José Geraldes


Democracia de qualidade


Os nossos políticos só teriam a ganhar se lessem e aplicassem na vida o discurso. Decerto, a nossa democracia melhorava

Um facto histórico. Pela primeira vez, um papa foi ao Parlamento italiano desde a proclamação da República. Com este gesto, não pôs em questão a laicidade do Estado. O facto levantou uma certa polémica. Mas tudo não passou de uma poeira que imediatamente desapareceu.
No coração da democracia, João Paulo II pronuncia um discurso em que, sem qualquer concessão ao politicamente correcto e, com uma coragem inaudita, aborda problemas fundamentais do nosso tempo. E lança desafios para o futuro.
A visita teve expressão mediática invulgar, com todas as televisões a fazer cobertura do acontecimento em directo. E ecrãs gigantes nas imediações do Parlamento. O discurso de meia-hora foi interrompido com palmas 22 vezes.
De que falou em concreto o Papa ? Da nova Europa que está a nascer. Do seu alargamento a Leste. Quanto ao projecto da Constituição Europeia, João Paulo II reiterou a evidência da referência obrigatória às origens cristãs da Europa. Para que não degenere da sua "extraordinária herança religiosa."
A colaboração da Igreja-Estado também esteve presente no discurso papal na base da " colaboração, independência e autonomia." Outro tema referido centrou-se na "decadência moral alimentada pelos meios de comunicação social."
A "dimensão cruel do terrorismo" é condenada, sem apelo e de forma vigorosa no discurso. Mas a atribuição da sua origem às religiões cristã, islâmica ou judaica revela-se uma "interpretação totalmente deformada." "Uma lógica de confronto sem alternativa" eis o que seria uma guerra no Iraque, segundo o Papa.
Os atentados contra a vida, a crise dos nascimentos, o envelhecimento das populações, as "desigualdades gritantes" no mundo actual são problemas que não podem ser ignorados pelos responsáveis dos Estados e aos quais urge dar resposta urgente e adequada.
O desemprego, sobretudo entre os mais jovens, precisa de ser resolvido, pois trata-se de providenciar o futuro da sociedade. O sistema educativo inscreve-se, na mesma linha de pensamento, na construção dos novos amanhãs : " O futuro de um país depende da educação que quer dar aos seus cidadãos."
Os imigrantes merecem a solidariedade de todos e não podem votar-se à categoria de "marginalizados e esquecidos." E os presos, não obstante os seus crimes, não deixam de ser pessoas humanas com capacidade de regeneração.
A classe política é convidada a reger-se por valores éticos. A História ensina que o desvio das normas éticas conduz à relativização de valores e ao funcionamento do Estado à base do compadrio e do amiguismo e de interesses pessoais e de grupos em prejuízo do interesse geral. Maquiavel bem o demostrou.
Este discurso de João Paulo II tem a estatura de um curso de ciência política a ser obrigatoriamente estudado pelos candidatos a funções políticas. E é um bom guia teórico e prático para os líderes partidários.
Os nossos políticos só teriam a ganhar se lessem e aplicassem na vida o discurso. Decerto, a nossa democracia melhorava na qualidade e o País ficava agradecido.