos reitores
das universidades públicas pelo Governo; e ainda a sofrer a pressão
do Superior Privado, que agora se debate com falta de alunos, e reclama por isso
mercado, cheque-ensino, e em suma, clientes; é urgente reflectir no País
que temos, na dimensão e perversões do seu "mercado",
e nas consequências que uma viragem desse tipo poderá ter para o
País. Porque não haja ilusões. Se a universidade portuguesa
for atacada ou diminuída isso nenhuma consequência trará para
as elites. A formação de que precisam, a de qualidade, comprá-la-ão
muito simplesmente no estrangeiro.
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